Jonas: profecia inacabada. Artigo de Roberto Mela

Jonas e a baleia | Foto: Flickr

15 Setembro 2022

 

No livro de Jonas, YHWH aparece não apenas como o Deus de Israel, mas também como o Criador de toda realidade viva (Jn 1,9), incluindo os ninivitas e seus animais. Deus oferece um pactum unionis a toda a humanidade.

 

O comentário é de Roberto Mela, padre dehoniano italiano, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 05-09-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

O livreto de Jonas pode ser lido como uma parábola que torna universais as situações, mas também como um texto escrito com um gênero literário muito próximo da história. O leitor se sente arrastado por críticos e detratores, mas depois descobre, a contragosto, que ele mesmo não está isento de culpa e não pode escapar da imprevisibilidade de uma certa narrativa cáustica.

 

O texto se situa no ambiente pós-exílico, no qual Israel se encontra vivendo um contexto sociocultural posto entre o universalismo (cf. o livro de Rute) e a xenofobia (cf. o livro de Esdras e Neemias, que exigem a dissolução dos matrimônios já contraídos por um judeu com um estrangeiro).

 

Em nível de gênero literário, o livro se situa entre a história e a ficção. O livro de Jonas não é uma biografia, mas uma ficção histórica, cuja mensagem não poderia sequer ser oferecida por uma história verdadeira. Há quem fale de midrash, de tragédia, de comédia, de parábola parodístico-satírica.

 

O elemento estruturante, porém, não é um herói ou um personagem épico, nem mesmo um lugar, mas um “acontecimento”, o da palavra que o Senhor confia a um profeta. A história narra os desdobramentos desse evento único. A pergunta central é esta: como acabará o encontro entre Jonas e seu Deus?

 

O autor do comentário (“Giona. La profezia incompiuta” [Jonas. A profecia inacabada]) foi professor de Filosofia e História nos colégios estaduais italianos, passou alguns anos em Israel para depois se especializar em Filologia Bíblica na Universidade de Florença. Como presbítero, exerce seu ministério pastoral na Diocese de Pistoia.

 

Após uma rica introdução (pp. 7-24), Vincenzo Moro divide seu trabalho em duas partes.

 

A primeira parte (pp. 25-78) é dedicada à análise do texto de Gn 1-4. A linguagem do estudioso é acessível e envolvente, atenta às nuances que o hebraico original pode sugerir. Segundo Moro, os quatro capítulos do livreto estão dispostos com um esquema específico de retomada/repetição de temas (ABA’B’).

 

 

MORO, Vincenzo. Giona. La profezia incompiuta. Prefácio de Luca Mazzinghi (Biblica). Bolonha: EDB, 2022, 152 páginas 

Foto: reprodução

 

O profeta em fuga

 

O capítulo 1 apresenta o profeta em fuga. Ao mandato imperioso de YHWH para ir a Nínive, a grande cidade, e proclamar contra ela que sua maldade subiu até YHWH, Jonas foge na direção oposta, rumo à distante Társis, embarcando em um grande navio e mergulhando no sono em suas profundezas mais obscuras.

 

O “complexo de Jonas” está na recusa da própria vocação, assim como as recusas e as hesitações que afetaram Moisés, Samuel, Jeremias etc.

 

Os versículos 4-16 descrevem o mar tempestuoso e a conversão dos marinheiros a YHWH. O capítulo 2 contém a oração de Jonas no ventre do peixe e a compaixão de YHWH pelo seu profeta. O capítulo 3 retoma o capítulo 1, relatando o novo comando de YHWH e a obediência de Jonas (vv. 1-4).

 

Os versículos 5-10 relatam a pregação de Jonas na metrópole inimiga e a conversão dos ninivitas, começando pelo rei até chegar aos animais. O capítulo 4 retoma o capítulo 2, narrando a compaixão de YHWH por Nínive e o fato de o profeta polemizar duramente com Deus pela salvação da cidade.

 

O livro de Jonas diz respeito à relação entre a justiça de Deus e sua misericórdia. É sempre justo quando YHWH age com misericórdia? “O problema levantado por Jonas é o mesmo de Jó: em um mundo onde ‘não há justiça’, a própria vida é ‘sem sentido’. Reconhecer que Deus não está ligado a nenhuma aliança nem mesmo às regras que ele mesmo estabeleceu, para o profeta […], é insuportável”, observa Moro (p. 17).

 

Mais do que um chamado/vocação, o que cabe a Jonas é uma “provocação”. Será preciso esperar Jn 4,2 para saber que o profeta foge “não porque teme a maldade de Nínive, mas porque teme a bondade de YHWH, ou seja, que os inimigos históricos de Israel se convertam e sejam perdoados” (p. 28).

 

Jonas deve anunciar “uma palavra eficaz que põe em movimento a história, mas que deve sempre fazer as contas com a liberdade do ser humano” (ibid.).

 

Jonas aparece como um “antiprofeta”, que, em vez de falar face a face com Deus, procura afastar-se da sua própria presença. Somente Jn 4,2 é que revelará o motivo do seu comportamento, criando um clima de expectativa no leitor.

 

Na tempestade repentina, ocorre um diálogo entre Jonas e os marinheiros. O capitão do navio convida Jonas a assumir suas responsabilidades (vv. 4-6), e o diálogo com os marinheiros (vv. 7-12) provoca Jonas a revelar sua identidade religiosa e sua tarefa, e o incita a se oferecer como vítima que possa aplacar a tempestade que se desencadeou sobre/contra eles (jogo de significado da proposição ‘al em hebraico).

 

Os pagãos invocam o Senhor para que sua ação de jogar Jonas ao mar não derrame sangue inocente sobre eles. Depois de jogar Jonas no mar, eles temem ao Senhor, oferecem-lhe um sacrifício e fazem votos. Os pagãos, chamados simplesmente de “homens”, reconhecem o Deus de Israel.

 

O ápice do capítulo está no fato de que o profeta rebelde se torna instrumento, até mesmo sem saber, da conversão de pessoas estrangeiras.

 

No ventre do peixe

 

O Senhor faz com que um grande peixe, não mais bem especificado, engula Jonas e, depois de uma palavra sua dirigida a ele, regurgita o profeta na praia (vv. 1-2,11). A providência de YHWH salva seu profeta.

 

O gênero do peixe em hebraico é feminino e, portanto, sua regurgitação do profeta na praia, de fato, se apresenta como o ato de pari-lo, de gerá-lo para uma vida nova. Um renascimento.

 

O ventre do peixe, aparentemente, é apenas um lugar de morte, mas, contra todo preconceito, acaba se revelando como um grande espaço de retorno à vida. Uma bela antecipação do mistério pascal vivido por Jesus.

 

Os versículos 3-10 relatam uma longa oração de Jonas, um lamento que termina com um canto de ação de graças.

 

Em um primeiro momento, faz-se referência ao perigo passado, com uma súplica que expressa total prostração. O ventre do peixe se assemelha ao ventre do sheol, o lugar dos mortos, da distância radical de Deus.

 

Após o lamento, segue-se o segundo sentimento, o da ação de graças pela libertação ocorrida. O agradecimento é expressado pelo desejo, uma vez salvo, de voltar a oferecer sacrifícios ao Deus vivo e de elevar um hino de louvor a ele. O profeta experimenta a salvação como uma subida da fossa.

 

Para Jonas, a libertação coincide com um processo de transformação interior. Ele começa a vislumbrar os acontecimentos de sua vida em uma ótica nova e a captar uma luz inesperada precisamente na escuridão que o dilacerava. O fraseado reflete o do paralelismo típico dos salmos. “A salvação vem do Senhor!” (v. 10b). É a verdade que iluminará todo o restante da história.

 

Salvação somente para Jonas? Ou também para os ninivitas, como já havia sido para os marinheiros? Jonas “experimenta assim a grande compaixão divina de forma imerecida”, comenta Moro. “Nessa oração sálmica, ressoa o canto dos israelitas salvos do Egito (Ex 15,1-2.5.8.10.13); como eles, o profeta também se encontra milagrosamente em terra firme, finalmente livre. A misericórdia do Senhor é a força que eleva de todo naufrágio” (p. 50).

 

Jonas agora parece muito humano, com um rosto novo e uma fé redescoberta. No entanto, as crises não terminaram, nem mesmo o grito desesperado dirigido ao seu Deus, que ainda lhe parecerá um “estranho” e que, até o fim, ele não conseguirá compreender (cf. ibid.).

 

A conversão da cidade malvada

 

Deus não quer deixar Jonas vítima da fraqueza de seu coração, mas se encarrega de educá-lo com paciência ao amor universal.

 

O capítulo 3 do livro contém duas cenas: a repetição do mandato de YHWH para a missão, com a imediata resposta afirmativa de Jonas (vv. 1-4). Os versículos 5-10, por sua vez, narram a reação positiva dos ninivitas à pregação do profeta e o “arrependimento” de Deus diante do novo comportamento dos habitantes da cidade.

 

O segundo chamado exige que Jonas proclame para (‘el) – não sobre/contra (‘al) – a cidade aquilo que YHWH dirá. O tom parece ser menos ameaçador e poderia revelar que o fim último da acusação é a reconciliação.

 

Em um paralelismo antitético com o capítulo 1, Jonas se levanta e se dirige para a grande cidade (cuja grandeza, simbolicamente, é de três dias de caminho) e prega ali por um dia, anunciando que ela será derrubada/destruída (verbo hpk) desde os fundamentos. Porém, Jonas se tornará instrumento de salvação para seus habitantes, deslocando o leitor.

 

Nínive era conhecida como “a cidade dos sangues”, “a cidade sanguinária” (Na 3,1). A capital é grande, mas, para Moro, “Nínive é grande para Deus, isto é, ‘grande aos seus olhos’, estimada e preciosa para ele. Esse é o motivo pelo qual YHWH cuida do destino de seus habitantes” (p. 55).

 

Jonas dá um ultimato: “Mais quarenta dias, e Nínive será destruída”. Ele não faz referência às culpas ou à possibilidade de perdão. Ele fez uma síntese do que ouviu de Deus, mas, mesmo assim, há um tempo de esperança de Deus, da sua paciência para com os pecadores em vista da sua conversão.

 

“A ‘cidade da maldade e da violência’ será ‘invertida’ na cidade da humildade e da justiça precisamente graças às palavras de Jonas, mesmo que ditas sem paixão, mas eficazes, apesar dele mesmo, como instrumento da poderosa ‘Palavra de YHWH’” (p. 56). O verbo hpk indica tanto a destruição quanto a inversão.

 

Os versículos 5-10 narram como Nínive se torna uma cidade “invertida” e o fato de Deus “se arrepender” dos seus maus propósitos.

 

Com grande velocidade, a mensagem de Jonas penetra no coração das pessoas e até do rei, que ordena sinais de penitência e de jejum que envolvem até mesmo os animais. Do menor ao maior, os homens e as mulheres de Nínive se convertem a Elohim, proclamam um jejum e se vestem de saco. Eles creem em Elohim.

 

Enfatiza-se que a humanidade (como os marinheiros) e o ser humano é sempre um sujeito frágil e miserável, sempre um objeto da misericórdia divina.

 

Elohim é a designação de uma divindade genérica. Os ninivitas intuem nos 40 dias a possibilidade de salvação, embora estivessem acostumados a seus deuses de vontade inflexível, como as divindades das tragédias gregas.

 

A conversão requer o rito, mas também a perseverança. De fato, Jonas não parece convencido da autenticidade da conversão e se retira para fora da cidade para ver o desenrolar dos acontecimentos. Jer 13,23 diz: “Pode talvez o leopardo mudar de pele?”. Jonas parece compartilhar essa ideia, mas, embora contra a sua vontade, o profeta estende a todos os povos, e até a Nínive, a possibilidade de uma conversão. Uma grande novidade.

 

Os habitantes mudam de identidade (vestem-se de saco), e o rei também renuncia à sua dignidade real (desce do trono, veste-se de saco, senta-se sobre as cinzas).

 

O rei emana uma espécie de decreto profético: exige três renúncias, envolve pessoas e animais em um destino comum, convida urgentemente a invocar a Deus com todas as forças, a se converter da maldade e a abandonar toda forma de violência.

 

A oração não serve para mudar o propósito de Deus, mas para fazer mudar o coração da pessoa que reza.

 

O rei se confia à clemência de Deus, sabendo que o perdão não é uma consequência automática do agir humano, mas o fruto livre da misericórdia divina. “Ele reconhece a suma liberdade de YHWH e sabe que não pode fazer nada além de esperar” (p. 62).

 

A conversão dos ninivitas envolve o afastamento da perversão, da imoralidade e da violência “que está em suas mãos”, o que alude à vida política opressiva de Nínive, que marcou profundamente a memória de Israel.

 

O rei espera que YHWH se arrependa e tenha misericórdia. O arrependimento de Deus do mal ameaçado é a manifestação de sua misericórdia. Moro lembra que YHWH não é um Deus “bonzinho”; às vezes, ele fica muito furioso.

 

A linguagem metafórica indica sua não conivência com o mal e seu compromisso de combatê-lo, como juiz justo, sempre inclinado do lado das vítimas (cf. p. 63). A metáfora da ira sempre se une à paciência misericordiosa de Deus (expressada com o “quem sabe?” do rei).

 

O Deus bíblico não é a projeção dos desejos humanos e é sempre livre, a ponto de mudar de ideia, de se arrepender, de se converter. O leitor se depara com o agir misterioso de YHWH. Deus vê as ações concretas dos ninivitas que se afastam de sua maldade e se arrependem do mal planejado.

 

O juízo do Senhor é o de um justo juiz que pune para que o malvado se conscientize de seu mal e se afaste dele.

 

Vem à tona o tema principal do livro. Qual é o verdadeiro rosto de YHWH? Um Senhor de pura justiça ou um Deus de misericórdia? Moro anota: “O fato de o livro de Jonas ser estruturado segundo a lógica punitiva dos Pais é apenas um fato aparente. Na realidade, a misericórdia divina é apresentada como aquilo que põe em movimento o próprio processo de conversão da cidade. Mediante a lição do perdão aos pagãos de Nínive, Israel terá que se conscientizar de que o povo eleito também vive do mesmo amor. Em um mundo onde existisse apenas a justiça retributiva, não haveria espaço sequer para Israel. YHWH muda de misericórdia em misericórdia, e a própria punição assume um sentido pedagógico, providencial. Será justamente o perdão concedido à cidade inimiga que fará desencadear a cólera de Jonas” (p. 64).

 

A compaixão de Deus e a ira de Jonas

 

O capítulo 4 conclui a parábola. O mal dos ninivitas se encontra agora no coração de Jonas. Um mal-estar insuportável. Agora, descobre-se que Jonas havia fugido para Társis porque conhecia profundamente o coração misericordioso e piedoso de YHWH, lento para a ira e grande no amor. E estava preocupado que YHWH contradissesse sua decisão de punir Nínive e, assim, caísse em contradição com ele mesmo. Agora fica claro que Jonas havia tomado a direção oposta à que lhe foi indicada por YHWH porque se recusava a ser o mediador de sua misericórdia.

 

Quando acusa, Deus o faz unicamente para salvar tanto a Israel quanto aos seus inimigos, porque são todos filhos seus, escreve Moro. E, para Jonas, a identidade divina não era uma surpresa. Jonas conhecia seu Senhor, mas esse conhecimento contradiz a falta de reconhecimento por aquilo que ele é e faz.

 

Jonas expressa a experiência fundamental de Israel em relação a YHWH e que está bem expressada em Ex 34,6-7. Naquela teofania, ele se autoproclama “misericordioso e compassivo, lento para a ira e rico em graça e fidelidade”, que se arrepende do mal (Gn 4,2).

 

Jonas se dá conta de que YHWH o desmentiu descaradamente, pondo em jogo sua credibilidade de profeta que anunciava a destruição e entra em uma profunda depressão que o leva a desejar a morte.

 

Jonas deveria compartilhar o ponto de vista de Deus sobre o modo de combater o mal salvando os malvados. Mas essa partilha não é simples e toca a carne. YHWH conhece esse sofrimento, porque o povo é a sua família. A confissão de Jonas se transforma em um ato de acusação.

 

“A morte lhe parece ser o único meio eficaz para apagar a imagem de um Deus misericordioso demais aos seus olhos, que, paradoxalmente, passou para o lado do inimigo. A partir do momento em que Nínive se converteu, agora o problema diz respeito ao próprio Jonas. O Senhor se curvará pacientemente sobre ele, assim como antes havia pensado na ‘grande cidade’” (cf. pp. 68-69). Jonas se converterá?

 

Os versículos 4-9 ilustram a pedagogia de Deus para com o profeta. O irado Jonas se retira da cidade e, por iniciativa própria, constrói um abrigo do sol escaldante, uma cabana de galhos. Ele vai esperar o fim dos 40 dias? A misericórdia excedente de YHWH faz crescer uma mamoneira na cabana, como mais uma oferta de sombra.

 

De manhã, porém, Deus fez secar a mamoneira, e Jonas se irritou até à morte com isso. Deus o interrogou sobre a correção de sua reação, diante do desaparecimento de uma planta que ele havia recebido gratuitamente como dom de Deus, sem nenhum mérito.

 

Deus age com paciência pedagógica, e não tão enérgica como fizera com a tempestade. Deus se mostra compreensivo com a tristeza do profeta. “O que Jonas espera? Que a cidade seja destruída? Ele já sabe que Nínive está salva. Talvez ainda espere que Nínive não tenha se convertido? Ou que voltará a ser a cidade sanguinária, para que Deus a possa destruir, de modo que sua pregação se torne verdade, e o Senhor finalmente decida ser justo? Não nos é dado saber”, escreve Moro (p. 70).

 

Porém, Deus é paciente, não dramatiza, é como uma mãe que, brincando com o próprio filho desobediente, pergunta se ele realmente acha que tem razão ou se convém que reflita um pouco...

 

Os versículos 10-11 relatam o debate final entre YHWH e Jonas. Moro o considera uma espécie de testamento espiritual entregue ao leitor: a compaixão de YHWH é para todas as suas criaturas. O Senhor sabe que o profeta é movido por uma exigência de justiça.

 

Com um raciocínio a fortiori, a minore ad maius, Deus ressalta a diferença abismal entre a compaixão do profeta e a de Deus.

 

Jonas recebeu como dom uma mamoneira que não criou, não fez crescer e não lhe custou nenhum esforço. Se o profeta sente pena de si mesmo, tem compaixão e se irrita até à morte pelo desaparecimento de uma planta, com mais razão o Senhor “tem compaixão” pela grande cidade que ele criou e fez crescer, e cujos habitantes todos ele considera seus filhos assim como Israel.

 

A tristeza pela perda da mamoneira está descrita com uma intensidade igual à perda de um filho – isso provavelmente quer indicar a expressão idiomática e enfática do versículo 10.

 

O Senhor tem compaixão por uma grande cidade, indicada por um número provavelmente simbólico. Poderia ser uma alusão à vida após a morte, indicada na tradição mesopotâmica como “a Grande Cidade”.

 

YHWH também pensa nos animais e se refere aos ninivitas como a crianças desprovidas de razão ou incapazes de distinguir o bem do mal. O Senhor salva os ninivitas não porque eles o mereçam, mas unicamente porque é “um Deus misericordioso e compassivo”.

 

Os ninivitas não sabem distinguir o bem do mal, enquanto Jonas “conhece” seu Senhor e sabe seguir o que é justo e rejeitar o mal, mediante o dom da Torá. No entanto, o profeta opõe resistência ao seu Deus que é verdade misericordiosa (Lv 19,17-18).

 

O conto termina com uma “parábola aberta”, observa Moro, pois falta a resposta para a pergunta final. Cabe ao leitor responder e completar a narração, coletando os dados que surgiram no relato. “O nosso profeta voltará a encontrar a confiança no Senhor? Entenderá que é apenas a misericórdia dele que torna este mundo vivível? Uma compaixão certamente provocadora, em alguns aspectos escandalosa, que nos obriga a pensar de modo novo o rosto de Deus. Em relação a Jonas, não temos nenhuma certeza; só podemos saber qual é a nossa resposta pessoal”, conclui o estudioso.

 

O sinal de Jonas

 

A segunda parte da obra de Moro (pp. 79-134) reflete sobre o sinal de Jonas e sobre como ele foi retomado em outros textos bíblicos do Antigo Testamento e do Novo Testamento.

 

Entre os outros textos do Antigo Testamento, Abdias e Naum se encontram na posição oposta à de Jonas, concordando sobre o tema da inevitabilidade do juízo de condenação sobre Nínive devido à sua violência e à sua maldade.

 

Miqueias oferece uma chave interpretativa para compor as duas linhas aparentemente inconciliáveis: a participação dos povos na salvação de Israel (Mi 4,1-5) e a irrevogável punição dos povos “inimigos”. A perspectiva universalista, tanto da salvação quanto da punição, se refere à unicidade da eleição: bênção e maldição dependem da mediação do Eleito (Mi 5,6-7) como cumprimento da promessa abraâmica (Gn 12,3).

 

Jonas traz sua mensagem específica com a missão aos seus inimigos mediante a acusação salvífica (da parte de Deus). “É o único caso, em toda a história do profetismo, em que a salvação de YHWH está suspensa em relação à pregação do seu profeta”, diz Moro. “O objetivo do Senhor é envolver ‘seu povo’ para que acolha o admirável projeto de Deus e participe da salvação de todos os povos. Somente nesses termos é que Israel prepara a conclusão da ‘colheita’ que verá precisamente seus inimigos históricos participarem da liturgia do Eleito (Zc 14,16)” (p. 96).

 

Nos Evangelhos sinóticos, Jesus cita Jonas duas vezes. Em uma, ele se refere à sua pregação, antecipação daquela levada por ele mesmo a outro nível. Na segunda, ele retoma o fato de ter permanecido três dias e três noites no ventre do peixe, antecipação do mistério pascal, que vê Jesus ficar três dias e três noites no coração da terra, em um mistério de morte e ressurreição. Em ambas as comparações, Jesus afirma estar em um nível muito mais alto do que o de Jonas.

 

Justiça e misericórdia

 

Outras reflexões da segunda parte do livro de Moro concentram-se na questão referente ao fato de Jonas ser uma paródia do verdadeiro profeta, no fato de que Deus também “se converte” e na justiça e misericórdia de Deus como atributos de YHWH.

 

No livro de Jonas, YHWH se manifesta como um Deus já distante daquele previsto pela doutrina dos Pais. Ora, se YHWH muda e se manifesta de uma maneira sempre nova na história, é evidente que seu profeta (pro-fetes) também deve mudar, como portador da Palavra de outrem.

 

As profecias (pelo menos as de destruição e de desventura) são sempre condicionadas, pois, na hierarquia de valores adotada por Deus, elas valem menos do que a menor de suas criaturas.

 

No livro de Jonas, YHWH aparece não apenas como o Deus de Israel, mas também como o Criador de toda realidade viva (1,9), incluindo os ninivitas e seus animais. Deus oferece um pactum unionis a toda a humanidade.

 

Moro relata algumas reflexões sobre a relação entre justiça e misericórdia como atributos de YHWH. Ele lembra Ex 20,5-6; 34,5-7; 32,12; 33,19; Nm 14,17-19 em que Moisés se apresenta como intercessor do povo que apela à bondade/benevolência/fidelidade (ḥesed) de YHWH após a murmuração dos israelitas contra os exploradores.

 

Nessas passagens, menciona-se a “visita” (paqad) punitiva de YHWH a seus filhos e filhas por três ou quatro gerações, e sua misericórdia por mil gerações. O pecado tem consequências intergeracionais, mas a “punição” é sempre desproporcional em relação à misericórdia imensa de Deus.

 

Deuteronômio 13,18 apresenta a retribuição divina sob a forma de juízo e de castigo em relação ao exílio. O Deus do Deuteronômio, assim como o do Êxodo, porém, se manifesta como o Deus do arrependimento, não por capricho, mas por motivos ocultos a Moisés, que pertencem ao Senhor e à sua sabedoria.

 

Deuteronômio 32 mostra as diferentes maneiras de YHWH se comportar para com seu povo e as nações, mas mostra um Deus que se arrependerá diante de seus servos quando vir que toda força se desvaneceu e não restou nem escravo nem livre (cf. Dt 32,36).

 

O profeta Jonas resume seu drama interior retomando as palavras de Ex 34,6, mas não intercede como Moisés e todos os profetas. Jonas imagina YHWH preso ao único aspecto da justiça, não se dando conta de que ele não é mais o Deus vivo, mas um dos muitos ídolos. Então, no fim, se Jonas não mudar, o idólatra é ele, não os ninivitas.

 

Para Moro, surge espontaneamente a pergunta de sempre: será que o profeta será capaz de compreender seu Deus, para ser sua testemunha em relação aos povos inimigos? O leitor se encontra diante de um dilema: deve escolher entre arrancar de Deus a sua ira, como Jonas tenta fazer, ou permanecer à escuta do Senhor, a quem pertence a cólera e a misericórdia, que convida a interceder diante dele para que cesse seu desprezo e para que ele se revele como o clemente e compassivo, paciente, cheio de amor e fiel (Ex 34,6) (cf. p. 112).

 

Por fim, o estudioso nota as presenças do profeta Jonas na literatura judaica antiga e nos escritores eclesiásticos.

 

O autor conclui seu volume com algumas páginas que descrevem a atualidade permanente da parábola constituída pelo livro de Jonas. Olhando para Cristo, para o seu mistério pascal e para as muitas parábolas sobre o Pai por ele contadas, o leitor pode superar toda imagem de justiça divina construída à imagem da humana e chegar a crer no incrível, a amar o não amável e a esperar contra toda esperança.

 

A Bibliografia está reunida nas pp. 135-143 e encerra um texto realmente interessante sobre um livro bíblico que pode desorientar o leitor, mas que, em vez disso, pretende apresentar o rosto subversivo da misericórdia universal e imerecida oferecida por Deus a todos os seus filhos, inclusive “estrangeiros e inimigos”.

 

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