05 Outubro 2022
O consultor e analista de redes sociais gaúcho avalia as diferenças nas campanhas digitais de 2018 para 2022.
A entrevista é de Katia Marko, publicada por Brasil de Fato, 04-10-2022.
As redes sociais seguem cada vez mais no centro das estratégias eleitorais. E o fenômeno das fake news continuam presentes e muito usadas esse ano. Essa é a avaliação do analista de redes sociais, Lúcio Uberdan. Segundo ele, as principais trazem abordagens de cunho religioso, assim como a situação dos processos de Lula, o combate ao “comunismo” e todo um grande leque de questões morais, com temas como aborto, relações homoafetivas e família.
“É importante entendermos que no mínimo ⅓ do eleitorado de Bolsonaro é neopentecostal. É uma concentração enorme e também uma dependência enorme de um ator político com um único grupo social e os valores impostos internamente, muitas vezes deturpados por líderes inescrupulosos”, destaca.
Qual tua avaliação do uso das redes das campanhas de Lula e Bolsonaro?
Uma questão inicial importante é reconhecer que as campanhas de Lula e Bolsonaro colocaram a internet, em especial as redes sociais, no centro da estratégia eleitoral. Imagino que muito pela constatação da diminuição da importância da propaganda política na TV e também pela crescente invisibilidade de rua com as novas regras eleitorais.
Dito isso e reconhecendo o destaque estratégico da campanha digital, minha avaliação é que as campanhas de Lula e Bolsonaro desenvolvem, cada um do seu jeito, uma comunicação digital muito tradicional, focada prioritariamente no conteúdo, na maioria das vezes básico. Isso não quer dizer que não sejam efetivas em relação a alcance e projeção de marca, objetivos iniciais de uma campanha online, mas não vejo o uso das redes sociais pelas campanhas oficiais dos líderes com inovação a ponto de superar o que já foi feito em campanhas anteriores, em especial as de 2010, 2014 e 2018.
Quais as diferenças básicas no uso das redes da campanha de 2022 para a de 2018?
Existem muitas diferenças nas campanhas digitais de 2018 para 2022. Poderia enumerar mais de uma dezena de questões, mas acho que tem umas quatro que são as centrais:
1) O posicionamento mais efetivo da Justiça e das plataformas em relação à produção e propagação de informações falsas, que começou com a perseguição de Youtubers bolsonaristas e ameaça de banimento do Telegram. Esse posicionamento mostrou que a desinformação ia ter consequências nessa eleição;
2) O uso “massivo” do impulsionamento por parte das candidaturas. Se em 2020 o uso da tática foi muito pontual, em 2022 ela alcançou boa parte das candidaturas majoritárias e proporcionais. Na última vez que consultei, o montante passava de R$ 250 milhões entre os candidatos e com casos curiosos para além dos candidatos, como o Brasil Paralelo aparecendo como o maior anunciante depois das próprias plataformas, gastando mais de R$ 3 milhões;
3) O papel dos influencers “não políticos”. Esses atores já foram presentes em outras eleições, mas não na diversidade, disposição e conexão com a campanha oficial como em 2022. Anitta talvez seja o exemplo mais citado, mas a lista é longa, da música, atores de TV até streamers. Os influenciadores assumiram um papel de destaque em muitas campanhas. Na de Lula parece que se tornaram inclusive a principal tática;
4) A perda de força do Facebook e o crescimento exponencial do papel do Instagram, em especial com uso do Stories e do Reels. Se na campanha presidencial passada ainda estávamos muito Facebook e preocupados com o WhatsApp, nesta o Instagram foi o grande protagonista a meu ver. Lula, por exemplo, acumulou no Instagram o dobro do engajamento do Facebook e Twitter somados.
O bolsonarismo cria uma realidade paralela nas redes? Podemos dizer que existe uma campanha oficial e outra no submundo das redes sociais?
Não acredito que exista uma realidade paralela nas redes, acho que existe uma campanha apenas, assim como não existe uma campanha digital e uma campanha na rua totalmente desassociada. O bolsonarismo é uma organização política formada em sua grande maioria por pessoas não nativas digitais, mas a sua organização política é nativa digital.
A espinha dorsal do seu ativismo não é orientada por um partido ou organizado em um movimento social hierarquizado, mas em uma miríade diversa e complexa de grupos digitais e chats. Essa gênese sem dúvida produz uma forma de fazer política diferente, em muitos casos problemática, mas não desconectada da campanha pública de Bolsonaro no Twitter ou no cercadinho. Ali se vê claramente uma campanha muito similar, com leve adequações.
Nessa rede de fake news, a "mamadeira de piroca" este ano foi que o Lula vai fechar igrejas?
As fake news seguem presentes e muito usadas esse ano, sem dúvida. Entre elas, abordagens de cunho religioso são as principais, assim como a situação dos processos de Lula, o combate ao “comunismo” e todo um grande leque de questões morais, com temas como aborto, relações homoafetivas e família. É importante entendermos que no mínimo ⅓ do eleitorado de Bolsonaro é neopentecostal. É uma concentração enorme e também uma dependência enorme de um ator político com um único grupo social e os valores impostos internamente, muitas vezes deturpados por líderes inescrupulosos.
Apesar da falta de uma gestão de crise mais técnica nas instituições políticas de esquerda, acredito que o impacto das fakes news em 2022 é menor que em 2018. A ação mais ativa da Justiça e das plataformas, o clima maior de olhar para o futuro pós uma dramática pandemia e o próprio cidadão que já começa a entender a existência da desinformação proposital, diminuiu muito o efeito dessa tática.
O que deu errado com as pesquisas? Por que não enxergamos o crescimento de Onyx e Mourão no RS?
Apesar de não ser minha área, acho que esse é um tema complexo que atinge em cheio os institutos, lança dúvidas sobre a metodologia, mas também a forma de divulgação das pesquisas e a legislação. Talvez a questão seja mais dramática do que se pensa e, no fundo, a média dos institutos pode ter acertado mais do que se imagina.
Explico: se por um lado os institutos deveriam vir a público de forma mais cotidiana, explicando seus processos, métodos e ajustes, por outro, os meios de comunicação, os grandes compradores desse tipo de pesquisa, deveriam rever sua forma de divulgação, com foco nos votos válidos e abordagem de “previsão” do resultado eleitoral futuro. É como se apagassem a ideia de que existem votos incertos e deslocamento do voto até o último minuto. A legislação também deveria se debruçar novamente sobre esse tema, revendo o papel da divulgação de pesquisas, em especial na véspera de um pleito.
Além disso, outra questão a se pensar, é que o grau de negação em responder uma pesquisa por parte de um grupo político pode ser maior que se imagina. Pesquisas medem o que é respondido, se um grupo se nega a responder em grande escala, o resultado pode surpreender.
Na tua opinião, qual será a melhor estratégia de redes neste segundo turno?
É muito difícil dizer sem acompanhar por dentro as ações que estão sendo feitas e os objetivos definidos. É possível eu citar algo e isso já está sendo feito e apenas não chegar até o meu feed, chat ou caixa de e-mail, ou, até mesmo, ter sido desconsiderado por algum motivo. Ainda assim, parece que a campanha de Bolsonaro se concentra muito no marketing de comunidades e de Lula no marketing de influenciadores digitais, secundarizando dezenas de outras táticas de marketing político digital que são muito efetivas também.
Mas respondendo à pergunta, acho que a busca por uma maior efetividade nesse segundo turno, em especial para campanha Lula, sem deixar de fazer o que já está em curso, passa por: a) dar maior prioridade para o Instagram, plataforma que entrega o maior alcance e engajamento; b) qualificar o conteúdo da interface oficial ao máximo, com base nas melhores práticas de cada plataforma, com objetividade visual na mensagem; c) apostar mais no formato vídeo, de forma mais espontânea, humanizada e informal. Usar Reels e TikTok, respeitar as melhores práticas daquele formato; d) cruzar o mapa eleitoral (georreferenciado) com uma campanha de impulsionamento de conteúdo geolocalizado; e) desverticalizar os grupos digitais criados, em especial no Telegram e WhatsApp, e avançar em relacionamento e chamadas de ação; f) mapear e avançar no diálogo com micro influenciadores e ativistas com redes sociais locais em áreas de maior interesse.
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“Cunho religioso domina as abordagens das fake news nesta eleição”, destaca Lúcio Uberdan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU