03 Outubro 2023
O relator especial da ONU, Fabián Salvioli, apresentou aos meios de comunicação, na sede da ONU-DH, um primeiro balanço de sua viagem à Colômbia e conversou com o jornal Público no dia posterior ao assassinato, em Arauca, de Jairo Alexander Toroca, um signatário da paz de 35 anos que havia abandonado as armas e retornado à vida civil.
O crime ocorreu em Betoyes, setor predominantemente indígena do município de Tame. Betoyes aparece no mapa de crimes de guerra pelo massacre, em maio de 2003, de três homens, o estupro de quatro crianças e adolescentes de 11, 12, 15 e 16 anos e o assassinato desta última, que estava grávida. Todos eram indígenas sikuani e seus algozes supostamente faziam parte do Batalhão Navas Pardo, da 18ª Brigada do Exército, que usavam braçadeiras das Autodefesas Unidas da Colômbia para se passarem por paramilitares de ultradireita.
Toroca, um homem pequeno com traços indígenas, é 396º ex-combatente das FARC assassinado, desde que o acordo de paz foi assinado em 2016.
O governo progressista de Gustavo Petro não conseguiu deter esses assassinatos, nem os de líderes sociais, embora os números, desde a negociação com as FARC, não se aproximem aos da era da “segurança democrática” de Álvaro Uribe.
A entrevista é de Constanza Vieira, publicada por Público, 01-10-2023. A tradução é do Cepat.
Quais informações conseguiu recolher sobre a autoria dos assassinatos de homens e mulheres que são líderes sociais, defensores dos direitos humanos e signatários da paz? É um assunto que se arrasta há décadas.
Eu não verifico autorias. Não é minha função, para responder concretamente à pergunta. Contudo, sim, verifiquei que houve cerca de 400 assassinatos de líderes sociais, ex-combatentes etc. E isto, claro, é algo que o Estado deve tratar. É muito preocupante, porque mostra uma generalidade de violações. Não estamos falando de casos isolados, mas de um número muito, muito importante. Então, é necessário que o Estado tome todas as medidas de proteção das pessoas.
Eu enfatizei a necessidade de abrir espaço para Alertas Prévios [o sistema nacional SAT], pois muitas vezes se sabe que existe um grande risco destas coisas acontecerem. A Defensoria do Povo emite os Alertas Prévios, mas depois as instituições que precisam agir não têm a celeridade necessária ou não agem. E, então, vem a “crônica de uma morte anunciada”.
Você passou 10 dias em Bogotá, Cali e Valledupar. Ouviu algumas análises sobre o porquê continua havendo essa omissão de ações em um governo que é possível afirmar que possui vontade política de colocar fim à matança de líderes sociais e signatários da paz?
A questão é que a vontade política, por si só, não é o suficiente. Sem a vontade, é claro que se alcança menos. Deve haver uma forte presença territorial do Estado. Que transmita um claro sinal a esses grupos criminosos inaceitáveis de que as suas ações não podem continuar e que serão processados criminalmente e punidos conforme cabe. É assim que a sociedade, depois, recupera a confiança.
Em relação à Paz Total, com exceção do ELN e da Segunda Marquetalia, os outros não parecem interessados na insurgência política, mas no tráfico de drogas, na mineração clandestina e no tráfico de pessoas. Observa caminhos para a Paz Total?
Fazer futurologia é impróprio para a atividade humana. Imaginamos o futuro como uma acentuação do presente. E o futuro sempre pode nos surpreender com algo que não estava previsto. Penso que existe boa vontade e essa é a base.
Agora, nenhuma negociação gerará bons resultados se não for realizada de acordo com os padrões de cumprimento das obrigações do Estado em matéria de direitos humanos. Se esses padrões não forem cumpridos, mesmo que acordada, a negociação fracassará.
As vítimas estão incomodadas com as penas reduzidas pactuadas na Justiça Transicional. Contudo, no caso da insurgência, a paz não pode ser negociada com penas altas para uma guerrilha que não foi derrotada. A existência da insurgência é uma derrota contínua para o Estado. Como conseguir um equilíbrio?
Observe, eu penso que nem tudo pode ser visto como preto ou branco. Então, talvez, o marco pudesse ter sido acordado de modo um pouco mais satisfatório para as vítimas. Lamentavelmente, isso não aconteceu. Então, é lógico que as vítimas sintam insatisfação. É absolutamente lógico. Não há necessidade de explicar isso a elas. Em vez disso, devemos compreendê-las em suas críticas.
A memória cura?
A memória cura e é imprescindível para o futuro. A memória não é um problema do passado. É fundamentalmente um fato para o futuro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Sem direitos humanos, a negociação de paz na Colômbia fracassará”. Entrevista com Fabián Salvioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU