No Lago do Aleixo e no Igarapé dos Reis, localizado próximo dos municípios de Manaus e de Careiro da Várzea, Nilton Bacry e outros pescadores vivenciam o fim da temporada de pesca em novembro de 2022. As mudanças climáticas estão cada vez mais evidentes e presentes no dia a dia de quem depende do rio, ocasionando numa saga em busca de peixe em regiões cada vez mais distantes, com baixo rendimento e insegurança alimentar.
As marcas registradas de aumento do nível das águas revela uma intensificação dos eventos extremos de cheias e secas. O crescimento do agronegócio no Amazonas atrelado ao desmatamento ameaça as populações que vivem às margens dos rios e também coloca em jogo a pesca na região. Sem apoio governamental, os ribeirinhos precisam enfrentar e lutar contra a construção de novos empreendimentos que ameaçam o Encontro das Águas e botam em risco a vida e o árduo trabalho de cada um.
A reportagem é de Wérica Lima, publicada por Amazônia Real, 13-06-2023.
Em um paraná que liga o Lago do Aleixo ao rio Amazonas, na região do Encontro das Águas, um barco pequeno de pesca navega entre a água rasa durante o fim da temporada de pesca na seca. Espera-se inicialmente bastante peixe para abastecer o mercado de Manaus, mas a realidade é diferente. Há quinze dias vivendo intensamente dentro de um espaço pequeno no barco, Nilton Bacry da Silva, 46, está frustrado pelo resultado do trabalho árduo. Na feira que fica em frente ao Lago do Aleixo ele conseguiu faturar apenas R$ 1.250,00, valor que precisa dividir com o seu amigo, dono do barco, Francimar Souza. Só de gastos para essa temporada foram R$ 750, e de lucro sobrou R$ 250 para cada, valor que não paga uma cesta básica no Amazonas, que chegou a custar R$ 333,82 em agosto 2022, segundo a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (CDC/Aleam).
“Nós estamos inteirando 15 dias longe de casa para a gente trazer só essa carga [de peixes]. Isso dá para comprar só a comida, e nem a comida direito porque você vai dividir o lucro, vai ficar uns R$ 250 para cada, aí a gente passa 15 dias longe de casa para levar 250 reais?” questiona Nilton, que em sua posição, é o que menos lucra até o peixe chegar no prato da população. “Sempre quem ganha mais é o atravessador. Nós entregamos o curimatã por R$ 1 e lá em cima [no mercado] está por 4 reais, então quem vai ganhar é o cara que compra da gente. Agora se o pescador tivesse um lugar de uma cooperativa aí seria muito melhor, todo mundo ganhava”, relata.
Cada vez mais difícil sobreviver, Nilton desta vez precisou ir longe atrás de peixe. Morador da comunidade São José do Amatari, no município de Itacoatiara (AM), à margem do rio Amazonas, foi a primeira vez de Nilton pescando na região do Lago do Aleixo e entorno, um ato de desespero para poder sustentar ele e a filha de 14 anos, consequência da seca e falta de acesso aos lagos da sua terra natal. “Não dá para guardar dinheiro nessa época de seca, pior que não sobra. Aqui ó, vou pegar cinquenta reais, vou chegar em casa e só vai dar para fazer um ranchinho e já foi”, destaca o pescador.
Mas nem sempre a busca por peixe e o ritmo da água foi assim. Criado na beira do rio, Nilton Bacry costumava prever a chegada de grandes cheias e secas, que seguiam um ritmo e intervalo de tempo, porém não mais.
“Percebo alteração [mudanças climáticas] tanto na seca quanto na cheia. Essa seca agora, por exemplo, eu sei que ela foi grande. A cheia também foi, então a expectativa é que essa próxima seja menor, porque quando vem uma seca grande certamente vem uma cheia pequena. Essa certeza geralmente a gente está perdendo cada vez mais porque ano passado lá em frente de casa a cheia foi muito grande, então não consigo mais prever”, explica.
De frente para o Lago do Aleixo, Ediney dos Santos, 46, olha a paisagem no horizonte e afirma que as mudanças climáticas já mudaram a pesca na região. “Há uns 18 anos os cardumes subiam em março para o rio Negro. Nós já éramos acostumados, que em março em diante vinha os cardumes para desovar. Agora não, só vem de maio para Junho. Isso é sinal de mudança climática, né? O peixe sente quando acontece algo na água, agora nós esperamos o cardume em março e não vem não, só para maio em diante, aí os cardumes vem e nós começamos a pegar peixe”, conta.
No Lago dos Reis, uma das casas mais altas é a de José de Souza, 37. Desde a grande cheia recorde de 2012, já superada em 2021, a casa do morador feita com estacas de madeira, foi inundada três vezes e há dois anos alaga ininterruptamente. “Mas a minha porque é mais alta com mais de três metros da viga para o chão já a dos outros que são mais baixas foram muito mais”, explica. “Antigamente nossas casas eram todas baixinhas, agora se repararmos a altura das casas é grande e a minha ainda vai para o fundo”, complementa.
A dificuldade para pegar peixe nas cheias extremas cada vez mais frequentes na bacia dos rios amazônicos agora é maior, com percursos mais distantes e intensos. “Isso empata muito, a gente fica sem ganho. Na cheia fica difícil, tem que ir para o meio do rio, aí fora [no rio principal] para puxar um lance o cara tem que ser acostumado também, se não for não puxa, pois a mão não aguenta”, fala Souza.
Em Manaus, a cota do rio Negro medida desde 1902 no Porto de Manaus revela a extremidade dos eventos de cheia atingidos no último século na Amazônia. No século passado, levaram cem anos para que o rio Negro atingisse a quantidade de cheias ocorridas de 2009 a 2022. “A cota de 29 metros foi superada ao longo do século passado por nove vezes. Agora, a gente pega os últimos 14 anos, de 2009 até 2022, e esse mesmo valor, ele também foi igualado nove vezes, ou seja, um evento que ocorria nove vezes a cada 100 anos agora ocorreu mais recentemente nove vezes também em apenas 14 anos”, explica Luna Gripp, pesquisadora em Geociências responsável pelo Sistema de Alerta Hidrológico do Amazonas.
Conforme a pesquisadora, a cota do rio serve de parâmetro para os demais canais fluviais da Amazônia como o rio Solimões, pois apesar de serem diferentes em parâmetros físico-químicos, hidrologicamente operam juntos.
Em 2022, ocorreu a quarta maior cheia da história, um ano após a primeira, em 2021, registrada com 30 metros. Mesmo após tal evento extremo, o nível do rio baixou em alta velocidade, chegando a isolar comunidades no município de Tefé. Apesar de gerar impactos nos meios fluviais de transporte e pesca, a vazante não foi considerada extrema quando comparada aos dados de monitoramento, segundo Luna Gripp. “Os eventos extremos estão ficando cada vez mais frequentes, isso é um dado estatisticamente relevante, não só a nossa análise, mas diversos artigos científicos já vêm trazendo essa informação de que realmente os eventos extremos de inundação gradual na Amazônia estão cada vez mais frequentes e maiores em magnitude”, ressalta.
José de Souza, pescador do Igarapé dos Reis em Iranduba, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
A busca por peixe levou Nilton Bacry e Francimar Souza a irem até o Lago dos Reis, na região do município de Careiro da Várzea. Por não serem moradores locais, eles sabiam que poderiam não ser bem recebidos, mas decidiram arriscar pela necessidade. “A gente estava no Lago dos Reis aí colocaram a gente em outro lago separado porque não podíamos pescar. Depois de uns quatro dias colocaram a gente para pescar lá porque o peixe ia morrer”, conta.
José de Souza, 37, pescador e morador local do lago dos reis, relata que a diminuição de peixes no rio tem gerado conflitos entre pescadores que buscam o sustento no entorno de Manaus. “Antes tinha mais [peixe] do que agora. Agora, vem gente de todo canto; de Manaus. Para evitar isso só se tivesse proibição, mas as pessoas querem brigar. Teve um tempo que um monte de gente foi ameaçado, todo mundo aqui, que se a gente não deixassem eles entrarem iam atirar em todo mundo, tem uns 2 anos que teve essa proibição, mas agora está liberado”, relata.
Com carteira de pescador há 17 anos, durante a época de proibição da pesca entre novembro e fevereiro para reprodução dos peixes, o governo paga a Nilton Bacry o seguro defeso, um valor mensal de R$1.212. “Essa ajuda de custo não é suficiente, porque se o pescador parar de pescar os quatro meses, ele vai passar fome, pois não é o suficiente para você suprir uma família, aí a gente não pode pegar o [peixe] proibido, mas não paramos de pescar. Não diminui [a dificuldade], ela [ajuda de custo] ameniza, mas não supre”.
Além de não suprir as necessidades, o governo nunca pagou o seguro defeso do ano de 2015, que ele aguarda mesmo passados oito anos. “Nós passamos noites de sono, pegando ferrada, passando mal às vezes, e chegamos nessa situação complicada, a gente vai porque precisa. A gente espera que melhore, mas a gente sabe que não melhora porque cada dia fica uma coisa mais complicada”, desabafa.
Francimar Souza, 36, parceiro de Nilton Bacry, enxerga que o governo não tem um olhar atento sobre as condições dos pescadores a partir das dificuldades que estão se agravando, com os eventos extremos e a busca por peixe em outras regiões que geram conflitos. “Nossa classe está bem lá embaixo. Eles [o governo] tratam a gente bem pouca coisa, porque a gente não tem legislação. Tem muita gente que critica nossa categoria, a gente não tem valor, não dão valor às coisas que a gente faz”, explica.
Igarapé dos Reis em Iranduba, no Amazonas, teve mais uma vez uma grande mortandade de peixes por falta de oxigênio no período de estiagem dos rios (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
Além da pesca predatória unida à escassez e eventos climáticos extremos, a mortandade de peixes pode acontecer de forma natural. Quatro dias após o encontro da reportagem com Nilton Bacry e Francimar Souza voltando da pescaria no Lago dos Reis em novembro de 2022, um cheiro podre e a presença de urubus revelaram no rio um aglomerado de peixes mortos boiando, que formou-se por quilômetros sob a água.
José de Souza, pescador desde os 12 anos de idade, conta enquanto remenda uma malhadeira rasgada, que não é novidade a mortandade de peixes acontecendo ano após ano. “Está normal porque pelo menos morreu pouco, mas se estivesse mais seco isso aqui estaria cheio de peixe e poderia morrer mais ainda. Está estranho porque morreu mesmo cheio assim. De primeira dava seca maior, agora já não tem. Estava com uns dois anos que não morria peixe e morreu agora”, relembra.
Conforme o pesquisador Jansen Zuanon, especialista em peixes na Amazônia, é comum acontecer mortandades de peixes em lagos relativamente rasos numa seca mais forte devido à temperatura, quantidade de sedimentos e baixo oxigênio na água, podendo também ocorrer com a chegada de friagens.
“Quando algumas frentes frias conseguem chegar até a Amazônia causam esse fenômeno da friagem. Às vezes uma chuva muito forte, uma mudança de temperatura também pode causar essa mistura de águas e gerar mortandade de peixes. Então esse é um processo normal, mas ele é pouco frequente, ele não é muito comum”, explica. “Quando ocorre a mudança de temperatura, a camada superficial do Lago fica mais fria e se iguala com a parte do fundo do Lago, fazendo a mistura da água e dos compostos tóxicos”, acrescenta Zuanon.
No Lago dos Reis, conforme a experiência de José de Souza, quando o fenômeno acontece, a cheia é mais escassa. “Aqui afeta quando morre, porque aí alagando [na cheia] não tem peixe. Por exemplo, aqui morreram vários peixes, aí não teremos peixe porque acaba tudo. Por enquanto do jeito que está, está bom que morreu só esses, ainda não morreu os peixes bons, ainda tem curimatã, surubim, pescada lá para dentro, mas quando afeta mesmo que vem do Lago direto morrendo, acaba tudo, aí só quando vier [peixe] do rio entrando de volta, mas é pouco, não é como tem aí dentro”.
As mudanças e alterações no ambiente levam José a ficar cada vez mais receoso. “Acredito que vai cada vez mais piorar assim porque está tudo mudado. Pior vai ficar, não tem melhora”, conclui. Ao apontar as ameaças do aumento de eventos extremos de grandes secas como mortandade, estresse dos animais com a alta temperatura, falta de oxigênio e predação, e de grandes cheias como a mortandade de vegetação e perda da qualidade da água pela decomposição, dos locais de refúgio e fontes de alimento, Zuanon alerta para os impactos sobre as populações humanas.
“Se as populações dessas espécies comerciais que já são pressionados pela pesca começam também sentir os efeitos de secas e cheias extremas, isso significa uma menor quantidade de peixes chegando até as feiras de mercados, ou seja, isso pode afetar a segurança alimentar não só das populações ribeirinhas, mas também das populações humanas na cidades que dependem dos peixes que chegam até os mercados”, frisa o pesquisador.
Junto com antigas lideranças, José tem plano de fazer uma barragem que retenha parte da água do lago para evitar mortandade durante a seca. Segundo Jansen Zuanon, o ideal era que os ciclos acontecessem naturalmente com a migração dos peixes para o rio principal, mas dependendo da constância pode ser necessário intervir. “Se esses eventos de secas extremas começarem a acontecer com muita frequência e causarem muita mortalidade, talvez seja necessário fazer alguma coisa, mas não adianta fazer uma barragem quando o lago já está quase seco, que a maioria dos peixes já saíram e a água já está quente e cheia de material em decomposição”, explica.
Desmatamento às margens do igarapé dos Reis em Iranduba, no Amazonas, teve mais uma vez uma grande mortandade de peixes por falta de oxigênio no período de estiagem dos rios (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
Navegando pelo igarapé dos Reis com Francisco Ferreira de Oliveira, 57, presidente da Associação de moradores do lago, um clarão com capim se estende em uma das laterais, denunciando uma região quilométrica desmatada para criação de gado e búfalo, pertencente a um político do Careiro da Várzea. “A gente tem medo de começar um desmatamento maior aqui, mas não está [pior] porque ele [o vereador] não pode fazer isso, a gente está em cima, porém logo no começo o negócio foi feio. Isso aqui é tudo do vereador Almir Pinheiro, isso é tudo campo por trás”, denuncia.
A Amazônia Real teve acesso a uma pasta com todos os boletins de ocorrência e ofícios já feitos pedindo retirada de madeireiros ilegais e frear o desmatamento nas margens do rio, incluindo um abaixo-assinado de moradores locais.
Em 2019, um ofício encaminhado à Superintendência do Patrimônio da União no Amazonas (SPU-AM) denunciava e alertava sobre a floresta virar pasto. “Estes acontecimentos vinham ocorrendo anos atrás, mas, tinha parado porque havíamos feito denúncias, este ano voltaram a fazer novamente com mais intensidade, principalmente derrubando as seringueiras para azimbre. informamos que estes desmatamentos estão ocorrendo na APA Área de Preservação Ambiental Ilha do Careiro Lago Reis, solicitamos providências urgentes antes que seja tarde demais”, diz o documento.
Sem nenhuma ação concreta dos órgãos ambientais, a área agora encontra-se descampada. “Por que não tem controle? Porque logo, o prefeito é fazendeiro aí se sabe que onde tem quase todos os prefeitos fazendeiros, eles não vão controlar uma coisa que eles também estão fazendo, desmatando, fica difícil”, explica Francisco. A falta das políticas que garantam o sustento dos pescadores também é um fator contribuinte para o desmatamento. “O pessoal aqui vive da pesca e quando está saindo o seguro defeso é a época de tirar madeira, aí bota motosserra zoando nessa mata aí. O seguro defeso não sair também incentiva o pessoal a tirar madeira, fazer derruba. A maioria tira madeira para vender”, frisa.
Com o agronegócio e o estabelecimento de fazendas na beirada do Igarapé dos Reis, a chegada do gado de búfalo tem feito estragos na Ilha de Careiro da Várzea. “Os lagos aqui dentro estão acabando. São 63 lagos que existem aqui no município e dos 63, se você for contar agora, eu acho que não tem 20. O resto está tudo seco, não tem nada, secou tudo, os peixes que tinha dentro morreram”, revela Francisco.
“Esse pisoteio dos búfalos destrói ambientes de reprodução de várias espécies de peixes, por exemplo, dos tamoatás e dos bodós que vivem em lagos e áreas próximas aos barrancos de rios e lagos e podem ser negativamente afetados pelo movimento e pela destruição de habitats. Além disso, fezes e urina também podem causar uma perda da qualidade da água e mortalidade de peixes nas fases iniciais de larvas, ovos e juvenis”, explica o ictiólogo Jansen Zuanon.
Raimunda de Souza, 61, pescadora aposentada, relembra como era antes da devastação na margem do rio. “O desmatamento realmente vai afastando o peixe porque quando alagava tinha pacu de caniço, sardinha debaixo das fruteiras. E aí foi ficando mais escasso. Isso aí [desmatamento] deu um grande desfalque para a comunidade, porque quando eu era mais nova pegava peixe aí. Tinha joari, capitari e várias outras frutas do mato que o peixe come. Eu armava malhadeira e pegava peixe bem na beirinha, Tambaqui. E agora tem que ir lá para dentro”, elucida.
Sem apoio dos órgãos de fiscalização, nada freia a chegada do agronegócio e o desmatamento para venda de madeira ilegal. “A gente tenta um controle, mas não tem. Fizemos várias denúncias, só que o que acontece é o seguinte, a lei acontece, mas é muito devagar. A Polícia Ambiental veio aqui umas duas vezes, mas não resolveu nada. Quando eles vem, [os madeireiros] vão embora, quando eles saem, entram de novo aqui”, explica Francisco Oliveira.
Sem perspectiva de melhora e apoio, Francisco deixou a liderança da associação em 2022 e pretende não retornar mais ao posto. “Eu acharia melhor se valorizassem mais os ribeirinhos e não essas coisas aí porque um desmatamento desse aqui afasta muito peixe. Em uma mata alagada dessa (disse referindo-se a uma das margens preservadas), você entra e só vê o banzeiral de peixe, agora você chega numa derrubada dessa aqui (a fazenda do vereador) entra e não vê nada”, diz.
Embarcação de pescadores na entrada do igarapé dos Reis em Iranduba, Amazonas teve mais uma vez uma grande mortandade de peixes por falta de oxigênio no período de estiagem dos rios (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
Enquanto Nilton e Francimar navegam o barco pelo paraná, contemplando uma vista infinita de sacolas de plástico engatadas nas árvores junto a dezenas de lixos, eles afirmam que se enxergam distanciados de debates sobre o clima que só ouvem falar na TV, como a Conferência das Partes (COP). Nilton chega a se excluir da luta pelo clima por considerar que não será ouvido devido sua baixa escolaridade.
“Não estou incluso dentro dessa luta porque é uma luta que não é minha. Eu não tenho voz ativa para isso. Além de não ter espaço, não tenho por exemplo um estudo elevado para enxergar a um nível superior e ser ouvido. É difícil outra pessoa chegar e procurar saber o que está se passando. Então a gente não tem esse espaço suficiente para chegar e debater”, explica. “O pior é que elas [as pessoas] não sabem o que está acontecendo. Elas falam porque elas ouvem os outros falarem, mas elas não vivem dentro daquilo ali, porque para falar de uma coisa você tem que conhecer. A questão da nossa Amazônia é isso, as pessoas ouvem o que falam por aí, mas elas não estão aqui para realmente entender”, conclui.
Em 2022, as decisões tomadas por parte de empresários e governantes na COP 27 preveem o uso do mercado de carbono com a ideia de “pagar” para poluir, dinheiro proveniente de países ricos e poluidores. De olho na Amazônia, os territórios tradicionais e de povos originários são vistos como uma das principais fontes para gerar créditos de carbono, sem autorização das populações.
“As pessoas estarem decidindo pela gente é que é difícil, porque hoje a gente sofre mais por parte dos governos, principalmente agora. Eu creio que a gente tem condições para chegar e debater porque, por exemplo, uma pessoa que está lá em Brasília, ela não sabe o que se passa aqui. Se tivermos esse espaço, se a pessoa passar a conhecer, a ouvir, vai ser diferente. As pessoas vão procurar valorizar mais o pequeno” afirma Nilton.
Entre os desafios de ficar por dentro do assunto na Amazônia, está a falta de acesso a diferentes meios de comunicação já que a jornada de trabalho fica cada vez mais longa. “Os debates de mudanças climáticas não chegam até a gente, principalmente porque nós chegamos hoje da pesca e daqui a três dias nós já estamos saindo de volta de novo, então nós não temos quase contato com informação”, explica Francimar Souza.
Lago da Colônia Antônio Aleixo em Manaus durante a estiagem (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
O lago do Aleixo e sua colônia de pescadores fica de frente para o Encontro das Águas, um patrimônio natural conhecido pelo encontro do rio Negro com o rio Solimões. Tombado em 2010 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Encontro das Águas é alvo da empresa Lajes Logística, que em 2018 conseguiu licença prévia por parte do Iphan e pretende construir um porto no meio do patrimônio.
Já afetado por outros empreendimentos como o da Amazon Aço, que construiu uma ponte ferroviária sobre o lugar, os pescadores temem a consolidação do Porto das Lajes. “Nós seríamos integrados sabe para onde? Para fora da nossa comunidade, eles [empresários] fazem isso, eles iam fazer Igual essa empresa Amazon Aço que está no meio do rio”, afirma Ediney dos Santos, morador há 40 anos do bairro Aleixo.
“Para os barcozinhos passarem eles têm que ir pelo meio do rio, quando enche é arriscado. Se vier um banzeiro, e aí? você acha que se afundar um barco o dono da Amazon Aço vai dar um real? Nem canoa passa por baixo, nós vamos pelo meião [do rio] arriscando nossa vida, tanto nós quanto os outros”, complementa. O Lago do Aleixo historicamente é afetado pelos impactos do homem como poluição e desmatamento. Nos anos 2000 era utilizado por madeireiras que despejavam o material de serraria no lago. A partir desse problema, criou-se o SOS lago do Aleixo, que mais tarde tornou-se o SOS Encontro das Águas, um movimento popular contra as ameaças em torno do lago que deságua no patrimônio.
“A paisagem não seria mais a mesma, sempre passamos ali para ver o encontro das águas e a partir do porto teríamos que passar lá para ver o encontro de navios”, diz Valter Calheiros, ativista e integrante da coordenação do Fórum das águas. Um dos desafios, segundo Valter, é romper com os acordos entre o poder judiciário e as grandes empresas, que financiam campanhas e pedem licenciamento para construir grandes empreendimentos como do Porto das Lajes.
“Enquanto o próprio governo estiver lutando para destombar tem essa pendência jurídica que está no Supremo Tribunal Federal. Todos os três entes federais são a favor do porto. É uma cumplicidade política dos grupos, quem financia minha campanha eu não posso fazer nada contra ele, então esses grupos econômicos financiam campanhas e pedem a pauta que eles querem do dia”, acrescenta.
Enquanto as empresas miram na região, o turismo local compadece e os pescadores precisam sobreviver com a imprevisibilidade do rio e da renda. “Aqui na colônia Antônio Aleixo não tem nada sobre turismo, nada do governo, nem do presidente, vereador. As pessoas dizem que amam a Amazônia e não vem fazer turismo aqui, vão fazer turismo no Rio de Janeiro, em Nova York, em Londres. Um exemplo é nós aqui, estamos em frente ao Encontro das Águas, mas não tem turismo”, desabafa Ediney dos Santos.
“Como é que eu posso falar de algo que eu não vivo? Como eu posso falar de peixe se eu não pesco? Eles estão lá no mundinho deles e nós aqui no nosso mundinho, eles não vêm para o nosso mundo”, acrescenta. Jansen Zuanon, complementa a linha de raciocínio. “A questão da justiça climática é muito mais complicada. A gente sabe que as populações mais pobres, populações ribeirinhas e mais isoladas, são as mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. Quem depende dos ciclos naturais de enchente, vazante ou dos ciclos de Marés nos ambientes marinhos fica completamente à mercê desses fenômenos naturais, se esses fenômenos mudam, muda a previsibilidade e a confiabilidade das atividades de pesca nesses locais”, afirma.
Igarapé dos Reis em Iranduba, Amazonas teve mais uma vez uma grande mortandade de peixes por falta de oxigênio no período de estiagem dos rios (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)