05 Dezembro 2023
"A redução ou eliminação de APPs resultaria em numerosos efeitos negativos nos ecossistemas aquáticos, o que é problemático porque os ecossistemas nas cidades abrigam biodiversidade", escreve Valter M. Azevedo-Santos, Vanessa S. Daga, Lívia H. Tonella, Renata Ruaro, Marlene S. Arcifa, Philip M. Fearnside e Tommaso Giarrizzo, em artigo publicado por Amazônia Real, 01-12-2023.
Valter M. Azevedo-Santos possui graduação em ciências biológicas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e mestrado e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em conservação da biodiversidade aquática. Ele é professor na Faculdade Eduvale de Avaré e docente permanente na Universidade Federal do Tocantins-Porto Nacional.
Vanessa S. Daga possui graduação em ciências biológicas pela Universidade Paranaense, especialização em desenvolvimento e meio ambiente e mestrado em recursos pesqueiros e engenharia de pesca pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e doutorado em ciências biológicas – zoologia pela Universidade Federal do Paraná. Ela estuda ictiofauna, espécies introduzidas, reservatórios e homogeneização biótica.
Lívia H. Tonella possui doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR. É professora de Direito da Universidade Federal do Tocantins e da Faculdade Serra do Carmo, Palmas, TO.
Renata Ruaro é professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus de Curitiba, atuando no Departamento de Química e Biologia. É doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá. Possui interesse em conservação e manejo de recursos naturais em bacias hidrográficas, especialmente no desenvolvimento e aplicação de ferramentas de biomonitoramento.
Marlene S. Arcifa possui graduação em história natural e mestrado e e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor sênior no Departamento de Biologia da USP, Ribeirão Preto. Tem experiência na área de ecologia, com ênfase em ecologia de ecossistemas. Estuda cladocera, ciclomorfose e eutrofização.
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
Tommaso Giarrizzo possui graduação em ciência agrária tropical e subtropical pela Universidade de Firenze (Itália) e doutorado em biologia marinha pela Universidade de Bremen (Alemanha). Ele é professor visitante no Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza e professor colaborador na Universidade Federal do Pará, Belém e Altamira. É pesquisador do CNPq Nível 1D. Estuda a dinâmica nos ecossistemas aquáticos, inclusive peixes em mangues na costa do Pará e o acúmulo de microplástico em peixes de água doce na Amazônia.
Publicamos na revista prestigiosa Land Use Policy um trabalho sobre a ameaça que uma nova lei traz para os ecossistemas urbanos do Brasil, disponível aqui [1]. Esta série traz o conteúdo em português.
A Lei federal brasileira 12.651/2012 (popularmente conhecida como “Código Florestal”) exige “Áreas de Preservação Permanente”, conhecidas como “APPs”, que são faixas de vegetação protegida ao longo das margens dos cursos d’água. As larguras das faixas variam, dependendo da largura do curso de água, e a lei aplica-se tanto aos ecossistemas aquáticos rurais como urbanos. Contudo, uma lei recentemente aprovada (14.285/2021) fere o Código Florestal ao atribuir aos municípios a atribuição de definir as larguras das APPs. Isso abre até a possibilidade de eliminar completamente as APPs urbanas, se isso for do interesse do governo local. A redução ou eliminação de APPs resultaria em numerosos efeitos negativos nos ecossistemas aquáticos, o que é problemático porque os ecossistemas nas cidades abrigam biodiversidade. Portanto, um dos principais passos necessários é a revogação da Lei 14.285/2021. Deve ser dada maior atenção à conservação dos ecossistemas terrestres e aquáticos nas áreas urbanas.
Alguns dos maiores sistemas hidrográficos do mundo estão localizados no Brasil [2]. Estas áreas de água doce abrigam uma elevada biodiversidade [3] e fornecem recursos pesqueiros, água e outros serviços às populações humanas (por exemplo, [4-7]). Isso torna o Brasil um ator-chave nas discussões sobre a conservação da biodiversidade de água doce [8].
Praticamente todos os principais rios brasileiros recebem afluentes que passam por áreas urbanas (por exemplo, [9-11]). Grandes rios também passam nas cidades ou próximos a elas, como é o caso do rio Tietê que atravessa a cidade de São Paulo. As áreas de drenagem brasileiras também contêm numerosos ecossistemas lacustres urbanos (por exemplo, [12-14]), conectados ou não aos corpos d’água lóticos. Além destes ambientes de água doce, os ecossistemas marinhos e estuarinos (por exemplo, manguezais e sapais) estão frequentemente associados a áreas urbanas (por exemplo, [15]).
Os corpos de água urbanos, tanto lóticos como lênticos, são ecossistemas importantes [16]— embora sejam frequentemente degradados devido a impactos humanos [17]. No Brasil, essas áreas geralmente contêm uma diversidade considerável de animais (por exemplo, macroinvertebrados e peixes) e plantas (por exemplo, macrófitas) [18-20]. Isto implica que estas áreas precisam de ser melhor protegidas pelas autoridades do país.
A Lei 12.651/2012 (popularmente conhecida como “Código Florestal”) protege os cursos d’água e faixas de terra do Brasil ao longo de suas margens, que são designadas como “Áreas de Preservação Permanente” ou “APPs” [21]. Esta lei inclui ecossistemas aquáticos urbanos e rurais [21]. Uma Lei recentemente promulgada (14.285/2021) prejudica gravemente o Código Florestal ao dar aos políticos locais dos governos municipais a atribuição de definir as larguras das APPs [22] e proporcionar uma oportunidade para remover a proteção dos ecossistemas urbanos. Esta lei é controversa, tanto do ponto de vista jurídico como ambiental [23, 24]. Aqui mostramos os potenciais problemas desta lei recente e defendemos a necessidade de preservar os ecossistemas urbanos, tanto terrestres como aquáticos. [25]
[1]. Azevedo-Santos, V.M., Daga, V.S., Tonella, L.H., Ruaro, R., Arcifa, M.S., Fearnside, P.M. & T. Giarrizzo. 2023. Brazil’s urban ecosystems threatened by law. Land Use Policy 131: art. 106721.
[2] OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). 2015. Water Resources Governance in Brazil, OECD Studies on Water, OECD Publishing, Paris.
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[7] Pelicice, F.M., Agostinho, A.A., Azevedo-Santos, V.M., Bessa, E., Casatti, L., Garrone-Neto, D., Gomes, L.C., Pavanelli, C.S., Petry, A.C., Pompeu, P.S., Reis, R.E., Roque, F.O., Sabino, J., de Sousa, L.S., Vilella, F.S. & Zuanon, J. 2022. Ecosystem services generated by Neotropical freshwater fishes. Hydrobiologia.
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[15] Albuquerque, J.R. & Oliveira, M.A.B. 2020. Common marmosets Callithrix jacchus (Linnaeus, 1758) (Primates: Cebidae: Callitrichinae) in an urban mangrove: behavioral ecology and environmental influences. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, série Ciências Naturais 15(3): 617-632.
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[20] Zawadzki, C.H., Penido, I.D.S., de Oliveira, J.C. & Pessali, T.C. 2019. Rediscovery and redescription of the endangered Hypostomus subcarinatus Castelnau, 1855 (Siluriformes: Loricariidae) from the Rio São Francisco basin in Brazil. PLoS One 14(3): art. e0207328. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0207328
[21] Brasil. 2012. Lei Nº 12.651, de 25 de Maio de 2012.
[22] Brasil. 2021. Lei Nº 14.285, de 29 de Dezembro de 2021.
[23] Thomaz, S.M., Rosado, A., Pires, A.P.F., Padial, A.A., Alves, G.H.Z, Ortega, J.C.G., Silva, J., Dacol, K.C., Lacerda, N., Tófoli, R. & Cionek, V. 2021. Nota técnica da Associação Brasileira de Limnologia para subsidiar as discussões sobre alterações das Áreas de Proteção Permanentes (APPs) urbanas propostas pelo PL 2.510/2019 (Câmara dos Deputados) e PL 1.869/2021 (Senado). Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno). Grupo de Trabalho em Conservação e Políticas Públicas de Águas Continentais.
[24] Antunes, P.B., 2022. Limites interpretativos da Lei nº 14.285. Consultor Jurídico, 01 de agosto de 2022.
[25] Agradecemos a Axel M. Katz por fornecer fotos da biodiversidade urbana. A Thomas E. Lovejoy pelos comentários sobre o primeiro rascunho deste manuscrito. Agradecemos ao editor e aos revisores pelos comentários úteis. PMF. recebeu bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) [número 311103/2015-4]. Esta é uma tradução parcial de Azevedo-Santos, V.M., V.S. Daga, L.H. Tonella, R. Ruaro, M.S. Arcifa, P.M. Fearnside & T. Giarrizzo. 2023. Brazil’s urban ecosystems threatened by law. Land Use Policy 131: art. 106721.
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Os ecossistemas urbanos do Brasil ameaçados por lei-1: Introdução à série - Instituto Humanitas Unisinos - IHU