"O evangelho de João, por sua vez, nos primeiros versículos do chamado prólogo teológico, fala de um homem enviado por Deus que veio dar testemunho da luz. Este homem é João Batista e sua missão é a nossa: certificar, atestar uma verdade que aderimos por inteiro. Há luz no estábulo escuro, há salvação na manjedoura, ainda que a manjedoura seja nosso coração repleto de contradições. João Batista sabe que há uma luz que as trevas não podem alcançar".
A reflexão é de Adriana Viccini Brega Quinet. Ela possui graduação em Teologia pelo CES-JF/PUC-MINAS (2011). Especialista em Ciência da Religião e mestra em Ciência da Religião pela Universidade Federal Juiz de Fora. Professora no curso de Teologia na UniAcademia de Juiz de Fora - CES/JF.
Primeira leitura: Is 61,1-2ª.10-11
Salmo: 1,46-48.49-50.53-54 (R. Is 61,10b)
Segunda leitura: 1Ts 5, 16-24
Evangelho: Jo1,6-8.19-28
É com a alegria própria deste terceiro domingo do Advento que partilho com vocês esta reflexão. Em breve é Natal, tempo de fazer memória a um acontecimento inusitado. O próprio Deus sai de si em um movimento de amor e vem ao nosso encontro. Deus, o Criador de todas as coisas, dá a si mesmo de presente a nós, criaturas, tornando-se como nós.
Nasce num estábulo, em meio aos animais e sob o céu estrelado, o próprio Deus. Não dentro de uma casa ou de uma hospedaria. Não nasceu em um lugar adequado para uma mãe ter seu bebê. Nasceu do lado de fora para que a cada Natal e a cada dia, nós façamos o exercício de acolhê-lo, de trazê-lo para dentro e para perto de nós. Ele, Deus-Menino, veio porque quis habitar nossa casa interior, a manjedoura interna que cada um tem dentro de si. Pode haver alegria maior do que se fazer morada, hospedar dentro de si a Criança Divina?
Porque queremos acolher o Menino também caminhamos, incansavelmente, todos os dias, até Belém. Estamos à procura. Algo que já é e ainda não nos incita a caminhar. Como os sábios do Oriente, que observavam o céu e sabiam que algo grande iria acontecer. Procuramos um estábulo escuro. O ponto de chegada dos três sábios do Oriente é o nosso ponto de partida. É lá, na precariedade e na simplicidade, que começa a nossa história. Porque a história do nascimento do Menino é a história da nossa salvação.
No primeiro domingo deste tempo de espera acendemos no coração a luz da esperança. O Menino nos espera para que sejamos, como ele, alento, ânimo e consolo.
No segundo domingo deste tempo de preparação acendemos no coração a luz da paz. O Menino nos espera em meio a guerras no mundo externo e nossas próprias guerras interiores para que cultivemos a paz. A paz com a natureza, em atos concretos de cuidado e proteção, a paz com os outros e a tão sonhada paz interior. É tempo de apaziguar o corpo, a mente e o espírito para abrigar o Menino.
Nesse caminho rumo a Belém, hoje, terceiro domingo do Advento, acendemos no coração a luz da alegria. A liturgia nos traz boas novas. Na verdade, são muitas “boas novas” espalhadas pelo mundo, apesar de tudo.
Há boa nova praticada por crentes e não crentes, por gente de boa vontade que acredita ser o bem mais forte que o mal e que a luta vale a pena. As boas novas estão em todos os lugares. O tempo todo. Boa nova é a voz de Deus falando através dos outros, através de cenas e sinais.
Na liturgia de hoje o profeta Isaias nos fala da alegria que é ter sobre si o espírito do Senhor, unção que dá força e vigor para anunciar a boa nova, curar corações arrependidos, proclamar a liberdade e a eterna alegria. Por isso podemos cantar como Maria o Magnificat escrito por Lucas: “Minha alma engrandece ao Senhor, e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”.
A liturgia de hoje traz ainda a carta de Paulo que, escrevendo aos Tessalonicenses, insiste: Alegrem-se, orem, deem graças, deixem que o Espírito arda, tomem distância do mal e o Deus da paz há de abençoar vocês.
Convite à alegria, aquela alegria diferente que é capaz de nos preencher inclusive em situações limite. Não se trata de uma alegria passageira, fulminante, eufórica, mas serena, profunda, espiritual. Alegria de quem se sabe amado, acolhido, escolhido. Alegria que brota da contemplação, a mesma alegria que brotou no coração do próprio Deus que a tudo criou e viu que tudo era bom.
O evangelho de João, por sua vez, nos primeiros versículos do chamado prólogo teológico, fala de um homem enviado por Deus que veio dar testemunho da luz. Este homem é João Batista e sua missão é a nossa: certificar, atestar uma verdade que aderimos por inteiro. Há luz no estábulo escuro, há salvação na manjedoura, ainda que a manjedoura seja nosso coração repleto de contradições. João Batista sabe que há uma luz que as trevas não podem alcançar.
“Essa luz que acende o coração,
Essa luz equilíbrio dos tempos
Que uns chamam de Deus, outros não.
Ela me faz prisioneiro e eu sou seu detento... “
Mais adiante, a partir do versículo 19, temos o chamado prólogo histórico, narrativa na qual João Batista é questionado pelos sacerdotes e levitas sobre quem seria ele, que responde citando Isaias: “Eu sou a voz que clama no deserto”. E ainda: “Depois de mim vem Aquele que eu não sou digno, sequer, de desatar a correia de suas sandálias”.
É esse Menino-Deus que buscamos em estábulos escuros, nas profundezas das nossas próprias misérias. É ele que nos coloca a salvo, nos dá repouso, nos faz acreditar que somos capazes de transcender ao que nos limita, inibe, ao que nos impede de ir a Belém. Esse Menino-Deus é motivo da nossa esperança, da nossa paz, da nossa alegria. Ainda que em meio ao desânimo, desassossego, inquietude, aflição e tristeza.
Sabemos bem que a vida e o mundo estão longe de ser o Éden sonhado e que a transformação do mundo depende de nós. Deus não tem outros braços senão os nossos...
Santo Inácio aconselhava a tudo fazer como se tudo dependesse exclusivamente de nós e a tudo entregar como se tudo dependesse exclusivamente de Deus. Porque esse Deus que quis estar entre nós na fragilidade de uma criança entrou na vida humana para não sair jamais. Declarou seu amor por nós ao nascer no estábulo sob o brilho da estrela e o olhar amoroso e confiante de Maria e José. E vindo a nós, nos convida a também irmos ao encontro do outro. Não é um Deus indiferente, descomprometido e acreditar Nele implica em também não sermos indiferentes e descomprometidos com o outro.
Façamos o que Deus fez. Deixemos a Criança Divina descansar na manjedoura do nosso coração e partilhemos com ela o que somos, o que não somos, o que queremos ser.
Feliz Natal com muita alegria no coração.