"Começamos um tempo novo, um ano novo, e o começamos sob o sinal da mulher. Paulo nas entrelinhas afirma: o ventre de uma mulher se tornou casa, gestou e deu à luz o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, o Cristo. Mulher que é a encarnação do amor de Deus, um amor tão grande e gratuito que nos doa seu Filho, assumindo N'Ele toda a criação para reconduzi-la ao projeto originário de harmonia e vida em plenitude: o shalom, vida em plenitude para todos os seres vivos. Maria – Terra – Ventre que geram vida".
A reflexão é de Tea Frigerio, mmx, religiosa da Congregação Missionárias de Maria-Xaverianas. Ela possui graduação em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma - PUG e pós-graduação em assessoria bíblica pela Escola Superior de Teologia - EST e pelo Centro de Estudos Bíblicos - CEBI, São Leopoldo/RS. Atualmente atua em assessoria bíblica pelo CEBI e é assessora nacional das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
1ª leitura: Nm 6,22-27
Salmo: Sl 66 (67) 2-3.5.6.8 (R. 2ª)
2ª leitura: Gl 4,4-7
Evangelho: Lc 2,16-21
Tempo ...
Templo pleno
Templo de clamor e choro
Tempo de consolação
Tempo de sonhar
Tempo de esperançar
Tempo de recomeçar
Tempo de caminhar junt@s
Tempo de comunhão
Tempo de fraternidade
Tempo de sororidade
Tempo divino-humano
Tempo humano-divino
Tempo ...
As leituras da liturgia de hoje, cada uma a seu modo, nos colocam no ‘Tempo’. Quer dizer nos colocam no bojo da história. A celebração litúrgica encurta e aproxima o tempo: o passado é o hoje e ao mesmo tempo é futuro: o que foi, é, e ainda não é. É a plenitude do tempo de Paulo, é o tempo de custodiar no coração de Maria, é o tempo de abençoar de Aarão, é o nosso tempo. Então vamos fazer ecoar em nós o tempo. O tempo de 1º de janeiro de 2023, início de ano, início de um tempo novo.
“Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de mulher”. Paulo escreveu esta frase lapidaria aos Gálatas, a única vez em que o apostolo faz uma alusão direta a Jesus de Nazaré, o Jesus histórico. E, nesta frase lapidária destacamos três momentos: a plenitude do tempo, o ventre de uma mulher se torna casa, Deus entra na história se fazendo criança.
Chegou a plenitude do tempo. O que faz o tempo pleno de tal maneira que provoca em Deus o dinamismo de descer, entrar na história? Ao escrever isso Paulo se coloca em continuidade do dinamismo que colocou Deus a caminho no Egito: ver, ouvir, conhecer os clamores e o sofrimento, descer, libertar.
- Continuidade e dinamismo que ecoa na voz do povo de Naim que exclama a grão voz: Deus visita o seu povo ao testemunhar Jesus devolver o filho morto à viúva.
- Continuidade e dinamismo do tempo do Êxodo, da Palestina, na escrita de Paulo à comunidade dos Gálatas.
- Que tempo pleno era? O que faz a plenitude do tempo? E o nosso tempo hoje é pleno de que?
Façamos um instante de silêncio para preencher este tempo, estes quatro anos ...
Começamos um tempo novo, um ano novo, e o começamos sob o sinal da mulher. Paulo nas entrelinhas afirma: o ventre de uma mulher se tornou casa, gestou e deu à luz o Filho de Deus, Jesus de Nazaré, o Cristo. Mulher que é a encarnação do amor de Deus, um amor tão grande e gratuito que nos doa seu Filho, assumindo N'Ele toda a criação para reconduzi-la ao projeto originário de harmonia e vida em plenitude: o shalom, vida em plenitude para todos os seres vivos. Maria – Terra – Ventre que geram vida.
As comunidades de Lucas a apresentam como aquela que conservava/custodia cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração. Não há traimento maior que podemos fazer a Maria, quando a pensamos silenciosa, submetida, fechada em si mesma na casa de Nazaré.
A casa de Nazaré é o laboratório, a escola onde foi forjado o homem Jesus, forjado pela mãe, pelo pai, pela realidade do seu povo.
Custodiar é guardar, é fazer memória, convite cotidiano que ecoa em cada israelita: recorda Israel!
Custodiar é contemplar no coração. Para o israelita o coração é o lugar do conhecer e do querer. Maria conservava/custodia no coração, o que custodia?
A situação escabrosa e perigosa vivida numa gravidez fora de tempo. As relações patriarcais presenciadas na casa de Isabel e Zacarias reflexo da cultura do seu povo. As estruturas sóciais excludentes que negaram a hospitalidade a um casal pobre e de outra região. Leis que obrigaram a migrar e fizeram sentir o peso da dominação. Grupos sociais excluídos a causa de sua profissão, estruturas que se apropriavam do trabalho e ao mesmo tempo pelo próprio trabalho considerava indignos e ladrões. Uma religião legalista que deformava a imagem de Deus e legitimava a exclusão. Esta realidade Maria conservava em seu coração em Nazaré e a contemplação se tornava palavra e ação a ser inscrita no filho.
Façamos um instante de silêncio e nos perguntamos: nós, o que custodiamos no coração deste tempo de coronavírus, destes últimos quatro anos?
Seu coração, porém, conservava outras experiências e na cotidianidade transmitia para o filho. A história de seu povo, a memória da presença de um Deus que realizava grandes coisas através dos humilhados, um Deus fiel as suas promessas, sempre ao lado dos pequenos, fragilizados, mas derrubando os ricos e poderosos da terra. A relação transformada entre Isabel e Zacarias e que influenciou sua relação com José. A recordação dos pastores que se colocaram a caminho até o estabulo para reconhecer no menino um Deus que se faz criança, e ao mesmo tempo socorre-la em sua penúria. De uma noite em que céu e terra em perfeita harmonia renovaram o esperançar da humanidade. De um templo que se torna casa pela presença de pessoas sabias como Simeão e Ana.
“Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de mulher”. Na mulher, através de sua adesão, chegou e chega até nós a plenitude do tempo, seu ventre gerador se faz casa, seu filho viverá e fará acontecer:
... salvação está próxima dos que o temem, e a glória habitará nossa terra. Amor e Verdade se encontram, Justiça e Paz se abraçam. Da terra germinará a Verdade, e a Justiça se inclinará do céu. O próprio Javé dará a felicidade, e a nossa terra dará seu fruto. A Justiça caminhará à sua frente, e com seus passos traçará um caminho ... (Sl 85,10-14).
Ela, Maria nos abençoará proclamando:
... Iahweh te abençoe e te guarde! Faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te seja benigno! Iahweh mostre para ti sua face e te conceda o shalom!
O ano de 2023 seja Tempo novo, Tempo de Shalom!