13 Junho 2023
“Inocentes continuarão morrendo até encontrarmos uma forma de deter o uso desse sistema de armas. Os riscos aumentarão conforme a Inteligência Artificial for assumindo cada vez mais as decisões sobre os alvos e o lançamento”, escreve Ann Wright, veterana que serviu por 29 anos o Exército, aposentada como coronel e ex-diplomata dos Estados Unidos, que renunciou, em março de 2003, em oposição à guerra no Iraque, em artigo publicado por El Salto, 07-06-2023. A tradução é do Cepat.
O ativismo cidadão para realizar mudanças na forma como as guerras brutais são travadas é extremamente difícil, mas não impossível. Os cidadãos conseguiram fazer com que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovasse tratados para abolir as armas nucleares e proibir o uso de minas terrestres e munições cluster. Claro, os países que querem continuar usando essas armas não seguirão o exemplo da grande maioria dos países do mundo que assinaram esses tratados.
Os Estados Unidos e outros oito países com armas nucleares se recusaram a assinar o tratado para abolir as armas nucleares. Da mesma forma, os Estados Unidos e outros 15 países, entre eles, Rússia e China, recusaram-se a assinar a proibição do uso de bombas de fragmentação. Os Estados Unidos e outros 31 países, entre eles, Rússia e China, recusaram-se a assinar o tratado de proibição de minas terrestres.
No entanto, o fato de países “canalhas” e belicistas, como os Estados Unidos, não aceitarem assinar tratados que a maioria dos países do mundo deseja, não impede que pessoas com consciência e responsabilidade social tentem fazer esses países terem juízo pelo bem da sobrevivência da espécie humana.
Sabemos que estamos enfrentando ricos fabricantes de armas que compram o favor de políticos nessas nações em guerra, por meio de suas doações às campanhas políticas e outros favores. Contra esses prognósticos, a última iniciativa cidadã para proibir uma arma de guerra específica será lançada em 10 de junho de 2023, em Viena, Áustria, na Cúpula Internacional pela Paz na Ucrânia.
Uma das armas de guerra favoritas do século XXI são os veículos aéreos não tripulados. Com essas aeronaves automatizadas, os operadores humanos podem estar a dezenas de milhares de quilômetros de distância, observando das câmeras a bordo do avião. Nenhum ser humano precisa estar em solo para verificar o que os operadores acreditam ver do avião, que pode estar a milhares de metros de altura.
Como resultado da imprecisa análise de dados por parte dos operadores de aviões não tripulados, milhares de civis inocentes no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Iêmen, Líbia, Síria, Gaza, Ucrânia e Rússia foram massacrados pelos mísseis Hellfire e outras munições disparadas por operadores de aviões não tripulados. Civis inocentes que participavam de casamentos e funerais foram massacrados por pilotos de aviões não tripulados. Mesmo aqueles que vêm em socorro das vítimas de um primeiro ataque com drones vêm sendo assassinados no que é chamado de double tap.
Muitos militares em todo o mundo agora estão seguindo o exemplo dos Estados Unidos no uso de drones assassinos. Os Estados Unidos usaram drones armados no Afeganistão e no Iraque, matando milhares de cidadãos inocentes. Ao utilizarem aviões não tripulados, os exércitos não precisam contar com pessoas no solo para confirmar os alvos ou verificar se as pessoas assassinadas eram os alvos previstos. Para os exércitos, os drones são uma maneira segura e fácil de matar seus inimigos.
Civis inocentes mortos podem ser considerados “danos colaterais” e raramente se investiga como se chegou à informação de inteligência que levou ao assassinato de civis. Se eventualmente ocorre uma investigação, os operadores de aviões não tripulados e os analistas de inteligência ficam isentos de responsabilidade pelo assassinato extrajudicial de civis inocentes.
Um dos ataques com aviões não tripulados mais recente e mais divulgado contra civis inocentes ocorreu na cidade de Cabul (Afeganistão), em agosto de 2021, durante a fracassada evacuação estadunidense do Afeganistão. Depois de seguir por horas um carro branco que os analistas de inteligência acreditavam estar transportando um possível terrorista do ISIS-K, um operador de um avião não tripulado estadunidense lançou um míssil Hellfire contra o carro quando entrava em um pequeno complexo residencial. Naquele momento, sete crianças tinham entrado no carro para percorrer a distância restante até o interior do complexo.
Inicialmente, ainda que os altos comandos militares estadunidenses tenham descrito a morte das pessoas não identificadas como um ataque “justo” de um avião não tripulado, quando os meios de comunicação investigaram quem havia sido morto por causa do ataque, descobriu-se que o motorista do carro era Zemari Ahmadi, funcionário da Nutrition and Education International, organização de ajuda com sede na Califórnia, que realizava sua rotina diária de entregas de suprimentos em diversos lugares de Cabul.
Todos os dias, quando chegava em casa, seus filhos corriam para recebê-lo e completavam o percurso no carro até o lugar onde estacionava. Três adultos e sete crianças morreram no que mais tarde foi confirmado como um ataque “infeliz” contra civis inocentes. Nenhum militar foi repreendido ou punido pelo erro que matou dez inocentes.
Nos últimos 15 anos, viajei ao Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Gaza para falar com famílias que tiveram entes queridos inocentes mortos por pilotos de aviões não tripulados que operavam a centenas, senão milhares, de quilômetros de distância. As histórias são semelhantes. O piloto do drone e os analistas de inteligência, geralmente homens e mulheres jovens com cerca de 20 anos, interpretaram mal uma situação que poderia ter sido facilmente resolvida com os “pés no chão”. Contudo, os militares consideram mais fácil e seguro matar civis inocentes do que colocar o seu próprio pessoal no local para fazer avaliações in situ.
Inocentes continuarão morrendo até encontrarmos uma forma de deter o uso desse sistema de armas. Os riscos aumentarão conforme a Inteligência Artificial for assumindo cada vez mais as decisões sobre os alvos e o lançamento. O projeto de tratado é um primeiro passo na árdua batalha para impedir a guerra com drones de longo alcance, cada vez mais automatizada e armada. Junte-se a nós na Campanha Internacional pela Proibição de Drones Armados e assine a petição e a declaração que apresentaremos em Viena, em junho, e, por fim, levaremos à Organização das Nações Unidas.
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Mundo precisa de um tratado contra o uso de drones armados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU