A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 10,11-18 que corresponde ao 4° Domingo de Páscoa, Domingo do Bom Pastor, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor a quem pertencem, e as ovelhas não são suas, quando vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e sai correndo. Então o lobo ataca e dispersa as ovelhas. O mercenário foge porque trabalha só por dinheiro, e não se importa com as ovelhas.
Eu sou o bom pastor: conheço minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas. Tenho também outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor. O Pai me ama, porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a minha vida; eu a dou livremente. Tenho poder de dar a vida e tenho poder de retomá-la. Esse é o mandamento que recebi do meu Pai.
Hoje celebramos o Domingo do Bom Pastor. A leitura que a liturgia nos oferece no Evangelho de João é um texto que descreve a figura de um pastor e o vínculo de amor que ele tem com cada uma de suas ovelhas, seu cuidado e defesa de cada uma no caso de ser necessário, o conhecimento que ele tem de cada uma e o profundo anseio por outras ovelhas que, embora não sejam de seu aprisco, ele as ama igualmente e quer cuidar delas com o mesmo carinho.
Nós nos concentramos na figura do pastor. Em nossa sociedade ocidental e industrializada, em que a vida transcorre em meio a grandes edifícios habitados por pessoas que não se conhecem, com sons constantes e variados, meios de transporte que transportam passageiros que buscam chegar ao trabalho para descansar no fim da tarde, a imagem de um pastor e suas ovelhas nos remete a pinturas, vídeos ou outros espaços pertencentes a outras culturas. Um pastor geralmente não faz parte de nossa vida cotidiana. Se o texto falasse de outras figuras, como um professor e seus alunos, ou um proprietário e seus funcionários em uma loja, ou um hotel e seus hóspedes, talvez estivesse mais próximo de nós. Mas Jesus usa a imagem do pastor. E isso nos leva a perguntar: quem eram os pastores na época de Jesus? Como eles viviam? O que significa cuidar de cada uma das ovelhas, como Jesus diz no texto?
O pastor era uma pessoa itinerante, que não possuía grandes bens, sendo sua riqueza as ovelhas que ele cuidava com carinho e ternura. Podemos pensar em alguém simples, que conhece a terra onde suas ovelhas pastam, sabe onde estão as nascentes ou pequenas fontes de água para dar de beber ao seu rebanho. Ele está atento aos vários sons do campo, dos animais, para distinguir aqueles que podem ser perigosos para seu pequeno rebanho. Sua vida e suas ações acontecem no mesmo lugar que a de suas ovelhas: os pastos com muita ou pouca grama, o dia e a noite que ele conhece muito bem para cuidar, abrigar e proteger seu rebanho. É uma pessoa cuja vida se desenvolve "de acordo com cada uma de suas ovelhas", e por elas se sacrifica, dorme pouco, está atento tanto de dia quanto de noite para que nenhuma delas se perca, nem sofra com os possíveis acidentes do terreno onde as leva para pastar.
Atrevo-me a fazer uma analogia, embora possa ser polêmica, sobre o que esse vínculo pessoal implica com o cuidado e a relação que temos hoje com os animais e com os cães em geral. Se nos concentrarmos exclusivamente no vínculo, saberemos que há um tratamento amoroso, um cuidado que envolve preocupação e conhecimento mútuos, cada um tem seu próprio nome e é diferente. Eles podem compartilhar a mesma raça, mas isso não os torna iguais, pelo contrário, muitas vezes é motivo de diálogo entre as pessoas que "têm" ou cuidam de cães dessa raça. Envolve um vínculo especial com tempo e dedicação, você deve preparar o local onde ele vai ficar, passear, correr e dormir. Quem cuida ou se preocupa com esse cão organiza o dia de acordo com suas necessidades e isso implica dedicação, atenção e há afeto, amor e é um relacionamento que cresce com o tempo.
Mantendo as diferenças em mente, podemos nos aproximar para entender um pouco mais sobre o relacionamento de um pastor com cada ovelha. Ele envolve uma familiaridade, uma vida compartilhada e uma maneira original de lidar com cada uma delas e com as outras que também fazem parte do rebanho. Há preocupação com o alimento e com os lugares onde há pasto abundante. Ele está atento ao clima para não submeter suas ovelhas a longas caminhadas ao sol ou a possíveis tempestades. Ele está equipado com tudo o que é necessário para o cuidado e a proteção de seu rebanho.
Na história do cristianismo, a imagem do pastor foi desfigurada ao ser identificada com o proprietário, com o instrutor, com aquele que impõe suas ideias ao outro, aquele que já conhece o caminho, alguém que tem certo poder sobre suas ovelhas. Se fosse esse o caso, Jesus teria usado outra figura: um administrador, o dono de uma casa ou de uma terra... No entanto, ele escolheu a imagem simples de um pastor que ama, cuida e zela por cada uma de suas ovelhas.
Por isso é preciso desconstruir a identificação do pastor com uma determinada posição hierárquica, ou daquele que está à frente de uma comunidade, para nos aproximarmos da proposta de Jesus: o pastor pobre e simples que não tem nada e, no entanto, tem tudo: seu pequeno e amado rebanho. Jesus deixa claro que ele não é um empregado, porque elas são "suas ovelhas" e enfatiza a capacidade do pastor de dar a vida por cada uma delas. Se a mantivermos identificada com uma vocação específica, ou com quem estiver em um púlpito e pregar, perderemos a riqueza que Jesus nos propõe. Lembremo-nos das palavras frequentemente citadas do Papa Francisco: pastores com cheiro de ovelhas. Embora ele tenha dito isso em uma reunião de padres, essa frase pode ser aplicada a todas as pessoas em seu relacionamento com os outros. Ser pastor não é um diploma que se recebe, mas um vínculo que se constrói progressivamente, um relacionamento que é mútuo e no qual o amor e o conhecimento mútuo se encontram.
Neste domingo, pedimos a Jesus, o Bom Pastor, que nos ensine a estar perto de nossos irmãos e irmãs seguindo o exemplo de Jesus. Façamos nossas as palavras do Papa Francisco: “Um Deus que se faz próximo por amor, caminha com seu povo e este caminhar chega a um ponto que é inimaginável. É impensável que o próprio Senhor se faça um de nós e caminhe conosco, permaneça conosco, permaneça em sua Igreja, permaneça na Eucaristia, permaneça em sua Palavra, permaneça nos pobres, permaneça conosco caminhando. E esta é a proximidade: o Pastor próximo a suas ovelhas, que conhece uma a uma” (cf. Francisco, O Senhor conhece a bela ciência das carícias).