16 Fevereiro 2024
"Bobbio buscou os caminhos da paz, mas nunca foi um defensor da não-violência, embora admirasse os apóstolos daquela doutrina: 'Não me considero – escreve – um não violento militante, mas adquiri a certeza absoluta de que os homens conseguirão resolver os seus conflitos sem recorrer à violência'", escreve Maurizio Viroli, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 14-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Apostilas litografadas”: quantos hoje conhecem o significado dessa expressão? Eram transcrições de aulas de professores montadas por estudantes ou assistentes, muitas vezes revisadas pelo docente, depois impressas pelo método da litografia e distribuídas a preços módicos. Quando eu frequentava a universidade, na década de 1970, ainda eram materiais preciosos de preparação para os exames.
Em 1965, duas estudantes da Universidade de Torino, Nadia Betti e Marina Vaciago, recolheram e publicaram na Cooperativa Libraria Universitaria Torinese (ainda existe?) as Lições de filosofia do direito ministradas pelo prof. Norberto Bobbio no ano letivo 1964-1965, sobre O problema da guerra e os caminhos da paz.
Tommaso Greco editou uma edição corrigida daquelas Lições para a Laterza, enriquecida por um posfácio de Pietro Polito. Li há poucas semanas que poucos jovens que frequentam a Universidade de Torino sabem quem foi Norberto Bobbio e o que escreveu. Confesso que a notícia me entristeceu. Eu me iludia que pelo menos Bobbio não seria esquecido. Espero que o trabalho de Greco e Polito sirva para reavivar o interesse pela sua obra e pela sua vida.
Bobbio reuniu seus estudos sobre a guerra e a paz num livro com o mesmo título das Lições publicado pela Il Mulino em 1979, depois reimpresso em 1984, 1991, 1997. Tommaso Greco tem razão quando escreve que repropor as Lições de 1964- 65 é um “evento editorial notável” que nos permite conhecer melhor o Bobbio professor e voltar a refletir sobre seus escritos sobre a guerra e a paz.
Como intelectual militante que sempre foi, Bobbio se engajou ativamente no movimento pacifista. Em 1961 participou da primeira Marcha pela Paz organizada por Aldo Capitini, com quem estabeleceu uma amizade profunda e duradoura. No ano letivo de 1962-1963, como prova da estreita ligação entre os estudos e o empenho militante, Bobbio, juntamente com Alessandro Passerin d'Entrèves, realizou o seminário conjunto sobre 'Filosofia do direito e doutrina do Estado' sobre O problema da guerra.
Vale lembrar que eram os anos da crise dos mísseis de Cuba, quando a guerra entre os EUA e a URSS travada com armas nucleares era uma ameaça real.
Bobbio considerava a guerra, especialmente a guerra atômica, o tema central de seu empenho civil: “Durante cerca de 20 anos – escreveu em De senectute e altri scritti autobiografici, de 1996 – dediquei boa parte de meus escritos de atualidade ao tema da paz e da formação de uma consciência sobre a arma atômica. Tanto pela absoluta novidade do tema que põe em causa toda filosofia tradicional da história, como pela forma como o tratei para grandes sínteses doutrinárias e por ter introduzido pela primeira vez a metáfora favorita do labirinto, considero central na minha obra de ensaísta o texto O problema da guerra e os caminhos da paz".
A origem da profunda preocupação de Bobbio com a guerra remonta aos anos de Segunda Guerra Mundial, como revela num belíssimo trecho do discurso que proferiu em Madrid em 1996, por ocasião da entrega do título honoris causa da Universidad Autônoma. Pietro Polito teve razão ao citá-lo no posfácio: “Pertenço a uma geração [...] que é passou do limbo, onde, para usar palavras de Dante, estão aqueles que ‘nunca estiveram vivos’, para o inferno da Segunda Guerra Mundial que durou cinco anos e que na Itália, ao contrário do que aconteceu em outros países, terminou com a ocupação alemã de parte do território e com uma cruel guerra fratricida, que deixou feridas tão profundas ainda não cicatrizaram depois de meio século. Para quem, como eu, havia seguido estudos jurídicos e filosóficos e tinha se empenhado forçosamente em estudos politicamente assépticos, era natural que, terminada a guerra e retornada a liberdade, os grandes problemas a enfrentar fossem a democracia e a paz. A história da minha vida como estudioso começa aí. O que precede é a pré-história".
Bobbio buscou os caminhos da paz, mas nunca foi um defensor da não-violência, embora admirasse os apóstolos daquela doutrina: “Não me considero – escreve – um não violento militante, mas adquiri a certeza absoluta de que os homens conseguirão resolver os seus conflitos sem recorrer à violência, em particular àquela violência coletiva e organizada que é a guerra tanto externa como interna, ou a violência os eliminará da face da terra.
A importância dos movimentos que pregam a não-violência coletiva e ativa deriva do aumento da consciência que gradualmente a violência se torna mais total e também mais ineficaz. Certamente o homem não pode renunciar a lutar contra a opressão, a lutar pela liberdade, pela justiça, pela independência. Mas é possível, e também será produtivo e conclusivo, lutar com outros meios que não sejam os tradicionais da violência individual e coletiva? Esse é o problema".
Ele preferia o pacifismo institucional ao pacifismo moral porque acreditava que o primeiro era mais realista do que o segundo. Enquanto o pacifismo moral confia na esperança de uma melhoria da natureza humana, o pacifismo institucional confia no direito sustentado por instituições estatais e supranacionais com poder sancionador. À pergunta “como podem ser tornadas impossíveis as guerras?” Bobbio responde: “Entre as respostas que podem ser dadas a essa pergunta, da qual as duas extremos são a ação diplomática, praticável, mas insuficiente, e a educação para a paz, mais eficaz mas menos viável, dei preferência, por motivos ligados à minha formação cultural e por uma vocação natural em acreditar que a virtude está no meio, àquela que olha para a criação de novas instituições que aumentem os vínculos mútuos entre os estados ou o fortalecimento daquelas entre as antigas que deram boas provas até agora".
Diante da força dos senhores da guerra do nosso tempo, e das falanges de servos sempre prontos para justificar e desculpar até as guerras mais injustas, as vozes daqueles que amam a paz e os direitos dos povos estão mais fracas do que na época de Bobbio. No entanto, o próprio Bobbio, que certamente não era um otimista, encerrava a última edição de O problema da guerra e os caminhos da paz com palavras que nós, idosos, não deveríamos nos cansar de repetir aos jovens: “Eventualmente pode acontecer de um grão de areia levantado pelo vento acabe parando uma máquina. Mesmo que houvesse um bilionésimo de bilionésimo de probabilidade de que o grão, levado pelo vento, acabe na mais delicada das engrenagens para parar o seu movimento, a máquina que estamos construindo [que construímos] é monstruosa demais para não valer a pena desafiar o destino”.
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A não-violência vence a guerra. Artigo de Maurizio Viroli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU