Desde o último domingo, a Unidade de Conservação está queimando, destruindo árvores e matando animais. Fumaça já se aproxima de comunidades ribeirinhas.
A reportagem é de Wérica Lima, publicada por Amazônia Real, 28-09-2022.
Um incêndio de grandes proporções atinge desde o último domingo (25) as florestas do Parque Nacional do Jaú, uma das maiores e mais antigas Unidades de Conservação do país, localizado no norte do Amazonas. Até o momento, uma área equivalente a 20 campos de futebol já queimou, segundo Heitor Pinheiro, da organização Fundação Vitória Amazônica, com sede em Manaus.
Nesta terça-feira (27), uma funcionária do núcleo de gestão integrada do ICMBio, com sede no município de Novo Airão, fez um apelo a organizações parceiras que atuam na Amazônia pedindo uma embarcação tipo recreio para dar apoio aos brigadistas que prestam serviço para o órgão federal para uma área de difícil acesso. “Estamos com uma emergência ambiental e convoco os parceiros para nos socorrer”, disse ela, em mensagem em grupos de rede social.
Nesta quarta-feira, a FVA cedeu um barco tipo recreio para ajudar o ICMBio no acesso às áreas mais difíceis do Parna Jaú. Até então, o combate ao incêndio estava sendo feito por cerca de 30 pessoas da brigada. Eles percorriam, de voadeira, 40 quilômetros da base do ICMBio, na foz do rio Jaú, até o local do incêndio, numa viagem que leva quase duas horas.
A assessoria de imprensa do Bombeiros do Amazonas informou que na segunda-feira o órgão foi acionado para também dar apoio aos brigadistas e enviou mão de obra e equipamentos mínimos e necessários.
Fabiano Silva, diretor da FVA, afirmou à Amazônia Real que a fumaça já chegou à comunidade mais próxima, Seringalzinho, onde vivem famílias ribeirinhas, mas que o fogo ainda está longe para afirmar se ameaça chegar até as comunidades que se localizam dentro do Parna. Ele lembrou que a área incendiada é a mesma que, no final de 2015, também foi atingida por um incêndio de grande proporção e que só cessou com água da chuva.
Segundo Silva, a embarcação solicitada emergencialmente pelo núcleo do ICMBio foi providenciada nesta quarta. Ela deverá ficar próxima da área atingida disponível por sete dias. Também serão providenciados alimentação, bombas de água, mangueiras, equipamentos de combate, de proteção individual (EPI’s) e imagens de alta resolução para ajudar as equipes em campo.
Os equipamentos fazem parte de uma parceria entre a FVA e o Serviço Florestal dos Estados Unidos, que desde 2021 financia um programa chamado Manejo Florestal e Prevenção de Fogo no Brasil.
“É na mesma área, onde já há bastante combustível, como madeira seca, folhas que já haviam sido queimadas antes”, frisa Heitor Pinheiro. “Se tivéssemos um helicóptero de combate esse fogo já teria terminado”.
Ele alertou ainda que, sem apoio rápido e eficaz da parte governamental, não se tem previsão de quanto mais será queimado da floresta na região. “Indico que se não chover [o fogo] está fora do controle. São poucas equipes, têm a seca e temperaturas altas”, alega.
A Amazônia Real procurou a assessoria de comunicação do ICMBio e do Ibama, em Brasília, para saber a causa do incêndio, como os órgãos estão combatendo o fogo e por que não havia embarcação suficiente para o deslocamento dos brigadistas, mas não teve respostas.
Desde 2020, com a eliminação de seis das 11 coordenações regionais do ICMBio feita pelo Presidente Jair Bolsonaro (PL), incluindo a coordenação que existia em Manaus, os Núcleos de Gestão Integrada (NGI’s) do Norte passaram a ser vinculadas à coordenação de Belém (PA). Em 2022, o atual presidente também vetou cerca de 25, 8 milhões destinados à gestão do uso sustentável da biodiversidade e recuperação ambiental e de prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias.
“São 42 Anos de Parna Jaú comemorados com incêndio a cinco dias das eleições. Um reflexo do desgoverno Bolsonaro”, ressalta Heitor Pinheiro.
Área do incêndio que atingiu o Parque Nacional (Parna) do Jaú entre 2015 e 2016 (Foto: Reprodução | Carlos Durigan)
Fabiano Silva explica que o fogo no Parna Jaú aumentou muito rápido e a perspectiva é de piora em função do vento e do nível muito baixo de umidade na região.
“A estratégia de ataque e de combate ao incêndio tem que ser muito rápida, porque senão o fogo cresce muito rápido também de escala e o combate fica cada vez mais difícil. Essa capacidade de resposta emergencial é super fundamental para esse tipo de intervenção”, disse Silva.
Ele ressalta que o governo deveria estar preparado para atuar diante dos cenários e eventos extremos acontecendo na Amazônia, que sem recursos, estão submetendo os brigadistas a riscos.
“É um tanto cruel expor brigadistas, sejam públicos ou comunitários, a incêndios que podem ter 30, 40 metros de altitude, fogo de copa de árvore, fogo aéreo, fogo subterrâneo. É uma diversidade muito grande, um risco muito grande nessa atividade”, afirma.
Silva disse que, no incêndio do final de 2015 e início de 2016, acreditava-se o fogo se espalhou de forma acidental, durante preparo de alimento na mata. Ainda não se sabe a causa do atual incêndio, mas especula-se que tenha sido por motivo semelhante.
“Não se tem claro a origem desse incêndio e como que ele iniciou. Dificilmente se trata de um evento natural como um raio, por exemplo. Muito provavelmente foi um fogo causado ali de alguma maneira por ação humana. Isso é uma especulação, a gente não tem ainda nenhum tipo de indício sobre a origem do fogo então vale toda cautela na atribuição de responsabilidades”, explica.
Um fator contribuinte, além da estiagem (período seco que vai de junho a novembro na Amazônia), acredita-se também que pode ser a quantidade de matéria orgânica deixada pelo incêndio anterior na região.
Uma das preocupações de Fabiano Silva, pauta-se no rápido tempo em que o fogo consome a floresta, comparado ao período que pode levar para recuperar a área.
“Com um incêndio dessa magnitude, que ainda está sendo avaliado e o seu impacto ainda está em curso. Se tem aí um prejuízo grande para a biodiversidade local justamente uma vez que se dá em área tão sensível e numa fitofisionomia [vegetação] tão sensível de Floresta especificamente nessa área […] Essas áreas são de lentíssima recuperação levando décadas para sua regeneração natural, e a gente ainda tem também poucas tecnologias de recuperação florestal nesse contexto”, explica.
“Mas enquanto a gente não tiver de fato uma estrutura pública que atenda de forma adequada essas ações da emergenciais nesse tipo de incêndios florestais, a gente vai estar sempre obviamente dependendo de chuva e de sorte para conseguir conter essas ameaças do Jaú”, conta Fabiano.
Flagrante do incêndio em 27 de setembo, no Parna do Jaú, no Amazonas (Foto: Reprodução | Redes sociais)
O geógrafo e ambientalista Carlos Durigan, que já foi presidente da FVA, diz que as dificuldades na gestão das áreas protegidas sempre foram grandes na Amazônia devido ao número reduzido de técnicos, dificuldades logísticas e orçamentárias. Porém, havia a promoção de concursos públicos e novos investimentos, como o estabelecimento do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e a própria criação do ICMBio que aconteceu em 2007. Essa realidade acabou com o enfraquecimento das estruturas dos órgãos ambientais nos últimos anos, sobretudo no governo Bolsonaro.
“O desafio sempre foi enorme, mas havia um processo de fortalecimento em curso. Infelizmente nos últimos anos vimos uma fragilização desta estrutura, dificultando ainda mais o duro trabalho empreendido pelos técnicos nestas áreas”, explica.
Atualmente, um contrato do ARPA, que dá apoio e é direcionado à captação a destinação de recursos financeiros para a gestão das UCs na Amazônia, leva de 30 a 40 dias para ser aprovado, tempo que as equipes do Núcleo de Novo Airão não teriam diante do incêndio que atinge o Parna Jaú.
“Um ponto central em relação a esse desmonte ambiental é que a gente basicamente parou de avançar na implementação de uma diversidade de unidades de conservação e o órgão tem cada vez mais dificuldade de ter presença no território, de trabalhar de forma adequada nas UC’s, e isso fica mais evidente nesses momentos de crise […] toda a capacidade do órgão vem sendo prejudicada nessa atual gestão”, frisa Fabiano Silva.
Parque Nacional (Parna) do Jaú (Foto: Reprodução | Carlos Durigan)
O Parque Nacional do Jaú destaca-se por abranger quase em totalidade a bacia de um rio de água preta e ter cerca de 2,3 milhões de hectares. Sendo uma das maiores Unidades de Conservação (UC’s) do Brasil, não possui a presença de garimpeiros e madeireiros e é conservada por comunidades que vivem e dependem da floresta.
“É uma área de extrema importância tanto do ponto de vista ambiental quanto do ponto de vista sócio-cultural, visto que é habitado por comunidades multiétnicas e ainda tem parte de sua área sobreposta com um território quilombola”, explica Carlos Durigan.
Conforme o ambientalista, o aumento de eventos climáticos mais intensos está ocasionando momentos trágicos de queimadas que podem ser causadas acidentalmente e merecem ter a atenção do poder público.
“É importante haver uma mobilização em torno desta questão, promovendo o uso controlado do fogo e ainda estruturar a gestão do Parque para que tenha capacidade de enfrentamento de situações como esta, que demandam forte mobilização de brigadistas e comunitários para combater incêndios quando acontecem”, conclui.