20 Dezembro 2022
"Diante da promessa de fazer de seus filhos um astro do futebol profissional começando em clubes da segunda ou terceira divisão, os falsos 'olheiros', traficantes de pessoas, convencem os pais, mas exigem deles o pagamento de 600 dólares a 10 mil dólares para a cobertura dos trâmites de contratação, além de passagens", escreve Edelberto Behs, jornalista.
O trabalho de três jornalistas investigativos da Colômbia, Bolívia e Paraguai, publicado no portal Conectas sob o título “Pelota sucia: la silenciosa trata de futbolistas en Latinoamérica” (Bola suja: o silencioso tráfico de jogadores de futebol na América Latina), publicada em março, recebeu o Prêmio Nacional de Jornalismo Digital na Colômbia, na categoria Reponsabilidade Social e Ambiental.
A matéria denuncia falsos “olheiros” de futebol, que prometem colocação a jovens pobres de periferias em clubes de futebol fora de seus países, mas cobram dos pais passagens e outras despesas dos filhos enquanto não são contratados. Aliás, nunca serão contratados porque trata-se de uma gangue de empresários bandidos. Eles falsificam documentos, apresentando-se como representantes de clubes de futebol. Depois de transferir os futuros atletas ao exterior, eles são abandonados à própria sorte, muitas vezes sem condições financeiras de tomar o caminho de regresso à casa.
Os repórteres Santiago Espinoza, da Bolívia, Aldo Benitez, do Paraguai, e Hugo Mario Cárdenas, da Colômbia, registraram 217 casos de um sistema de falsários que se estende pela América Central, América do Sul, até a Europa e a Ásia, continentes que receberiam os atletas ludibriados.
A figura do jogador de futebol que sai dos bairros pobres “para se tornar uma estrela internacional, deixando para trás a miséria, é o cenário ideal para o qual muitas famílias estão dispostas” a qualquer sacrifício para encaminhar seus filhos ao estrelato, anotam os repórteres.
Eles identificaram 19 falsos “olheiros”, nominando os mais astutos, entre eles o empresário argentino Édgar Humberto Ozuna, que se apresenta como presidente do Clube Desportivo Thomas Bata de Quillacollo, de Cochabamba, time da segunda divisão de futebol da Bolívia, que promete contratar jovens atletas e depois de fazerem fama, lançá-los ao estrelato internacional.
Outro falsário identificado é o venezuelano Carlos Velásquez, que prometeu a fama para dez jovens de Cali, Colômbia, depois de estrearem em clubes da liga profissional da Venezuela.
Ninguém sabe quando nem como Javier Alexánder Neira Hincapié passou, em 2012, de motorista de ônibus da empresa Cootransniza, de Bogotá, a agente da FIFA e empresário de atletas que seriam levados ao Atlético de Madrid ou ao FK Karpaty, da Croácia, em 2013.
“Uma dezena de denúncias contra ele no Ministério Público colombiano indica que Javier clonou documentos do Junior de Barranquilla e com ele fez falsas contratações de diretores técnicos e jogadores da Argentina que supostamente traria para o time profissional, até ser descoberto em 2014”, registra a matéria.
O colombiano Edgar Humberto Ozuna realizou uma longa trajetória de falcatruas no mundo do tráfico de atletas, apesar de ter nas costas quatro investigações pendentes na Colômbia, desde 2012, cinco processos no Paraguai e 20 denúncias na Bolívia. Ozuna, segundo a reportagem, levou ao Paraguai, entre junho e agosto de 2017, 20 jovens colombianos, vários deles menores de 18 anos de idade, com a promessa de que jogariam em clubes profissionais de futebol.
O golpe é muito simples. Diante da promessa de fazer de seus filhos um astro do futebol profissional começando em clubes da segunda ou terceira divisão, os falsos “olheiros”, traficantes de pessoas, convencem os pais, mas exigem deles o pagamento de 600 dólares (cerca de 3,2 mil reais) a 10 mil dólares para a cobertura dos trâmites de contratação, além de passagens. A matéria relata casos em que uma empregada doméstica fez um empréstimo de 700 dólares, outra família hipotecou a residência, para juntar o dinheiro e cobrir o caminho para a fama dos filhos e a consequente saída da miséria.
Feita a viagem, dependendo da situação, os futuros atletas são deixados ao deus dará no país de acolhimento, ou têm seus passaportes retidos e disponíveis à exploração sexual. O Infobae noticiou, em junho de 2020, o resgate de sete jogadores colombianos numa operação da Guarda Civil espanhola, que eram explorados sexualmente em Cádiz.
“É doloroso que tenha pessoas que joguem dessa forma a ilusão de pessoas humildes que só querem progredir e buscar uma vida melhor para a sua família”, declarou o jovem Yilber Castro, filho da empregada doméstica que se endividou para que ele viajasse ao exterior, numa viagem que nunca aconteceu.
A Colômbia é o terceiro país da América do Sul que mais exportou futebolistas em 2020, o quinto em nível mundial, segundo Big Dat Sports. “Na Colômbia, é muito fácil abusar das expectativas das pessoas, porque os pais estão dispostos a pagar e a fazer o que esteja ao seu alcance, em todos os níveis sociais, para ver seus filhos vencerem”, declarou o presidente da Associação Colombiana de Atletas Profissionais, Carlos González Puché. Muitos acreditam que tenham um Maradona em casa, e os futuros atletas deixam os estudos de lado e enxergam o futebol como única alternativa e acabam sendo enganados, agregou.
Embora trabalhem apenas com jogadores profissionais, a Associação Colombiana de Atletas (Asocolfutpro) tem ajudado jovens ludibriados por falsos olheiros a regressarem ao país. Apesar dos repórteres insistirem por dois meses em busca de um posicionamento oficial, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) preferiu calar-se diante as denúncias de tráfico de atletas enganados por falsos empresários.