A Conferência dos Superiores e das Superioras Maiores Religiosos Alemães (DOK) aceitou o convite do Papa Francisco e participou da investigação que ele lançou para o próximo Sínodo Mundial dos Bispos. Os religiosos alemães (cerca de 16.500 entre homens e mulheres) consideram o processo sinodal do Vaticano em estreita conexão com o "Caminho Sinodal" que está ocorrendo atualmente na Alemanha. Em junho, os resultados desta pesquisa foram enviados à Congregação do Vaticano para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. O conselho da Conferência dos Religiosos Alemães havia solicitado aos religiosos/as do país de participar da investigação. De fato, um grande número de religiosos e religiosas participou dessa pesquisa, tanto por meio de encontros online, quanto com trabalhos em grupo. Com base nas respostas coletadas, foi elaborado o texto que publicamos aqui.
O texto é publicado por Settimana News, 27-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Alemanha, o "Caminho Sinodal" começou antes que o Papa Francisco anunciasse o Sínodo dos Bispos "Por uma Igreja Sinodal" (2021-2023). Vários institutos e ordens religiosas estão envolvidos no caminho sinodal alemão.
O Caminho Sinodal na Alemanha nasceu da ideia de que os abusos sexuais na Igreja também têm causas sistêmicas. Trabalhar sobre eles significa lidar concretamente com os seguintes campos:
- o exercício do poder e da liderança na Igreja ("participação");
- a vida sacerdotal hoje, inclusive diante do desafio do clericalismo;
- o papel das mulheres na Igreja;
- os problemas relativos à moral sexual e à vida de relação.
Aqui, nós religiosos/as, como em outras áreas temáticas, cooperamos na moldagem da Igreja com base em nossos respectivos carismas. Com os nossos múltiplos carismas vivemos concretamente a experiência da unidade na diversidade e assim, juntamente com todos os outros batizados, queremos ser Igreja ("comunhão") no século XXI.
Para a grande maioria dos religiosos e religiosas alemães, é indubitável que a Igreja necessita enormemente de renovação.
Nem sempre há acordo sobre os percursos concretos a seguir. Mas o Caminho Sinodal mostra-nos que, partindo de contextos e opiniões distintos, com a confiança no mesmo Espírito Santo dado a todos no Batismo, é possível dialogar e chegar a novas perspectivas e uma prática ulterior.
Nós religiosos sabemos, com base em nossa experiência e nossa história, que a mudança sempre foi e faz parte da Igreja e que muitas vezes começou e é iniciada por Ordens religiosas.
Nas últimas décadas, vários de nossos apostolados mudaram muito por causa de fatores internos e externos. A ideia de "sempre foi assim" é uma ilusão, para não dizer uma ideologia.
Nisso sabemos que concordamos com o testemunho dos Evangelhos e nos sentimos encorajados pelas palavras do Papa Francisco. Em 9 de outubro de 2021, na abertura do Sínodo, ele afirmou:
“Pode existir a tentação do imobilismo. Dizer que sempre foi assim (exortação apostólica Evangelii gaudium, 33) - esta afirmação na vida da Igreja é um veneno - significa que é melhor não mudar nada. Quem se move nesse horizonte, mesmo sem perceber, incorre no erro de não levar a sério o tempo em que vivemos. Corre-se o risco de que, no final, as velhas soluções sejam aplicadas aos novos problemas: um remendo costurado sobre um novo pedaço de pano, do qual no final deriva um rasgo pior (cf. Mt 9,16)”.
Estamos muito preocupados que, em nosso país, um número crescente de pessoas desapontadas abandone a Igreja. Muitas vezes são católicas e católicos empenhados, que em parte conhecemos pessoalmente e cuja saída da Igreja causa grande sofrimento porque perdemos um pedaço de nossa casa. Muitos deles estão convencidos de que "devem" deixar a Igreja para salvar sua fé. É um sinal de alerta que não pode ser ignorado.
Algumas dessas pessoas encontram justamente em nossas comunidades, entre nós religiosos, em nossas hospedarias, em nossas missas uma "casa" que a Igreja não lhes oferece mais, por exemplo porque exclui pessoas que não concordam com a moral sexual vigente na Igreja ou com a sua doutrina dogmática. Mudanças urgentes são necessárias no Catecismo quando se trata de divorciados recasados, de pessoas com orientação não heterossexual e não binária (ou seja, não estrita e completamente masculina ou feminina, ndr) e transexuais (LGBTQ).
Recentemente, a questão da possibilidade de ingresso na vida religiosa para pessoas não-binárias também foi muito sentida. A discussão sobre os problemas da sexualidade deve continuar e ser cada vez mais um tema de formação religiosa permanente.
Mesmo entre nós, empenhados em redigir juntos esta contribuição, existe uma certa preocupação, uma certa desconfiança de que as contribuições ao Sínodo serão realmente apreciadas e levadas a sério ou se terão que passar por muitos filtros ao longo do caminho, assim, no final, pouco restará do que é importante para nós e para os outros. Quanto mais transparente for o processo de avaliação, mais se demonstrará que a nossa preocupação é infundada.
Seremos breves e práticos. Estamos convencidos de que há muitos bons textos de ampla visão que não devemos repetir aqui. O que importa é a prática.
Nós religiosos estamos em contato, nos âmbitos mencionadas acima, com uma quantidade de pessoas, jovens e idosos, de diferentes nacionalidades, entre os quais um grande número de migrantes e refugiados. O empenho com a paz, a justiça e a integridade da criação é - e era mesmo antes da guerra na Ucrânia - uma preocupação importante. Colaboramos nisso com outras organizações. O compromisso muitas vezes ocorre no espírito de um apostolado, muitas vezes de forma voluntária.
Nossos religiosos idosos também têm inúmeros contatos: com a famílias, com pessoas que outrora lhes foram confiadas (por exemplo, ex-alunos e alunas), com colegas daquela época. Esses contatos são muitas vezes muito apreciados e fazem falta quando, devido a doenças, idade ou morte, desaparecem.
Importantes companheiros e companheiras de caminho são, para muitos, nossos associados, oblatos e oblatas, os membros da Ordem Terceira... e, mais ainda, os colaboradores e as colaboradoras que trabalham, para nós e conosco, dentro de nossos mosteiros/conventos, até à corresponsabilidade gerencial, para o enriquecimento mútuo.
Continuamente nos repetem que temos uma boa capacidade de escuta. Nem sempre temos certeza se isso é verdade, porque também experimentamos nossas limitações na vida cotidiana, tanto no convento quanto na comunidade mais ampla. Mas é precisamente a capacidade de escuta que muitas vezes falta na Igreja.
Os responsáveis da igreja são geralmente percebidos como professores. Nisso todos podemos aprender uns com os outros. Todo membro da Igreja deveria ser, ao mesmo tempo, alguém que aprende e que ensina. Para nós, isso também é verdade em relação à internacionalidade em nossas comunidades religiosas.
O diálogo entre Oriente e Ocidente às vezes nem sempre é simples, como também entre Norte e Sul, entre Padres e Irmãos, entre as Irmãs mais ou menos instruídas, entre as gerações, entre as comunidades grandes e pequenas... O nosso desejo é continuar a aprender cada vez mais e, por último, mas não menos importante, com os pobres.
Nós religiosos estamos conectados em rede de muitas maneiras, não apenas na DOK (Conferência dos Superiores Maiores), mas também nas respectivas famílias religiosas. Muitas dessas organizações muitas vezes tomam corajosamente a palavra sobre uma ampla variedade de argumentos (suicídio assistido, assistência aos marginalizados, custódia da criação…).
No Caminho Sinodal, as intervenções dos religiosos que dele participam desfrutam de grande consideração entre os sinodais e na opinião pública, porque ali se fala com grande liberdade e não só por si mesmos, porque a palavra é dada aos outros, por amor e proximidade de Deus e das pessoas. Os religiosos fazem-no com maior independência da Igreja diocesana do que, por exemplo, os colaboradores e as colaboradoras. A humildade do seu limitado poder e a empatia para com o próximo são vividas na palavra e na ação.
Vivemos nossa vida religiosa na escuta da Palavra e na celebração os sacramentos. Constatamos também que o que é escutado desperta ressonâncias e consequências, e essa variedade nos enriquece.
Esperamos essa abertura, que leva a sério a doutrina da analogia do Concílio Lateranense IV de 1215, sobretudo onde, na Igreja, se tem a impressão de que apenas um determinado grupo de pessoas – ou seja, os clérigos - sabe muito bem o que Deus pensa e quer. Esse grupo não representa todo o povo de Deus; sobretudo as mulheres são sistematicamente excluídas.
Muitos religiosos almejam uma abertura clara a esse respeito; muitos de nós - mesmo um grande número de homens - até a ordenação das mulheres. Irmãs comprometidas trabalham intensamente com associações femininas e fazem com que suas vozes sejam ouvidas na Igreja em nome de todas as mulheres.
Especialmente durante a crise da pandemia, muitas comunidades femininas sofreram por não poder mais ter a celebração da Eucaristia. Mas, mesmo independentemente da pandemia, a celebração diária da Eucaristia está cada vez mais impossível devido à falta de padres. Muitas freiras sofrem muito com isso.
As experiências de celebração da Palavra durante a pandemia, no entanto, têm sido tão surpreendentemente positivas em várias comunidades que há um desejo crescente de celebrar essas formas de liturgia com mais frequência.
Na experiência das monjas, o sacerdócio comum de todos os fiéis atua com base no batismo de todos os cristãos.
O diálogo mútuo sobre essas questões, entre religiosos de diferentes comunidades e entre religiosos e Igreja hierárquica, é um campo em que a sinodalidade em alguns casos é bem-sucedida, enquanto em outros ainda não é adquirida.
Como religiosos - e sobretudo como religiosas - sentimos muitas vezes a falta de diálogo em pé de igualdade. Precisamos de uma discussão mais intensa com Cor Orans para verificar as Normas que se aplicam exclusivamente às ordens religiosas femininas (duração do noviciado, dissolução dos conventos considerados impossibilitados de se manter...). Às vezes sentimos a necessidade de comunicação e de uma relação ainda mais ampla entre a Conferência Episcopal e a Conferência dos Superiores Religiosos.
Algumas ordens religiosas são marginalizadas em suas dioceses (por exemplo, nenhuma menção e nenhum envolvimento dos carismas específicos nos planos pastorais). As religiosas muitas vezes não estão inseridas em nível paroquial. Essas experiências são apenas a ponta do iceberg.
Damos por certo que as religiosas contemplativas também podem falar diretamente, sem ter que fazê-lo através de um assistente eclesiástico imposto.
Finalmente, as religiosas querem ser levadas a sério como membros animados do Espírito desta Igreja, onde vivem sua vida para o Senhor e para o próximo. Apesar do mesmo empenho e da mesma qualificação profissional que os homens, são injustamente consideradas de segunda ordem (por exemplo, sem direito a voto nos sínodos, enquanto é garantido aos irmãos religiosos).
O que mais desejamos da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, nosso ponto de referência no Vaticano, é o reconhecimento da nossa situação real de vida (envelhecimento...), a confiança nos religiosos que trabalham in loco e um apoio que permita soluções pragmáticas (leigos como ecônomos, leigos como secretários/secretárias gerais do DOK, o reconhecimento de formas nascidas por necessidade, mas muitas vezes percebidas como verdadeiras formas de liderança…). O Papa Francisco nos encoraja a sempre tentar novos caminhos. Fazemos isso numa obediência que reconhece as realidades e numa fidelidade criativa.
Às vezes, o diálogo na sociedade secular parece mais fácil do que na Igreja. Questões importantes sobre as quais queremos expressar nossa opinião na sociedade e colaborar com os outros são os problemas éticos, sociais, inter-religiosos e as questões ecológicas. Especialmente aquelas irmãs e irmãos que vivem em um ambiente em grande parte não cristão (não apenas na Alemanha Oriental, mas especialmente lá) podem oferecer experiências valiosas.
O contato com pessoas que (de maneira regulada pelo Estado) deixaram a Igreja também parece muito urgente. Aqui ainda há muito a aprender para pôr em prática juntos com os impulsos do Concílio Vaticano II.
Precisamente por ocasião do ano comemorativo de Lutero, voltamos a experimentar um vínculo estreito com as comunidades evangélicas e seus membros.
Através da vida comunitária, com base nos valores cristãos, descobrimos muito mais o que une do que o que separa as confissões. Muitos de nós achariam coerente reunir-se ao redor da mesa do Senhor e celebrar juntos a Eucaristia. Sofremos com o fato de que isso não seja possível e que não seja permitido pela nossa Igreja. Isso causa sofrimento em muitos de nós.
Aqueles que ainda não conseguem imaginar uma comunhão de mesa dessa magnitude, no entanto, desejam maior liberdade de consciência nas decisões pessoais quanto à participação na mesa da outra confissão. Nos encontros entre religiosos, muitos sentem a dor da separação e se abstêm de receber a comunhão. Em todo caso, o desejo pela unidade da Igreja permanece também no problema da Eucaristia, mesmo que o sofrimento permaneça.
Citamos aqui o que os bispos escrevem em Ser Igreja juntos, onde foi dito já em 2015: "Útil para nossa busca por uma nova colaboração entre sacerdotes e leigos é olhar para a teologia e a espiritualidade da liderança como foi desenvolvida pelas ordens religiosas na Igreja. As Regras e os estatutos ajudam a moldar a vida cotidiana da comunidade com as diferentes personalidades e suas tarefas concretas".
Regulam como enfrentar o pluralismo em uma comunidade religiosa e descrevem o ministério de liderança no contexto da missão comum a serviço de Deus e dos homens. Deste modo, as Ordens enfrentaram um problema que hoje se faz sentir mais fortemente e que surge como resultado da multiplicidade dos carismas e vocações da Igreja.
Das Ordens pode-se aprender a discernir e encontrar juntos a vontade de Deus; como envolver todos o máximo possível nas decisões que afetam a todos; como é possível regular canonicamente os cargos de direção por meio do voto; como é proveitoso assumir uma posição de liderança apenas por um tempo determinado, para depois voltar juntos como irmãos ou irmãs com seus próprios carismas na comunidade" (Ser Igreja juntos, Os bispos alemães sobre a renovação da pastoral).
Consideramos essas palavras como proféticas e acreditamos que chegou a hora de implementá-las em todos os níveis. No Caminho Sinodal da Alemanha descobrimos abordagens cheias de esperança. Em palavras-chave como separação dos poderes, transparência, prestação de contas, que são padrões sociais, a Igreja não deve ser menos convincente que a sociedade.
A Igreja diocesana também pode aprender com muitas de nossas comunidades como proceder criativamente nas mudanças e transformações. Mas nós religiosos também, em muitos aspectos, ainda temos muito a aprender. A sinodalidade também é para nós um campo constante de aprendizado que os responsáveis pela gestão podem promover ou dificultar.
Nas Ordens, em geral, experimentamos um alto grau de participação de todos os membros, mesmo nos processos eletivos, por exemplo, na escolha dos delegados a um capítulo. O fundamento da cultura de uma Ordem é o discernimento comum dos espíritos, a obtenção de um consenso que inclui conscientemente a liderança.
O medo da codecisão por todos os membros de um grupo (elementos democráticos) deixa muitos de nós perplexos. Mesmo que na Igreja hierárquica seja uma prática comum as eleições (do papa, dos bispos...), as votações (nos concílios, nos sínodos...). Queremos, portanto, promover um diálogo para descobrir de onde vem o medo da codecisão e como podemos enfrentá-la. Ninguém quer um retorno às estruturas sociais autoritárias.
Esperamos que o sínodo sobre a sinodalidade não permaneça apenas um belo evento. Esperamos que todas as contribuições ao Sínodo Mundial, que serão preparadas com muito empenho e investimento de tempo, sejam redigidas, analisadas, avaliadas e discutidas com espírito de discernimento e, finalmente, traduzidas em sua implementação concreta.
Bonn, 13 de junho de 2022
Fr. Andreas Murk, OFMConv
Ir. Hildegrd Schreier MC, presidente do secretariado DOK