31 Março 2023
Nota Conjunta sobre a "Doutrina da Descoberta" dos Dicastérios para a Cultura e a Educação e para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral.
A nota é do Dicastério para a Educação e a Cultura, publicada pela Sala de Imprensa da Santa Sé, 30-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
(1) Fiel ao mandato recebido de Cristo, a Igreja Católica esforça-se por promover a fraternidade universal e o respeito pela dignidade de cada ser humano.
(2) Por isso, os Papas ao longo da história condenaram os atos de violência, opressão, injustiça social e escravidão, inclusive os cometidos contra as populações indígenas. Também houve numerosos exemplos de bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos que deram a vida em defesa da dignidade daqueles povos.
(3) Ao mesmo tempo, o respeito pelos fatos da história exige o reconhecimento da fraqueza humana e dos fracassos dos discípulos de Cristo em cada geração. Muitos cristãos cometeram atos perversos contra as populações indígenas, pelos quais os últimos Papas pediram perdão em várias ocasiões.
(4) Em nossos dias, um diálogo renovado com os povos indígenas, especialmente com aqueles que professam a fé católica, ajudou a Igreja a compreender melhor seus valores e culturas. Com sua ajuda, a Igreja adquiriu maior consciência de seus sofrimentos passado e presente devidos à expropriação de suas terras, que consideram um dom sagrado de Deus e de seus antepassados, e às políticas de assimilação forçada promovidas pelas autoridades governamentais da época, com o objetivo de eliminar suas culturas indígenas. Como ressaltou o Papa Francisco, seus sofrimentos constituem um forte apelo para abandonar a mentalidade colonizadora e caminhar lado a lado com eles, no respeito mútuo e no diálogo, reconhecendo os direitos e os valores culturais de todos os indivíduos e povos. A este propósito, a Igreja compromete-se a acompanhar os povos indígenas e a promover esforços destinados a promover a reconciliação e a cura.
(5) É neste contexto de escuta dos povos indígenas que a Igreja sentiu a importância de abordar o conceito conhecido como "doutrina da descoberta". O conceito jurídico de "descoberta" foi debatido pelas potências coloniais a partir do século XVI e encontrou expressão particular na jurisprudência oitocentista dos tribunais de vários países, segundo a qual a descoberta de terras pelos colonos concedia o direito exclusivo de extinguir, por compra ou conquista, o título ou a posse dessas terras pelas populações indígenas. Alguns estudiosos têm argumentado que a base da mencionada "doutrina" é encontrada em vários documentos papais, como as Bulas Dum Diversas (1452), Romanus Pontifex (1455) e Inter Caetera (1493).
(6) A "doutrina da descoberta" não faz parte do ensinamento da Igreja Católica. A pesquisa histórica demonstra claramente que os documentos papais em questão, escritos em um período histórico específico e ligados a questões políticas, nunca foram considerados expressões da fé católica. Ao mesmo tempo, a Igreja reconhece que essas Bulas papais não refletiam adequadamente a igual dignidade e direitos dos povos indígenas. A Igreja também está ciente de que o conteúdo desses documentos foi manipulado para fins políticos pelas potências coloniais em competição entre si, para justificar atos imorais contra as populações indígenas, às vezes realizados sem a oposição das autoridades eclesiásticas. É justo reconhecer esses erros, reconhecer os terríveis efeitos das políticas de assimilação e a dor vivida pelas populações indígenas e pedir perdão. Além disso, o Papa Francisco exortou: “Nunca mais a comunidade cristã poderá deixar-se contagiar pela ideia de que uma cultura possa ser superior a outras, ou que é legítimo recorrer a formas de coerção dos outros”.
(7) Em termos inequívocos, o magistério da Igreja sustenta o respeito devido a todo ser humano. A Igreja Católica, portanto, repudia aqueles conceitos que falham em reconhecer os direitos humanos inerentes aos povos indígenas, incluindo a que veio a ser conhecida legal e politicamente como “doutrina da descoberta”.
(8) Numerosas e repetidas declarações da Igreja e dos Papas apoiam os direitos dos povos indígenas. Por exemplo, na Bula Sublimis Deus de 1537, o Papa Paulo III escreveu: “Definimos e declaramos [...] que [...] os ditos indianos e todos os outros povos que no futuro serão descobertos pelos cristãos, não devem de forma alguma ser privados de sua liberdade ou de a posse de seus bens, ainda que não sejam de fé cristã; e que podem e devem, livre e legitimamente, gozar de sua liberdade e da posse de seus bens; nem devem ser escravizados de forma alguma; caso ocorra o contrário, será nulo e sem efeito".
(9) Mais recentemente, a solidariedade da Igreja com os povos indígenas deu origem a um forte apoio da Santa Sé aos princípios contidos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A implementação desses princípios melhoraria as condições de vida e ajudaria a proteger os direitos dos povos indígenas, além de facilitar seu desenvolvimento no respeito à sua identidade, língua e cultura.
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Nota Conjunta sobre a “Doutrina da Descoberta”. “Ela não faz parte do ensinamento da Igreja” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU