09 Julho 2022
“Nas situações de tensão e na violência do conflito, nem sempre é fácil discernir o papel da Igreja. Felizmente, no Equador optou-se por promover o diálogo baseado na escuta respeitosa do grito dos excluídos, valorizando sobretudo os religiosos, os líderes cristãos e os pastores que conhecem a vida concreta das periferias, das pessoas com quem vivem e constroem a comunidade-igreja no dia-a-dia”, escreve o padre Dario Bossi, missionário comboniano, membro da rede Iglesias y Minería e assessor da Comissão especial para Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Durante o Capítulo Geral dos Missionários Combonianos, rezamos e acompanhamos a dura situação de conflito que se viveu no Equador.
Como muitos dos países da América Latina e do Sul Global, o Equador vem sofrendo as consequências das múltiplas crises de um modelo que já não pode se sustentar, com uma lenta recuperação depois da covid-19 e um forte aumento dos preços dos combustíveis, que levaram a um crescimento descontrolado do custo de vida.
Nos últimos dois anos, a pobreza multidimensional alcançou quase 40% da população equatoriana. Uma enorme dívida social e um perigoso explosivo social.
O próprio chanceler da República reconheceu “a exclusão das comunidades indígenas se manifesta há década”.
Neste contexto, a política econômica do primeiro ano do presidente banqueiro Guillermo Lasso foi de aprofundamento do neoliberalismo: cortou o orçamento estatal e o emprego público, recolocou o Equador no Centro Internacional de Ajuste de Diferenças Relativas a Investimentos – CIADI e aprofundou os desinvestimentos e privatizações.
Por sua vez, os povos indígenas, que iniciaram um diálogo infrutífero com o governo há um ano, convocaram uma Greve Nacional, liderada pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador – CONAIE e Organizações Indígenas Evangélicas do Equador, à qual aderiram estudantes, professores, transportadores, camponeses, trabalhadores, desempregados, empobrecidos, com forte participação das mulheres.
Após duas árduas semanas de protestos, com alguns mortos e presos, chegou-se a um acordo, com a mediação da Conferência Episcopal do Equador.
#ATENCION
— CONAIE (@CONAIE_Ecuador) June 30, 2022
En las afueras de la Conferencia Episcopal Ecuatoriana permanecen en vigilia los pueblos y nacionalidades, desde las 09:00 realizaron una multitudinaria marcha desde la Casa de la Cultura. Amplia expectativa por las decisiones que tome el Movimiento Indígena. pic.twitter.com/znMoQE1sdU
O presidente da República prometeu reduzir o preço do combustível, revogar um decreto relacionado com a política petrolífera e reformar outro decreto que proíbe a atividade de mineração em áreas protegidas.
Inicialmente, muitas instituições da Igreja tinham dúvidas, medos, medo de serem usadas por interesses políticos, por “pessoas violentas que não sabem reclamar de forma decente”, ou simplesmente por não quebrarem sua rotina de viver sua fé distante das duras realidade. Aos poucos, foi se definindo principalmente ao lado daqueles sempre esquecidos e ignorados pela história e pelos setores dominantes.
Foram algumas congregações católicas que se destacaram por suas ações de solidariedade e humanidade. Salesianos e jesuítas abriram as portas de suas universidades como casas de paz, abrigo, alimentação, saúde e psicologia.
As irmãs Lauritas recebiam os indígenas em sua casa e os alimentavam, preparando comida para mais de duas mil pessoas, todos os dias. Também acompanharam os indígenas em suas mobilizações e nos processos de diálogo.
A Rede Nacional de Pastoral Ecológica – RENAPE, CARITAS, REPAM, a Conferência Equatoriana de Religiosos e Religiosas, a Comissão Justiça e Paz e muitas outras entidades católicas não só incentivaram manifestações de solidariedade com os povos indígenas, como também emitiram declarações públicas, exigindo do governo a urgência de resolver as demandas via diálogo.
Vários bispos de áreas com populações indígenas expressaram sua solidariedade às demandas dos manifestantes. Dom Rafael Cob, vice-presidente da REPAM, disse que “os indígenas reivindicam direitos que foram esquecidos pelo governo; a Amazônia nos últimos anos foi esquecida. Podemos dizer que hoje celebramos a vitória de quem busca a paz, defende a justiça e trabalha pela unidade”.
Finalmente, a mediação da Conferência Episcopal do Equador foi essencial e contribuiu para selar os acordos que encerraram a greve. A situação ainda é tensa porque agora começarão as negociações para implementar os acordos e ainda há o risco de criminalizar o líder indígena da CONAIE, Leonidas Iza.
Nas situações de tensão e na violência do conflito, nem sempre é fácil discernir o papel da Igreja. Felizmente, no Equador optou-se por promover o diálogo baseado na escuta respeitosa do grito dos excluídos, valorizando sobretudo os religiosos, os líderes cristãos e os pastores que conhecem a vida concreta das periferias, das pessoas com quem vivem e constroem a comunidade-igreja no dia-a-dia.
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Equador. O levante indígena e uma Igreja que caminha rumo à Ecologia Integral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU