06 Outubro 2022
Candidato a deputado estadual mais votado de Porto Alegre fala sobre seu desempenho e a ascensão da bancada negra.
A entrevista é de Luís Gomes, publicada por Sul21, 05-10-2022.
Eleito vereador de Porto Alegre em 2020 com 9.869, Matheus Gomes mais do que quintuplicou a sua votação no último domingo apenas na Capital. Foram 51.981, dos 82.401 votos que obteve para deputado estadual em todo o Rio Grande do Sul. E, assim como em 2020, não estará sozinho na Assembleia Legislativa.
Membro da primeira bancada negra da história da Câmara Municipal, ele agora voltará a ter como colega as também vereadoras porto-alegrenses Laura Sito (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB). Daiana Santos (PCdoB) foi eleita deputada federal. Apenas Karen Santos, a mais votada na Capital em 2020, ficou de fora, mas fez uma expressiva votação, com 40 mil votos, mais do que 28 dos deputados estaduais eleitos, e não conquistou uma cadeira apenas pelo fato de o PSOL não ter alcançado o quociente eleitoral.
Nesta segunda-feira (3), Matheus conversou com a reportagem do Sul21 sobre os motivos que, na sua avaliação, resultaram nas expressivas votações dos vereadores da bancada negra. Para ele, uma dos motivos é a falta de representação da população negra nos espaços parlamentares do Rio Grande do Sul.
“Nos últimos sete pleitos da Assembleia Legislativa, entre mais de 350 deputados eleitos, tivemos quatro negros eleitos. Então, é uma sub-representação gigantesca”, destaca.
Matheus avalia também que o resultado é mais fruto da mobilização do movimento negro em garantir instrumentos de promoção da paridade na distribuição de recursos para candidaturas negras do que uma consequência de apostas partidárias.
“Foi uma vitória do movimento negro brasileiro a garantia de cotas na distribuição do fundo partidário e eu só tive o apoio financeiro do partido, no alcance que eu tive, por causa deste elemento, a obrigatoriedade de distribuir no mínimo 30% dos recursos para as candidaturas negras. Isso fez toda a diferença”, afirma.
Como tu avalias as votações expressivas que tu e a bancada negra de vereadores de Porto Alegre tiveram no domingo? É um reflexo do trabalho que vocês fizeram na Câmara?
Olha, eu acho que a gente abriu um debate no Rio Grande do Sul com a eleição de Porto Alegre, que é o tema da ausência de representação negra em um estado que tem mais de 1,2 milhão de pessoas que se auto declaram negras. Isso é muita gente, né? E nos últimos sete pleitos da Assembleia Legislativa, entre mais de 350 deputados eleitos, tivemos quatro negros eleitos. Então, é uma sub-representação gigantesca que, a partir da vitória de Porto Alegre, que no âmbito da representação racial foi uma das mais expressivas do Brasil, criou a possibilidade do Rio Grande do Sul chegar nessa eleição agora com lideranças fortalecidas para assumir a responsabilidade na Assembleia e na Câmara dos Deputados. Na minha opinião, a explicação central tem a ver com isso.
Obviamente, o trabalho que nós fizemos foi muito qualificado também, creio que a gente demonstrou que a questão do combate ao racismo é uma pauta universal e que é possível fazê-la como um elemento que vá para além, inclusive, do segmento da população que se auto declara negra. São temas que dizem respeito ao conjunto da sociedade. As ações concretas que a gente foi desenvolvendo na realidade fizeram com que o nosso apoio crescesse nesse período, isso aconteceu comigo e aconteceu com o conjunto das vereadoras. Acho que é o início de uma nova tradição política que a gente vê se desenvolver agora no Rio Grande do Sul.
Matheus, tu fizestes muitos votos em Porto Alegre, mas também foi muito bem votado no interior. Como tu avalias esse resultado fora do teu reduto eleitoral?
Olha, foi uma surpresa positiva a gente iniciar campanha com militantes fazendo a divulgação das nossas ideias, organizando grupos de apoiadores em mais de 60 cidades, em todas as regiões do Rio Grande do Sul. Nós começamos já nesse patamar e isso foi o produto da representação que o nosso mandato gerou para além de Porto Alegre. Muitas pessoas queriam ver o tipo de atuação que nós desenvolvemos na sua cidade. O legal que não estou falando aqui apenas de pessoas negras, mas de pessoas de diferentes etnias. Inclusive, a gente teve a honra de ter o apoio de várias lideranças indígenas do Rio Grande do Sul. Então, foi uma movimentação muito ampla. Ainda não tive acesso ao total de cidades em que nós tivemos votos, mas, em muitos municípios que a gente não conseguiu estar presencialmente, nós chegamos com uma votação expressiva.
Acho que o uso das redes sociais foi um elemento importantíssimo. Nós tivemos uma campanha muito focada no trabalho com as redes sociais e na mobilização a partir desse instrumento. E a gente foi bem recebido em todos os lugares em que nós fomos. Havia um receio de enfrentar algumas situações, enfim, de agressividade em alguns lugares do interior que são tidos com mais conservadores, mas nós realmente fomos bem recebidos nesses espaço. Também é óbvio que fico muito honrado de ter sido o candidato mais votado em Porto Alegre, isso é uma legitimação do trabalho que a gente desenvolveu em 21 meses de mandato e uma responsabilidade muito grande também.
Essa foi a primeira vez que tu e a Karen, para ficar só no teu partido, tiveram recursos para fazer uma campanha forte. Senão de igual para igual com os maiores arrecadadores, mas em um nível competitivo. Tu achas que o resultado eleitoral é um sinal para que os partidos levem mais a sério candidaturas negras, não só as de vocês, mas também novas candidaturas, a partir de agora?
Com certeza. Foi uma vitória do movimento negro brasileiro a garantia de cotas na distribuição do fundo partidário e eu só tive o apoio financeiro do partido, no alcance que eu tive, por causa deste elemento, a obrigatoriedade de distribuir no mínimo 30% dos recursos para as candidaturas negras. Isso fez toda a diferença. Existem vários estudos no Brasil que mostram como, desde a democratização, candidatos negros não avançaram e um dos elementos centrais foi o tema dos recursos para fazer uma campanha. Uma campanha custa caro.
Eu acho que é um debate a se fazer, nós do PSOL votamos contra o fundo partidário no valor que ele foi estruturado nesse ano, acho que não tem necessidade de tanto bilhões de reais investidos nisso, poderia ser menos, também poderia ser mais equilibrada a divisão entre os partidos. No entanto, a partir da realidade que estava colocada em 2022, a garantia que nós tivemos ela foi produto dessa conquista do movimento negro. Esse elemento é central, foi uma luta coletiva para que a gente pudesse chegar nesse ponto.
Eu não acho que, olhando para a estrutura partidária que nós temos, ao menos no Rio Grande do Sul, da esquerda como um todo, eu não posso te afirmar que houve um movimento consciente das direções partidárias para que nós chegássemos até uma bancada negra. Não foi essa a realidade. Nós ainda estamos num campo de bastante auto-organização das candidaturas negras para que a gente chegue no lugar em que a gente chegou. Mas com base nesses avanços que nós tivemos, um dos temas é a questão de recurso. Eu localizo nesse patamar e sua importância é muito grande no tipo de disputa que está colocada hoje.
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‘É o início de uma nova tradição política’. Entrevista com Matheus Gomes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU