Não percas a “estrela” de tua vida!

Foto: Cathopic

06 Janeiro 2023

A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho da Solenidade da Epifania do Senhor, ciclo A do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Mateus 2,1-12.

Eis o texto.

“E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)

Mateus começa e termina seu evangelho dando a Jesus o título de “rei dos judeus”. Trata-se de um “rei” que nasce e morre rompendo todos os esquemas das realezas mundanas: nasce em uma gruta que acolhia animais e morre numa cruz.

Em seu nascimento, os Magos vão em busca do “rei dos judeus”. Se estamos falando de um rei, compreende-se que os magos o buscaram na cidade dos grandes palácios, ou seja, em Jerusalém. Equivocaram-se de caminho e de lugar, porque o “rei” que tinha nascido era tão diferente e tão novo que só podia nascer entre os pobres. O evangelista Mateus não se refere a nenhuma realeza que não seja a de Jesus. Foram as tradições populares posteriores que, usando muita imaginação, consideraram os Magos como reis. O evangelista só reconhece um rei, que é Jesus. Por isso os magos se prostam diante dele e o adoram.

Estamos celebrando a Epifania, quer dizer “manifestação”. Se o Senhor não se manifestasse, sua Encarnação não teria chegado à toda a humanidade. Pois bem, a manifestação de Deus em Jesus tem um alcance universal, está destinada a todos os seres humanos.

É interessante que a tradição tenha interpretado que os três magos procediam dos três continentes até então conhecidos: África, Ásia e Europa. O mago negro aparece sempre. No Reino de Jesus Cristo não há distinção de raça ou de origem, não há diferenças nacionais, nem sociais, nem religiosas. Todos são filhos e filhas do mesmo Pai. Jesus Cristo une todos os povos e todas as pessoas, sem perder a riqueza de sua diversidade.

Os Magos são aqueles que vieram dos confins da terra ao encontro do Menino, os estranhos ao povo judeu, os que não eram da raça do recém-nascido, os afastados. Também para eles nasceu o filho de Maria. E também a eles deve chegar a boa notícia do Evangelho.

O Evangelho é para todos os seres humanos porque, mesmo sem saber, todos buscam a Cristo, já que Ele é o “princípio e modelo dessa humanidade renovada à qual todos aspiram, cheia de amor fraterno, de sinceridade e de paz” (Vat. II). A partir desta perspectiva, os Magos representam a humanidade em busca de paz, verdade e justiça. Representam o desejo profundo do espírito humano, a marcha das religiões, da ciência e da razão humana ao encontro d’Aquele que se “humanizou” plenamente. Há sempre uma “estrela” na vida de todos indicando o caminho para a gruta da simplicidade e do despojamento, “lugar” onde se faz visível o “novo rebento” da vida.

Talvez a presença da “estrela” no relato dos Magos tenha suas raízes na bonita tradição judaica que diz: quando uma criança nasce, “acende-se” uma estrela no céu. Por isso no céu há tantas estrelas. Quando nasce uma criança, acende-se uma luz, um mundo de possibilidades se abre, um universo pessoal se faz visível no espaço da comunidade humana.

A estrela, porém, moveu os Magos a que deixassem de olhar para ela, mas que olhassem antes para o lugar, na Terra, que a sua luz iluminava. Ali havia uma presença surpreendente que dava sentido a todos os peregrinos desta terra.

Cristo como “estrela”, é guia dos homens e mulheres, e por isso “desce” à terra. De fato, a estrela se deteve no presépio, onde estava Jesus. A estrela, portanto, é Jesus presente no cosmos; logo, o cosmos fala implicitamente de Cristo, embora sua linguagem não seja totalmente decifrável para o ser humano.

A Criação inteira desperta no interior de todos uma sintonia com Aquele que, a partir da gruta, abre seus braços para a todos acolher. Suscita também a expectativa, mais ainda, a esperança de que um dia este Deus se manifestará plenamente. A partir de então, as verdadeiras “estrelas” serão as pessoas que mostrarão o novo caminho para o Deus encarnado.

Para a Igreja do Oriente hoje é o dia da Natividade, o dia que Jesus se manifestou como a Luz do mundo, o dia que Deus elegeu para manifestar-se a todos os homens através da pequenez do filho de Maria.

Como os Magos, esta cena nos convida a também “cair de joelhos”.

E por que fazer isso? Porque quando aqueles Magos se levantaram já não eram os mesmos.

Ajoelhar-se pode parecer um gesto servil, mas em ocasiões como esta é um gesto de humildade. Implica descer do pódio do ego ao qual subimos constantemente, acreditando ser os melhores, os mais sábios, os mais formosos, os mais perfeitos. De joelhos pedimos compaixão, ajuda, clemência, compreensão, misericórdia. E levantar-nos é poder de novo estar de pé, tendo passado pela experiência da pequenez.

Além disso, pôr-se de joelhos diante daquele Menino de Belém é abrir passagem à ternura, à grandeza que não está em saber mais, nem ser mais forte, mas em ser mais humano, e por isso, profundamente imagem de Deus. E ajoelhar-se diante daquele menino é deixar-se deslumbrar, despertar o assombro e o encanto.

Quando entregamos a luz a alguém, parece que tudo em sua vida se torna mais luminoso, e essa luz se expandirá. Quando alguém recebe sol revela um aspecto mais vital, mais saudável...; é a isso que nos convida a celebração da Epifania.

Como Igreja e como cristãos temos de repensar muitas coisas, mas não a partir do poder (Herodes e Jerusalém), mas a partir da Luz. A revelação, a estrela, estão no fluxo da história da Igreja e da humanidade; precisamos ativar nossa essa luz para que ilumine cada situação humana e eclesial. É preciso despertar os “magos” que nos habitam para sairmos de nossa “normalidade doentia”, de nossos lugares atrofiados, de nossas visões estreitas... Somos seres de travessia; quem não se desloca apaga a estrela que o habita.

Esta festa nos convida a descobrir a epifania não só em nós, mas em tudo e em todos; ela nos inspira a respeitar e acolher quem pensa, sente e ama de maneira diferente. Esta festa também nos instiga a viver a cultura do encontro frente à cultura da indiferença e intolerância que geram tantas rupturas.

Os Magos são sinal da grande missão cristã, ou seja, da missão do evangelho que se abre como dom a todos os povos e culturas da terra, não para conquistar ninguém, nem para fazer proselitismo, nem para destruir outras culturas, mas para oferecer a todos os povos uma experiência de gratuidade.

Em um mundo de pobreza e exclusão, marcado por tanto ódio e intolerância, somos portadores da riqueza de Deus, do amor feito presente... Só podemos encontrar nossa verdade em Jesus quando entramos na Gruta de Belém, onde encontramos Aquele que não foi recebido na cidade, mas entre estrangeiros e marginalizados; só O encontraremos quando nos aproximarmos das vítimas de Herodes, de ontem e de hoje.

Uma Epifania política, uma Epifania religiosa, uma Epifania social... No centro do relato dos magos está a oposição do Rei Mau (Herodes) que mata os meninos e todos os inocentes para poder reinar e os milhares e milhões de “magos e magas” que, apesar de tudo (apesar de Herodes) continuam buscando a verdade de Deus nas crianças marginalizadas e nos perseguidos. Por isso os Magos são reis e rainhas de um modo diferente: pela realeza do coração, pelo mistério da vida (a luz na noite), pela peregrinação para a verdade que eles encontram em Belém.

 

Para meditar na oração:

 

A mensagem do Evangelho dos Magos é um mapa que nos mostra o terreno onde pisar na busca, encontro e manifestação do “Emmanuel”, Deus conosco. E, em versão do séc. XXI: “Deus em nós”.

Ele é a Luz que brilha em nossa gruta interior.

E então seremos lamparinas acesas e colocadas no candeeiro para iluminar àqueles que nos rodeiam.

 

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