16 Agosto 2022
O poder 2.0 do presidente de extrema-direita o ajudou a chegar ao governo em 2018 e agora ele insiste na mesma receita para as eleições. A diferença é que ele está no cargo há quase quatro anos e sua tropa midiática aumentou.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 15-08-2022.
O Brasil respira um clima sufocante de fake news, censura explícita e operações 2.0. São as armas com as quais o presidente Jair Bolsonaro pretende triunfar na batalha final pelo domínio do espaço virtual. Fala-se muito sobre um possível autogolpe, sobre o papel fundamental das Forças Armadas, sobre o núcleo duro que a extrema direita mantém, mas não tanto sobre a luta pela produção de sentido que o Partido dos Trabalhadores de esquerda (PT) e seus aliados já sofreram nas eleições de 2018. A história se repete agora, mas com o governo mais fortalecido em um campo onde suas milícias informáticas costumam tomar a iniciativa.
Quatro anos no poder permitiram-lhes incorporar mais recursos, poderosos financiadores de notícias favoráveis ao seu projeto de continuidade e meios de comunicação mais amigáveis. Um deles é o caso do Jovem Pan, canal do YouTube que martela 24 horas por dia sobre os supostos méritos do militar que está em seu segundo mandato. O Google foi decisivo para sua consolidação – segundo a revista Piauí – e o que era um conglomerado de rádio em São Paulo se transformou em uma empresa multimídia que se orgulha de ser o segundo sinal de TV do país na internet.
Seu programa estrela, Os pingos nos IS (algo como Os pontos nos i's), já teria ultrapassado cem milhões de visualizações por mês. Jovem Pan não é o que o nome sugere. Ele completou 80 anos em junho passado e Bolsonaro dedicou um vídeo especial a ele porque é "uma empresa que se destaca cada vez mais na luta pela liberdade de expressão". O mesmo que a partir de 9 de setembro de 2021 continuou a repetir as declarações falsas ou distorcidas do presidente, que não são poucas. Segundo a ONG Artigo 19, Bolsonaro divulgou 3.851 até 9 de setembro de 2021, em que a palavra liberdade é cada vez mais repetida pelo presidente e candidato, como se fosse um pregador do liberalismo.
Não é preciso voltar a tempos muito passados para saber como o bolsonarismo interage com a imprensa. Em 12 de julho, Flavio Bolsonaro, senador e filho do presidente, reclamou que a companhia aérea Gol estava distribuindo gratuitamente a revista Veja no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, hoje crítico do chefe de Estado. Ele questionou em um vídeo que foi postado em suas redes a capa que ilustrava os ataques militares ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em nota, a empresa divulgou horas após o término do contrato com a publicação: "A GOL informa que em maio deste ano firmou parceria com a Editora Abril para a distribuição gratuita da Revista Veja, por tempo limitado e em caráter experimental, conforme uma forma de oferecer mais opções de entretenimento aos seus clientes durante o check-in em alguns aeroportos. A associação terminou esta semana. Em nenhum momento a Companhia participou da definição do conteúdo editorial da revista, bem como da escolha das novidades”. Flavio Bolsonaro agradeceu o ato de censurar a carta: "Foi um caso isolado e a GOL tomou as medidas internas que considerou adequadas. Bons voos e vamos!", escreveu.
A ofensiva oficial para que nada escape aos seus milicianos virtuais se intensifica em um momento decisivo a caminho do primeiro turno de 2 de outubro.
Nesta terça-feira, Bolsonaro iniciará sua campanha eleitoral em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde foi esfaqueado em 2018. Uma mistura de contestação das urnas que lhe dão o perdedor no primeiro turno e um provável ato de vitimização na mesma cidade onde tentaram assassiná-lo, o presidente sairá para um passeio de moto com a tropa de motoqueiros que costuma acompanhá-lo no estradas do Brasil.
Esse ataque, há quatro anos, foi causado por Adélio Bispo, um desconhecido que foi declarado incompetente pela Justiça por conta de seus transtornos mentais. Apesar disso, o militar sempre incentivou uma teoria da conspiração: "Não saiu da cabeça dele (por Bispo). Para mim não é difícil resolver o caso. Agora, vai borrifar gente importante", disse em janeiro passado, quando recebeu alta do hospital Vila Nova Star, em São Paulo, devido a uma obstrução intestinal.
Na ânsia de lutar em todas as plataformas possíveis, Bolsonaro também criticou o WhatsApp em abril passado por ter chegado a um acordo com a Justiça brasileira para adiar para depois das eleições um recurso do aplicativo que permitiria a criação de grupos com milhares de participantes. Uma ferramenta que facilitaria para o presidente e seu aparato de comunicação espalhar notícias falsas por todo o Brasil, como aconteceu antes das eleições de 2018.
Chamado de "Comunidade", é um instrumento que não pode ser usado, algo que a extrema direita definiu como "inaceitável, inadmissível e que não será respeitado". Encorajado e contrariado, acrescentou, dirigindo-se ao seu eleitorado: "Ninguém vai tirar os seus direitos, esse acordo é inválido, saberemos como proceder". Os militares mantêm conflito declarado com dois integrantes do TSE, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Bolsonaro não despreza recursos para cumprir seu propósito de reeleição. Agora ele está tentando contratar o advogado e hacker Walter Delgatti, vulgo el Vermelho. Ele é o personagem que ficou famoso por expor conversas particulares da causa Lava Jato que revelaram o arquivo que eles montaram para o ex-presidente Lula sentenciá-lo à prisão, hoje o candidato que está ganhando confortavelmente as investigações eleitorais de 2 de outubro e até por um possível segundo turno.
O ego do presidente atingiu o clímax quando, em 7 de dezembro de 2021, ele foi escolhido pelo voto dos leitores como a Pessoa do Ano da revista Time. A publicação fez sua própria avaliação uma semana depois e o removeu do cargo. Seus editores se inclinaram para o empresário sul-africano Elon Musk, criador da Tesla, que se reuniu com o militar no dia 22 de maio em São Paulo para promover um programa de conexão via satélite em escolas da selva amazônica e monitorar o desmatamento. O bilionário afim às ideias do presidente, promotor de práticas antissindicais e crítico de impostos sobre grandes fortunas, é “um mito da liberdade”, segundo Bolsonaro.
Apesar da boa relação entre os dois, as falanges virtuais do presidente não toleraram a grosseria da Time e produziram fake news que deveriam ter entrado no Guinness Book of Records. Publicaram uma réplica da capa da revista com a imagem do soldado, uma epígrafe em português que o definia como personagem do ano e “líder do mundo livre” e em apenas três dias essa capa falsa foi replicada 27 mil vezes nas redes sociais . O que fala do nível de impunidade nas redes sociais do Brasil 2.0.
Os partidários fanáticos do presidente nem sequer ficaram felizes com o fato de seu líder derrotar Donald Trump pelo voto popular na Time. Na mesma eleição, os profissionais médicos e paramédicos que atuaram na pandemia, expondo-se ao vírus como poucos, ficaram em terceiro lugar. A desinformação não é apenas um problema brasileiro.
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Como funcionam as milícias virtuais de Jair Bolsonaro? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU