27 Abril 2024
Poucas semanas após as eleições legislativas marcadas por um avanço da extrema-direita, Portugal comemora nesta quinta-feira, 25 de abril, o 50º aniversário da Revolução dos Cravos, que derrubou o regime autoritário e repressivo de António de Oliveira Salazar em 1974. Sofia Fernandes, diretora da academia Notre Europe e pesquisadora do Instituto Jacques-Delors, analisa, nesta entrevista, as questões políticas e econômicas do país.
A entrevista é de Dominique Nora, publicada por Le Nouvel Obs, 25-04-2024. A tradução é do Cepat.
Enquanto Portugal celebra o 50º aniversário da Revolução dos Cravos, um golpe que se transformou num movimento popular e pôs um fim a 48 anos de ditadura, como podemos interpretar a espetacular ascensão do partido de extrema-direita Chega nas eleições legislativas de março?
Portugal celebra nesta quinta-feira, 25 de abril, 50 anos de liberdade e de democracia. Citando o cientista político português José Adelino Maltez, com a ascensão do Chega atingimos “um interessante grau de competitividade na democracia portuguesa”. Mais do que uma mudança estrutural na sociedade portuguesa, penso que o resultado do Chega expressa o descontentamento ligado a fatores conjunturais de uma parte da população portuguesa, que deve ser ouvida e atendida.
Mesmo assim, o Chega, que foi fundado em 2019, quadruplicou o número dos seus representantes eleitos no Parlamento, contabilizando agora mais de 18% dos votos. Por que esse aumento?
Visto de fora, Portugal é muitas vezes apresentado como o “bom aluno” da Europa, graças a um balanço econômico e orçamentário muito bom: em 2023, o país registrou um aumento econômico de 2,3%, tem a sua dívida pública reduzida para 98,7% do PIB (em comparação com 134,9% em 2020) e permanece com um excedente orçamentário de 1,2% do PIB. Sem esquecer que tem uma inflação controlada, a uma taxa de 2%, e uma taxa de desemprego de 6,5%... Mas este “milagre econômico” tem seu lado sombrio: muitos cidadãos se sentem marginalizados, principalmente devido a problemas significativos de acesso à moradia, à saúde e à educação.
Ou seja, o primeiro-ministro António Costa, que governou de 2015 a 2023, só conseguiu tomar medidas sociais: estabelecimento das 35 horas no serviço público, aumento do salário mínimo, reajuste dos aposentados acima da inflação. O país também abandonou a sua política de “Vistos Gold” e as vantagens fiscais para os estrangeiros…
Naturalmente, o governo socialista de António Costa implementou um programa social ambicioso. O salário mínimo aumentou cerca de 60% nos últimos dois anos. Mas o salário médio não acompanhou este aumento, o que pode alimentar uma sensação de achatamento salarial em parte da população. Sobretudo porque, ao mesmo tempo, os preços dos alimentos e do aluguel explodiram, assim como os juros.
Em Lisboa, os aluguéis aumentaram 50% em três anos. Por que tamanha inflação?
Para reativar a atividade após a crise econômica da última década [ligada à crise da dívida da União Europeia], o governo incentivou o desenvolvimento do turismo – com muitas locações pelo Airbnb –, assim como a chegada de aposentados ricos da Europa, de trabalhadores nômades das techs e de investidores estrangeiros. Dado que existe uma distorção no mercado imobiliário, reforçada pelo ritmo lento da construção de novas moradias. Como resultado, grande parte dos cidadãos com baixos rendimentos e estudantes não conseguem se alojar nas grandes cidades.
António Costa, que pediu demissão em novembro de 2023, chamuscado por um suposto caso de tráfico de influências envolvendo colaboradores próximos, explicou que tinha relançado o crescimento do país graças a uma política keynesiana... mas com dinheiro privado!
Teve que enfrentar muitas batalhas: tornar a economia mais atrativa, impulsionar a inovação, acelerar a transição ecológica e digital... E tudo isto enquanto saneava as finanças públicas. Criou também uma componente social, mas não conseguiu cumprir o seu mandato para dar as respostas necessárias aos problemas significativos que persistem em termos de habitação, saúde, educação e que alimentam o descontentamento da população. Nos hospitais, faltam médicos e enfermeiros, os policiais pedem um adicional de periculosidade, os professores querem aumentos... Assim, devido à frustração, muitos eleitores viraram-se para a extrema-direita.
A imigração também é um combustível para o Chega?
Provavelmente. O número de cidadãos estrangeiros duplicou em dez anos, embora permaneça num nível baixo em comparação com outros países da União Europeia. Mas Portugal precisa acolher os trabalhadores migrantes, especialmente para satisfazer a procura de mão-de-obra em setores como bares e restaurantes e hotelaria, mas também a agricultura. Mais do que a imigração, o desafio para Portugal é frear a emigração. Mais de 2 milhões de portugueses vivem no exterior, enquanto o país tem 10,2 milhões de habitantes. E muitos jovens, muitas vezes qualificados, continuam a procurar melhores oportunidades fora do país. Esta fuga de jovens e de cérebros é também um combustível para o Chega.
Paradoxalmente, o novo governo do primeiro-ministro de centro-direita, Luis Montenegro, terá, portanto, de tomar medidas “de esquerda” para acalmar os descontentamentos?
Ele tem sorte de ter um pouco de margem de manobra orçamentária. Anunciou investimentos públicos na construção de novas habitações, bem como um “choque fiscal”, com redução de impostos para os trabalhadores e as empresas. Também aumentará os salários do funcionalismo público, especialmente dos professores e das forças policiais. Mas o problema é que ele não tem maioria no Parlamento. Terá, portanto, de lidar, aos poucos, com os socialistas que o seu partido bateu por um fio e inclusive com o Chega, com quem recusou formar uma coligação. O Chega já bloqueou a eleição do presidente do novo Parlamento. E o primeiro-ministro teve de chegar a um compromisso: seu partido terá a presidência durante dois anos e os socialistas nos dois anos seguintes... O receio é que, dada esta fragilidade, o governo não consiga durar quatro anos.
Você está preocupada com o país?
Não, Portugal tem um grande potencial e muitos recursos. O país pode, de modo especial, contar com os 22,2 bilhões de euros do plano de recuperação europeu Mecanismo de Recuperação e Resiliência para impulsionar os seus investimentos em energias renováveis e tecnologia digital. Mas é importante corrigir as desigualdades para não alimentar mais ainda este sentimento de exclusão que alimenta os extremos. E também implementar políticas para trazer de volta os portugueses que foram para o exílio e para dissuadir os jovens de saírem do país. Isto está em sintonia com a proposta feita pelo ex-primeiro-ministro italiano Enrico Letta no seu recente relatório sobre o futuro do mercado único europeu para uma “liberdade de permanecer” no seu país.
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“O ‘milagre econômico’ português também tem um lado sombrio”. Entrevista com Sofia Fernandes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU