23 Novembro 2022
Cúpula marcou o primeiro encontro entre Biden e Xi, em meio a diplomacia instável. Diálogos na área ambiental e militar podem ser restabelecidos. Mas Pequim continua sendo fustigada com interferências em Taiwan e na guerra de chips…
A reportagem é de Marco Fernandes, publicada por Brasil de Fato, 21-11-2022.
Xi Jinping ocupou os holofotes da geopolítica global nas últimas semanas. Após sair fortalecido do 20° Congresso do Partido Comunista da China e com a flexibilização de medidas restritivas contra o Covid, o presidente chinês retomou o ritmo de viagens e reuniões bilaterais com chefes de estado que se espera do líder de uma nação da importância da China. Antes de ir à Indonésia para a primeira reunião presencial do G20 desde a pandemia, Xi já havia se reunido com os presidente do Vietnã (que prometeu priorizar as relações com a China) e Tanzânia, e os primeiros-ministros da Alemanha (que recusou a ideia de desacoplamento da China) e Paquistão.
Em Bali (para o G20), o presidente chinês fez nada menos que oito reuniões bilaterais em paralelo à cúpula, com França, África do Sul, Senegal, Coréia do Sul, Argentina, Holanda, Austrália e Espanha. A mais esperada de todas, na véspera da cúpula, a primeira reunião presencial com Joe Biden desde que este se tornou presidente dos EUA. A conversa, que durou mais de três horas, acontece em meio à escalada de tensões entre ambos os países, que se agravaram desde a visita de Nancy Pelosi à Taiwan, o aumento das sanções da Casa Branca que bloqueiam o acesso da China aos chips de última geração com tecnologia estadunidense e discursos mais agressivos do alto escalão diplomático e militar de Washington sobre uma suposta ameaça de “invasão chinesa” a Taiwan.
O que os EUA pretendiam com essa reunião? É cedo para ter certeza de suas intenções. Mas a Casa Branca vem lidando com desafios domésticos e internacionais que enfraquecem sua posição. A popularidade de Biden despencou nos últimos meses, os democratas acabaram de perder o controle da Câmara dos Deputados (mantendo o do Senado) e a economia estadunidense parece consolidar um cenário de baixo crescimento (com previsões abaixo de 2% para 2022 e perto de 0% em 2023), além de alta inflação (entre 7% e 8%).
Sua aposta na tática de liderar a OTAN com o objetivo de enfraquecer a Rússia com apoio militar e financeiro à Ucrânia já começa a dar sinais de desgastes. Alemanha e França enfrentam sérios riscos de crise econômica em virtude da disparada do preço da energia e alimentos, que desagradam da burguesia industrial (que teme uma onda de desindustrialização sem precedentes) às camadas médias e populares (que vêm protestando nas ruas). A recente visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, e a promessa de uma visita em breve do presidente francês, Emmanuel Macron, à Pequim – cercadas de rumores de que as negociações sobre a guerra estariam em pauta – demonstram que Berlim e Paris estão em busca de uma alternativa aos objetivos de Washington.
No mesmo dia do encontro entre Biden e Xi, o diretor da CIA Nicholas Burns encontrou seu par russo, Sergei Narishkyn, da SVR, em Ancara, Turquia. O general-chefe do Pentágono Mark Milley acaba de declarar que a Ucrânia tem chances muito pequenas de vencer a guerra e sugere uma solução política. Na grande imprensa do Norte, aumentam as declarações em off sobre a impaciência de líderes e diplomatas da OTAN com as atitudes de Zelensky, entre elas ter mentido sobre a origem do míssil que atingiu a Polônia, disparado pela Ucrânia.
Já dois dos principais aliados estadunidenses fora da OTAN nas últimas décadas, Arábia Saudita e Índia, têm desagradado à Casa Branca por sua aproximação estratégica com a Rússia. Há poucas semanas, Riad e Moscou fecharam posição na OPEP para diminuir a produção de petróleo nos próximos meses, uma afronta direta à exigência de Washington de que a produção aumentasse para baixar os preços. Antes disso, sauditas já haviam declarado sua intenção de aderir aos BRICS. Os chanceleres indiano, Subrahmanyam Jaishankar, e russo, Sergey Lavrov, se reuniram na semana passada e firmaram uma série de acordos, inclusive uma possível parceria na produção de armas, sinal inequívoco de extrema confiança política entre os dois membros do BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai. Há décadas, os russos são os maiores provedores de armas dos indianos. Desde o início do conflito na Ucrânia, a Índia se tornou a segunda maior compradora de petróleo russo (depois da China), e mais de uma vez, Jaishankar criticou as sanções ocidentais contra a Rússia.
Com tudo isso em sua cabeça, Joe Biden se reuniu com Xi Jinping. O líder chinês afirmou que o status atual das relações entre China e EUA não interessam a ninguém no mundo, deu uma aula de história sobre como Taiwan faz parte da China e porque Pequim não admitirá tentativas de separar a ilha do continente. Xi reafirmou que as relações de ambos os países não deveriam ser um “jogo de soma zero”, no qual um lado vence às custas do outro. Biden respondeu que os EUA não querem uma nova guerra fria com a China, não buscam revitalizar alianças contra Pequim e não tem intenção de conter o país asiático. Diante do risco real de uma guerra que pode ser nuclear, é bem-vindo o esforço dos presidentes das duas maiores potências globais para reconstruir um diálogo direto.
Como consequência dessa reunião, dois importantes canais de diálogo, que haviam sido suspensos desde a desastrada visita de Pelosi à Taiwan, foram reestabelecidos: sobre a crise climática, o responsável chinês, Xie Zhenhua, se encontrou com seu par estadunidense, John Kerry, já durante a COP27. Impossível avançar nas negociações do Acordo de Paris se os dois maiores responsáveis por emissões de carbono não dialogarem.
Por outro lado, Wei Fenghe e Lloyd Austin, respectivamente ministro e secretário de defesa, já articulam uma reunião que deve reestabelecer o canal de diálogo direto entre as maiores autoridades militares de cada lado. Resta saber o que os EUA farão com Li Shangfu, próximo ministro da defesa chinês, que sofre sanções da Casa Branca (por compra de mísseis e aviões russos), e está tecnicamente impedido de se reunir com autoridades estadunidenses.
Por fim, a secretária do tesouro Janet Yellen – que dias antes do G20 defendeu a “estabilização” das relações EUA-China – se encontrou com o governador do Banco Popular da China, Yi Gang, em Bali, enquanto o secretário de estado Anthony Blinken já anunciou sua ida a Pequim para a continuação do diálogo com os dirigentes chineses. Aguardemos os próximos capítulo. No entanto, Biden precisará lidar com duas bombas-relógio caseiras nos próximos meses, que podem por a perder as boas intenções que ele expressou na reunião dessa semana.
Os republicanos acabam de retomar o controle do Congresso dos EUA e seu novo presidente, Kevin McCarthy, prometeu que levaria uma delegação de congressistas a Taiwan caso fosse eleito. No jogo perverso entre republicanos e democratas sobre quem é mais duro contra a China, não será fácil fazer McCarthy recuar da sua promessa e parecer “soft” diante de um eleitorado cotidianamente adestrado pela mídia a desejar o confronto com Pequim. Mais grave ainda é uma lei atualmente discutida no Congresso, o Taiwan Policy Act (Ato sobre a política para Taiwan), que propõe: 1) convidar Taiwan a se tornar “aliado importante extra-OTAN” – qualquer semelhança com a Ucrânia não é mera coincidência; e 2) mudar o nome do Escritório de Representação Econômica e Cultural de Taipei (cidade) para Escritório de Representação de Taiwan, passando a tratá-lo, de fato, como um país estrangeiro.
Para a China, isso provavelmente seria visto quase como uma declaração de independência de Taiwan, ou seja, inaceitável. Como disse o chanceler chinês Wang Yi, em coletiva de imprensa após a longa conversa entre os dois líderes, vai ser preciso transformar as declarações positivas de Biden em ações concretas. A essa altura, é difícil saber se a Casa Branca ainda tem alguma intenção de seguir esse sábio conselho.
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G20: China, EUA e as novas tensões geopolíticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU