"Homem de esquerda, sempre respeitado e apreciado também pela direita, Alain Touraine analisou por mais setenta anos as sociedades industriais francesas e do mundo, numa perspectiva socialdemocrata", escreve Cesare Martinetti, jornalista italiano, diretor-adjunto e responsável pelas páginas culturais do jornal La Stampa, em artigo publicado por La Stampa, 10-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Alain Touraine era uma pessoa amável e generosa. Ele nunca se esquivou de uma entrevista; ele nunca hesitou em responder mesmo a uma simples pergunta, a qualquer hora e em qualquer dia da semana. E não apenas por educação e total ausência de arrogância. Era o seu método: o diálogo, o desafio contínuo do aprofundamento. O grande sociólogo faleceu ontem em Paris, aos 97 anos, e deixa um rastro infindável de estudos e ideias nascidas do impulso do engajamento, do empenho como existe na tradição intelectual francesa. Sociólogo explorador do mundo do trabalho, sem fronteiras e sem limites, em um dos últimos encontros resumiu assim o centro de seu interesse: "Entender o conflito". Não é à toa que um de seus textos mais emblemáticos de 1965 intitula-se Sociologia de ação, agir e estudar: "Uma sociedade que não reflete sobre si mesma só pode cair na decadência, lenta ou brutalmente".
Homem de esquerda, sempre respeitado e apreciado também pela direita, Touraine analisou por mais de setenta anos as sociedades industriais francesas e do mundo, numa perspectiva socialdemocrata que o levou a apoiar nos anos 1990 Michel Rocard, o líder da deuxième gauche, a esquerda moderada do partido socialista, sempre considerado herético pelo maximalismo instintivo da esquerda francesa. “A França - escreveu Touraine – ficou por muito temo prisioneira de um sonho revolucionário". Em 2017, foi um fervoroso apoiador de Emmanuel Macron, que sempre considerou Rocard seu modelo na política. O jovem candidato acabara de aparecer como um OVNI na política francesa e Touraine o cumprimentou assim: “Macron entendeu que era necessário preencher o vazio criado pela dupla decomposição da direita e esquerda pró-europeias e salvou o País do nacionalismo populista. O essencial não era escolher a direita contra a esquerda, ou a esquerda contra a direita, mas o futuro contra o passado".
As dificuldades e contradições dessa política apareceram logo depois com a crise dos coletes amarelos que o sociólogo imediatamente classificou como a evidência dramática do conflito entre a França provincial e popular (a France d'en bas) em oposição àquela elitista e urbana sobretudo parisiense (a França d’en haut).
Alain Touraine nasceu em 3 de agosto de 1925 em Calvados, filho de um dermatologista apaixonado por livros e assinante das primeiras edições da Gallimard: “Eu pertenço a uma das últimas gerações educadas na literatura, a minha formação foi mais moralista do que política”.
Aluno da Normale e da Sorbonne onde conheceu o marxista Ernest Labrousse que o enviou para estudar reforma agrária na Hungria, experiência que o marcou na necessidade do estudo da sociedade na realidade.
Ao retornar, ele é contratado por uma mineradora de carvão perto de Valenciennes, no nordeste da França, onde testemunha as brigas cotidianas entre trabalhadores alemães e poloneses. Uma experiência que Touraine mais tarde chamaria de sua "estrada de Damasco", uma conversão cultivada também nas páginas do sociólogo Georges Friedmann sobre os problemas humanos do machinisme industriel, o uso maciço de máquinas no processo industrial, o modelo fordista nas grandes fábricas.
Touraine apaixona-se por isso, Friedmann confia a ele um levantamento no coração da fábrica da Renault em Billancourt, nos arredores de Paris. O foco de pesquisa do ex-pupilo de uma família provinciana com seu pequeno salão literário tornou-se a sociedade industrial mais conflituosa dos anos que na França são chamados de "os trinta gloriosos" e correspondem à nossa ideia de boom industrial.
Desde o início dos anos 1960, ele acompanhou todos os movimentos sociais mais significativos da Europa e do mundo: na Polônia, no Chile, no México. E naturalmente o Movimento de 1968 ao qual dedicou um de seus ensaios mais conhecidos, O Movimento de Maio e o Comunismo Utópico, com viés mais pragmático do que ideológico, destacando também a busca pela autoestima, o reconhecimento de direitos, o problema da identidade que surgiram com a contestação juvenil. Questões que antecipavam a sociedade "pós-industrial". Ele dizia de 1968: "Mesmo que disfarçadas sob ideologias autoritárias, as reivindicações tinham um conteúdo essencialmente cultural". Em Nanterre (onde nasceu o Movimento de Maio) Touraine foi professor do líder do movimento Daniel Cohn-Bendit. E se divertia em contar que também havia sido seu defensor no processo movido contra ele pelo Reitor da Universidade quando, ao ser perguntado onde estava às 3 da tarde de certo dia em que as salas de aula haviam sido danificadas, Dany, o Vermelho, respondeu: “Estava em minha casa fazendo amor, algo que talvez nunca lhe tenha acontecido em tal horário...”.
Edgard Morin, agora perto de completar 102 anos, continua sendo o único porta-bandeira daquela geração. Ontem definiu o sociólogo como um "homem nobre e leal, de grande espírito". Muitas vezes um crítico dos movimentos sociais mais radicais, Touraine foi definido como um "liberal", um adjetivo que na política francesa é muitas vezes equivalente a um insulto. Mas nunca se importou com isso.