“A realidade dominante, para a USCCB e para o país, é que dividir mais o povo é um dos caminhos, e a necessidade gritante de propósito comum e aspirações compartilhadas parece cada vez mais remota. A primeira carta de São Pedro (1 Pe 3, 15), nos diz que devemos estar sempre preparados para dar razão da esperança que há em nós por meio de Cristo Jesus. Esta semana, isso se tornou mais difícil, muito mais difícil”, escreve o jornalista estadunidense Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 17-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Suponho que tenha sido apropriado, de uma forma deprimente, que a assembleia geral da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA – USCCB coincidisse com o anúncio do ex-presidente Donald Trump de que ele concorrerá à presidência em 2024. Tanto na Igreja quanto no Estado, o futuro será dominado pela divisão e uma guerra cultural ética nos próximos anos, resultado que contraria a missão fundadora de ambos. O futuro é sombrio.
A Igreja entende que sua missão mais essencial é anunciar Cristo como “Lumen gentium”, a “Luz das nações”, nas palavras do Concílio Vaticano II. “Sendo a Igreja em Cristo como sacramento ou como sinal e instrumento tanto de uma união muito estreita com Deus como da unidade de todo o gênero humano, ela deseja agora desvendar-se mais plenamente aos fiéis da Igreja e o mundo inteiro sua própria natureza interior e missão universal”, afirma a Constituição Dogmática sobre a Igreja.
Infelizmente, a “unidade de toda a raça humana” provavelmente não fará parte da agenda dos bispos dos EUA durante o mandato de dom Timothy Broglio como presidente da conferência. Como braço direito do cardeal Angelo Sodano durante a década de 1990, ele não apenas testemunhou a credulidade voluntária estendida a pedófilos em série como o então padre Marciel Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, mas a total falta de simpatia e solidariedade estendeu-se às vítimas de abusos sexuais do clero. A década de 1990 foi a época em que Roma rejeitou todo e qualquer esforço dos bispos dos Estados Unidos para enfrentar a crise. Pergunte aos bispos que estavam tentando lidar com pedófilos em suas fileiras naquela época e eles lhe dirão: “Roma não cedeu; você não poderia laicizar esses monstros”.
Na entrevista coletiva após sua eleição, quando questionado sobre aqueles anos e especificamente sobre o caso Maciel, o melhor que o novo presidente pôde oferecer foi a observação banal de que “a visão retrospectiva é sempre 20/20”. Para ser claro, Broglio trabalhou com Sodano até 2001. Foi em 1997 que o Hartford Courant publicou pela primeira vez uma denúncia das depredações de Maciel. Não era preciso acuidade perfeita para sentir o cheiro da corrupção. Sodano, ao contrário, facilitou a corrupção. Broglio não fez nada.
Certamente, Broglio trabalhou para Sodano, não o contrário, mas diante da enormidade moral, há uma obrigação moral de evitar a colaboração. Ele poderia ter renunciado. Ele poderia ter se tornado um delator. Em vez disso, ele se tornou, na melhor das hipóteses, um espectador.
Existem muitos outros exemplos de Broglio padronizando-se em uma platitude de guerreiro cultural diante de realidades complexas. Por exemplo, Broglio afirmou que o abuso sexual de crianças está “diretamente relacionado à homossexualidade”, apesar do Relatório John Jay não demonstrar tal ligação. Esse recurso ao bode expiatório é o tipo de análise moral preguiçosa que torna possíveis as guerras culturais. A escolha de Broglio de ignorar as necessidades do bem comum ao enfrentar a pandemia de covid-19 é outro exemplo.
Alguns bispos não sabiam da associação de Broglio com Sodano, ou sobre seus outros exemplos de pensamento guerreiro cultural. Mas a votação para um novo secretário da conferência não teve essa variável. Os bispos escolheram dom Paul Coakley, arcebispo de Oklahoma City, em vez de o cardeal Joseph Tobin, arcebispo de Newark.
Quando o infeliz ex-núncio apostólico, dom Carlo Maria Viganò, emitiu seu incendiário “testemunho” em 2018 e pediu que o Papa Francisco renunciasse, Coakley não defendeu o papa, ele defendeu Viganò. “Embora eu não tenha nenhum conhecimento ou experiência pessoal dos detalhes contidos em seu ‘testemunho’, tenho o mais profundo respeito por dom Viganò e sua integridade pessoal”, afirmou Coakley. Ele não mencionou nenhum respeito que tem pelo Papa Francisco. Legal.
Coakley também conduziu a discussão sobre o documento quadrienal dos bispos sobre eleições, “Forming Consciences for Faithful Citizenship” (“Formando Consciências para uma Cidadania Fiel”, em tradução livre). A necessidade de descartar o texto atual já era evidente há algum tempo, mas os conservadores da conferência não quiseram abandoná-la, não depois de terem conseguido rotular a questão do aborto como sua preocupação “preeminente”. Então Coakley disse que não havia tempo para empreender um novo texto. Aos que se queixavam da extensão excessiva do documento, respondeu que um documento de uma página não bastaria, ainda que outras conferências episcopais o consigam fazer. No final, os bispos votaram a favor de manter o documento atual, embora tenha tido pouco efeito demonstrável, e adicionar alguns sinos e assobios de mídia social.
O melhor a se esperar é que o declínio da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos rumo à irrelevância continuará. Houve um momento revelador na coletiva de imprensa na terça-feira, 15 de novembro, quando alguém perguntou a Broglio se ele se encontraria com o presidente Joe Biden. Ele disse que sim, mas primeiro disse que nem o atual presidente da conferência, dom José Gomez, conseguiu marcar tal encontro.
Deixa isso pra lá... O segundo presidente católico na história de nossa nação não sentiu a necessidade de se encontrar com o presidente da conferência dos bispos dos Estados Unidos. Biden está bem assessorado. Na melhor das hipóteses, tal reunião seria uma perda de tempo.
Podemos esperar que o futuro de Trump também seja uma lição de irrelevância. Ele nunca trabalhou com o cardeal Sodano, mas Trump também sabe algo sobre corrupção. Um dia antes de anunciar sua candidatura, o The New York Times informou que os negócios da família Trump haviam assinado um acordo com um incorporador imobiliário da Arábia Saudita. Você pode ter pensado que Trump preocupar-se-ia que envolvimentos com negócios estrangeiros podem não ser algo que o país desejaria em um presidente – pois, conflitos de interesse. Oportunidades para fazer dinheiro sempre vêm em primeiro lugar com esse cara. Ele vive em seu próprio mundinho, assim como alguns de nossos bispos.
Trump sabe que seu único bilhete de volta à Casa Branca é sua capacidade de demonizar imigrantes, traficar mentiras sobre nossos processos eleitorais, colocar estadunidenses contra estadunidenses, dar piscadelas e acenos de cabeça (e às vezes um grito explícito) para nacionalistas brancos e ignorar a Constituição. Seu sucesso político repousa na possibilidade de convencer o suficiente de nós de que sua visão distópica é precisa e que ele tem – não, que ele é – a cura. Ninguém jamais sugeriu que Trump é um “sinal e instrumento” da “unidade de toda a raça humana”. Sua presidência foi uma escuridão para as nações, especialmente nossa própria nação.
Nem tudo foi sombrio nesta semana em Baltimore. Um bispo conservador, com um senso de humor irônico, sugeriu antes da votação que, para fins de consistência, os votos dos bispos da Califórnia, Arizona e Nevada não fossem tabulados por uma semana. Isso é engraçado.
A escolha de dom Joseph Bambera, bispo de Scranton, Pensilvânia, para presidir o Comitê de Assuntos Ecumênicos e Inter-religiosos foi um sinal de esperança, e dom Barry Knestout, bispo de Richmond, Virgínia, será muito competente como presidente do Comitê de Proteção às Crianças e Jovens. Dom Charles Thompson, arcebispo de Indianápolis, também será bom no Comitê de Evangelização e Catequese.
O ponto alto da reunião foi o discurso de dom Borys Gudziak, da Arquieparquia Católica Ucraniana da Filadélfia, que falou de forma comovente ao corpo de bispos sobre os sofrimentos contínuos do povo da Ucrânia. Ele elogiou os bispos e o povo dos Estados Unidos por seu generoso apoio e ajuda humanitária. Ele falou sem notas e sempre em um tom profundamente espiritual. Você podia ouvir um alfinete cair no salão de baile. É assim que a liderança episcopal se parece e soa.
Ainda assim, a realidade dominante, para a USCCB e para o país, é que dividir mais o povo é um dos caminhos, e a necessidade gritante de propósito comum e aspirações compartilhadas parece cada vez mais remota. A primeira carta de São Pedro (1 Pe 3, 15), nos diz que devemos estar sempre preparados para dar razão da esperança que há em nós por meio de Cristo Jesus. Esta semana, isso se tornou mais difícil, muito mais difícil.