24 Fevereiro 2023
"Uma das objeções capciosas à última medida do Papa Francisco é esta: muita retórica sobre a diferença, sobre a participação e sobre a pluralidade das culturas, mas depois, na liturgia, apenas gestos de duro centralismo. Acho que seria útil para todos ler as coisas de modo mais refinado", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 22-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma vez que, após o rescrito do dia 20 de fevereiro passado, ouviram-se reações verdadeiramente pouco justificáveis, senão em uma lógica de cegueira por alinhamento contra o atual papa, gostaria de refutar brevemente uma das posições que surgiram do debate e que repousa sobre uma espécie de “esquecimento” acerca do real perfil da questão em jogo.
Deixo a palavra por um instante a um observador atento como Giovanni Marcotullio, que assim resumiu sua posição a respeito do documento:
“Deve-se observar que a tendência atual tende a reproduzir (de modo igual e contrário) o erro já lamentável no Summorum pontificum, isto é, a desautorização dos Bispos.”
Retomo sua síntese, porque me parece serena e capaz de dizer, com brevitas clássica, uma reserva que tem surgido em várias frentes, mas que, a meu ver, é totalmente infundada, precisamente porque, ao inverter um argumento originalmente fundado (o da desautorização), desnaturaliza-o e aplica-o para além de sua possível justificação.
A questão decisiva que era levantada há algum tempo, a partir de 2007, era que os bispos eram desautorizados de seu poder sobre a liturgia, já que o motu proprio Summorum pontificum instituía efetivamente um paralelismo ritual junto com um paralelismo de competências.
Se os bispos e a Congregação para o Culto eram competentes sobre a forma ordinária, uma comissão (Ecclesia Dei) era competente sobre a forma extraordinária, comissão que desautorizava tanto os bispos quanto a Congregação para o Culto.
De fato, passava-se por cima tanto dos bispos quanto da Congregação em relação ao julgamento sobre o exercício da “forma extraordinária” do rito romano. Esse fato, porém, incidia obviamente também sobre o poder sobre a “forma ordinária”, pois limitava estruturalmente sua eficácia. Sempre havia “outra mesa” onde alguém podia jogar, contando com a cobertura romana.
O que ocorre hoje não pode ser lido de modo algum como um “erro igual e contrário”, porque não existe mais aquele “paralelismo ritual”, instituído pelo Summorum pontificum e suplantado pela carta apostólica Traditionis custodes, que permitiria hoje dizer aos bispos que eles “perderam a autoridade sobre a forma extraordinária".
O paradoxo é que os bispos nunca mais tiveram, depois de 2007, uma autoridade sobre a forma extraordinária: a autoridade lhes era garantida pela Ecclesia Dei. Hoje, porém, eles não podem tê-la, não porque foram desautorizados, mas porque não existe mais nenhuma “forma extraordinária” do rito romano, mas apenas uma forma ritual, que corresponde ao único ordo pós-conciliar. Toda exceção pode ser concedida, por razões de discernimento ou de prudência, direta ou indiretamente, pela Sé Apostólica.
Se esse novo equilíbrio, determinado pela Traditionis custodes em 2021, encontra oposição em alguns bispos, é apenas porque os bispos continuam pensando com uma lógica de “dupla forma vigente”. Talvez isso também se deva ao fato, subjetivamente não secundário, de que, para se tornarem bispos, pelo menos até 2013, muitos deles tiveram que dar provas específicas de uma particular sensibilidade para com o Vetus Ordo: mas é igualmente certo que os bispos deveriam estar convencidos de que trabalham pela unidade da Igreja mediante o único rito vigente.
Se, depois, eles encontrarem condições particulares (não em seus corações, mas em seus territórios), então poderão recorrer à Santa Sé. Certamente estão desautorizados da tentação de poder (ou de ter que) proteger a todo o custo qualquer possível resistência ao Concílio Vaticano II: não faz parte de seu carisma engajar-se pastoralmente em batalhas de retaguarda.
Última curiosidade a assinalar. Uma das objeções capciosas à última medida do Papa Francisco é esta: muita retórica sobre a diferença, sobre a participação e sobre a pluralidade das culturas, mas depois, na liturgia, apenas gestos de duro centralismo.
Acho que seria útil para todos ler as coisas de modo mais refinado. O Vetus Ordo não admitia nenhuma diferença ritual, ao passo que é o Novus Ordo que tem em seu interior uma pluralidade possível, de implementação ou de adaptação. Colocar o rito de Pio V em paralelo com o missal congolês é histórica e teologicamente um absurdo.
Quando o papa diz que “uma só é a lex orandi”, ele mantém aberto o caminho da pluralidade. São aqueles bispos que sempre gostariam de manter o pé em dois sapatos que não renunciam à hipótese de que a Igreja Católica só é verdadeira se permanecer (pelo menos no altar) visivelmente tridentina. Manter o pé em dois sapatos, liturgicamente, não é coisa de bispo: sobre isso o rescrito é inflexível.
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Bispos desautorizados pelo rescrito sobre a missa em latim? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU