07 Março 2024
"As mulheres brasileiras conquistaram diversas vitórias nas últimas décadas, mas não têm conseguido romper com as barreiras da desigualdade de gênero na política institucional".
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, publicado por EcoDebate, 06-03-2024.
“Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos;
e aquele que vota contra os direitos do outro, seja qual for a sua religião,
cor ou sexo, desde logo abjurou o seu próprio”
Marquês de Condorcet (1743-1794)
O Dia Internacional da Mulher é uma data de reflexão e um momento de rememorar a luta contra a exploração, a opressão e a segregação feminina na sociedade. É também um momento de lutar pela democracia e de celebrar a perspectiva de uma plena cidadania, especialmente nos espaços de poder.
O Brasil sempre apresentou grandes iniquidades de gênero, uma vez que as mulheres brasileiras eram relegadas à condição de cidadãs de segunda classe. No período colonial, a economia de base agrária e primária, tinha como fundamento a grande propriedade rural, a mão de obra escrava, a família tradicional, o analfabetismo, o patrimonialismo, além de estruturas hierarquizadas e pouco democráticas de poder. Esta estrutura pouco diversificada e excludente não oferecia autonomia e nem oportunidades de emprego extra doméstico para a grande maioria das mulheres. A cidadania feminina era super-restrita.
O Código Civil de 1916 consolidou, na lei, a superioridade e a preeminência masculina, definindo o marido como chefe da sociedade conjugal (Pátrio Poder), além de legitimar os princípios de uma sociedade androcêntrica e patriarcal.
Todavia, a aceleração do processo de urbanização, industrialização e modernização, a partir da chamada Revolução de 1930, possibilitaram que as mulheres brasileiras conquistassem diversas vitórias nas mais diferentes esferas sociais.
Nas últimas décadas, o progresso das mulheres ocorreu em diferentes níveis: obtiveram o direito de voto em 1932; passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940; atingiram a maioria do eleitorado em 1998; reduziram as taxas de mortalidade, elevaram a esperança de vida e já vivem, em média, sete anos acima da média masculina; ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, diminuíram os diferenciais salariais e são maioria da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo; conquistaram duas das três medalhas de ouro do Brasil nas Olimpíadas de Pequim (2008) e Londres (2012); são maioria dos beneficiários da previdência e dos programas de assistência social, conquistaram a igualdade legal de direitos na Constituição de 1988 e obtiveram diversas vitórias específicas na legislação nacional; inclusive, chegaram à presidência do Supremo Tribunal Federal (Ellen Gracie em 2006) e à presidência da República (Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014).
Indubitavelmente, as mulheres brasileiras reduziram as desigualdades de gênero e até reverteram a desigualdade em alguns casos, como no campo da educação e da saúde.
Contudo, a segregação política permanece e a participação feminina na Câmara dos Deputados em Brasília é uma das mais baixas do mundo.
A tabela abaixo, da Inter-Parliamentary Union (IPU), mostra a percentagem de mulheres na Câmara Federal (ou em parlamentos unicamerais) para 186 países, segundo a situação em 01 de janeiro de 2024. O grande destaque é Ruanda que possui 61,3% de mulheres na Câmara dos Deputados. Cuba tem 55,7%, Nicarágua tem 53,9%, México tem 50,4% e Andorra e Emirados Árabes Unidos com 50%. As mulheres são maioria nestes 6 países.
(Fonte: EcoDebate)
Cabe destacar que o México já tem mais de 50% de mulheres na Câmara de Deputados e deverá eleger uma mulher nas eleições de 2 de junho de 2024– duas mulheres lideram as pesquisas de intenção de voto. A líder das pesquisas é Claudia Sheinbaum, com cerca de 59% das intenções de voto. Ela já foi prefeita da Cidade do México e é vista como uma aliada do atual presidente, Andrés Manuel López Obrador (os dois são do mesmo partido, o Morena). A senadora Xóchitl Gálvez aparece em segundo, com cerca de 36% das intenções de voto.
Em seguida no ranking apresentado na tabela, há 22 países onde a participação feminina na Câmara dos Deputados está acima de 40%, com destaque para Islândia (47,6%), Costa Rica (47,4%), Suécia (46,7%) e Bolívia (46,2%). Com participação feminina entre 30% e 40% há 36 países e com participação entre 20% e 30% há 53 países. O impressionante é que o Brasil não está entre estes 118 países. Na verdade o Brasil está em 135º lugar no ranking, com 17,5% de mulheres na Câmara Federal. O Brasil está no bloco dos países com menor participação feminina na política.
Ou seja, as mulheres brasileiras conquistaram diversas vitórias nas últimas décadas, mas não têm conseguido romper com as barreiras da desigualdade de gênero na política institucional.
Vencer a exclusão dos espaços de poder é a tarefa mais urgente para as mulheres brasileiras que vão chegar aos 100 anos do direito de voto, em 2032, com mais exclusão do que inclusão na vida parlamentar. Vencer este desafio é a principal tarefa para se avançar no processo de equidade de gênero no Brasil.
ALVES, JED. Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, Ecodebate, 28/02/2018
Araújo, Clara, ALVES, J. E. D. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados (Rio de Janeiro). , v.50, p.535 – 578, 2007.
ALVES, JED, CAVENAGHI, S. CARVALHO, AA, SOARES, MCS. Meio século de feminismo e o empoderamento das mulheres no contexto das transformações sociodemográficas do Brasil. In: BLAY, E. AVELAR, L. 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile. EDUSP, São Paulo, 2017
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ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), maio de 2022. (Colaboração de Francisco Galiza). Acesso gratuito.
Esta semana, em alusão ao Dia Internacional das Mulheres, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove duas atividades:
No dia 07 de março, às 17h30min, será ministrada a conferência Violência doméstica e Feminicídios no Rio Grande do Sul. Resistências e enfrentamentos. As palestrantes são Rafaela Caporal, da ONG Themis, e Yara Stockmanns, do Centro Jacobina de São Leopoldo.
No dia 08 de março, às 10h30min, três mulheres - Profa. Dra. Fernanda Frizzo Bragato, Unisinos, Profa. Dra. Marilene Maia, Assistente social, e Karina Camillo, Secretária Municipal de Habitação de São Leopoldo/RS -, apresenterão suas vivências durante a roda de conversas intitulada Dia Internacional das Mulheres. O cotidiano e as lutas das mulheres.
E mais: na voz de nossa colega da equipe de higienização que atua na Unisinos Carla Viviane Soares da Luz, queremos escutar todas aquelas que começam sua luta muito antes do sol raiar e descansam só depois de que todos na casa já foram dormir.
Acompanhe ao vivo no Youtube ou nas redes do IHU:
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O Dia Internacional da Mulher e a baixa representação feminina da Câmara dos Deputados. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU