09 Agosto 2022
"Na educação dos jovens seria oportuno não oferecer 'tudo', mas ensinar a ordenar o desejo e a escolher, levando em conta o bem comum, na consciência de que é preciso estabelecer um limite porque fazemos parte uma única humanidade. Querer tudo é a marca de uma convivência em que o outro é negado e sua presença deve ser eliminada. Não podemos querer 'Tudo!', mas podemos querer só aceitando renunciar ao tudo", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 08-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ultimamente me surpreendeu um anúncio publicitário que mostra de forma insistente uma cena: num supermercado, uma menina fica encantada em frente a uma prateleira cheia de doces... depois um momento de silêncio esperando a voz da mãe, que pergunta: "E qual você gostaria?" E a menina, num grito de alegria responde: “Todos!” Percebi mediatamente a insensatez de tal mensagem. Há um desejo e à pergunta que pede para escolher, a resposta é: “Todos!” Tudo e agora. É o que diz o instinto, o que faz o seu desejo e o expressa.
O instinto é uma força dominante, é um sentimento pessoal, íntimo, que brota das profundezas animais da pessoa e que, portanto, deve ser assumido, disciplinado, educado. Caso contrário, acentua-se, torna-se arroubo de "tudo e agora", e não conhece limites: o instinto torna-se assim ganância, arroubo, voracidade de posse e amor ao dinheiro. Quem não consegue dominá-lo é arrastado a possuir, consumir, ter para si o que deseja e não tem, e para tê-lo recorre também à violência. A embriaguez do “tudo” faz sonhar com o impossível, exclui toda possibilidade de partilha, não reconhece a presença do outro com o mesmo desejo pelo mesmo objeto.
Quem quer tudo quer realizar seu desejo sem levar em conta os outros, o próximo, o limite de toda ação humana. O objeto ou a pessoa cobiçosamente desejada emergem como forças dominantes a ponto de produzir, em quem deseja, a alienação. Compreendemos então a insistente invectiva dos profetas de Israel contra a ganância ou o desejo de tudo, porque para eles na ganância está o não reconhecimento do outro e do próprio limite, está a raiz da injustiça e de toda violência.
Entre as dez palavras doadas por Deus a Israel no Sinai, “não desejar” (chamad, desejo que se torna ação) ocorre duas vezes: nas relações com as coisas materiais e com as pessoas.
A patologia do desejo que quer tudo não diz respeito apenas à vida pessoal, mas também àquela da sociedade. O Prêmio Nobel de Economia Stiglitz publicou um livro sobre a crise econômica intitulado, na edição francesa, Le triomphe de la cupidité. Claro, a dimensão lucrativa do trabalho humano não pode ser eliminada, mas o excesso de ganho e lucro, não colocar ou se dar limites levou a uma crise que produziu sofrimento para povos inteiros. A voracidade desencadeada é legitimada e a cultura da ganância deu origem a uma cultura individualista, incapaz de pensar um horizonte comum.
Na educação dos jovens seria oportuno não oferecer “tudo”, mas ensinar a ordenar o desejo e a escolher, levando em conta o bem comum, na consciência de que é preciso estabelecer um limite porque fazemos parte uma única humanidade. Querer tudo é a marca de uma convivência em que o outro é negado e sua presença deve ser eliminada. Não podemos querer "Tudo!", mas podemos querer só aceitando renunciar ao tudo.
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Um limite para o desejo. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU