28 Junho 2022
Este é um episódio pouco conhecido da história francesa: depois que o Haiti conquistou sua independência, a França exigiu somas consideráveis de indenização, afundando a ex-colônia na miséria. Hoje, há quem peça reparação.
A reportagem é de Régis Meyran, publicada por Alternatives Économiques, 24-06-2022. A tradução é do Cepat.
No início do século XIX, Santo Domingo, na época sob domínio francês, era a mais rica das colônias, considerando todos os impérios. No entanto, após conquistar sua independência em 1804 com o nome de Haiti, este país tornou-se um dos mais pobres. E não é por má gestão ou corrupção.
Uma pesquisa do New York Times, publicada no final de maio, trouxe de volta à agenda um fato inglório que permaneceu quase tabu na história francesa: para manter sua independência, o governo do Haiti, depois de expulsar os colonos, teve que ressarcir uma colossal “dívida” à França. Isso pesou na economia do país e a precipitou na grande pobreza que persiste até hoje.
Retomemos o fio dos acontecimentos. Em 1804, após a primeira revolta de escravos bem-sucedida no mundo moderno liderada por Toussaint Louverture, o Haiti proclamou sua independência. Vinte e um anos depois, sob o reinado de Carlos X, a França reconhece a independência, mas em troca faz uma demanda considerável: indenizar os ex-proprietários de escravos pela perda de seus “bens”, em 150 milhões de francos da época – mais de três vezes a renda anual do país!
Este montante deveria ser pago no prazo de cinco anos à Caixa de Depósitos e Consignações. Caso contrário, seria a guerra, e a França invadiria o país novamente.
O Haiti, não tendo tais quantias, teve que pedir emprestado e isso, como previa o acordo, exclusivamente de bancos franceses. Era, pois, necessário contrair uma segunda dívida para saldar a primeira.
Entre 1840 e 1915, o Estado dedicou uma média de 5% de sua renda nacional anual para honrar o que muitos hoje chamam de “resgate”. Havia ocorrido uma terrível espiral, em benefício dos interesses da ex-potência colonial.
“Os lucros dos acionistas franceses ultrapassam todo o orçamento que o Estado haitiano destina às obras públicas”, escreve o New York Times.
Quanto o Haiti perdeu neste caso? Os pesquisadores do New York Times fizeram as contas: em setenta e cinco anos, o Haiti desembolsou 560 milhões de dólares (em valores atualizados).
Mas esta é apenas a ponta do iceberg. Porque se somarmos a isso a “perda de crescimento econômico” que resultou desse pagamento, o Haiti teria perdido entre 21 e 115 bilhões de dólares no mesmo período!
Mas a história não acaba aí. Em 1880, foi criado o primeiro banco nacional do país, o Banco Nacional do Haiti, filial de um banco francês, o Crédit Industriel et Commercial (CIC). O CIC concedeu empréstimos ao banco nacional e cobrou, em parte subornando funcionários haitianos, comissões suculentas por cada transação. Assim, várias dezenas de milhões de dólares deixaram o Estado para enriquecer um banco francês.
Último episódio desta série: em 1915, os Estados Unidos invadiram o país sob o pretexto de que era pobre e instável. Vários bancos de Wall Street (entre eles o National City Bank) assumiram o controle das finanças do país, compraram as dívidas restantes com a França e se dedicaram a reembolsá-las em até um quarto das receitas públicas anuais do Haiti!
Quando os americanos saíram do país em 1934, deixaram um país esgotado e cheio de novas dívidas. Somente em 1957 a dívida foi enfim totalmente paga.
Hoje se coloca a questão das reparações. Economistas avaliaram recentemente o valor que a França deveria pagar ao Haiti em compensação pelos danos infligidos.
Para Thomas Piketty, o tributo exigido pela França em 1825 representava mais de 300% da renda nacional do Haiti. Assim, a reparação da França poderia chegar a 300% da renda nacional do Haiti em 2020, ou seja, cerca de 30 bilhões de euros. Aliás, por que não pagar essa quantia, que afinal representa apenas pouco mais de 1% do valor da dívida pública da França? Isso seria um divisor de águas para o Haiti, que poderia investir em infraestrutura.
Denúncias também são feitas contra o CIC, acusado, como muitos outros bancos coloniais, de ter construído a fortuna de seus acionistas em cima do saque das colônias.
O fato é que a avaliação realizada pelo New York Times sobre os danos totais do Haiti resultantes da dívida é contestada. Alguns acreditam que parte da dívida está ligada à corrupção endêmica do país, tendo o ditador Jean-Claude Duvalier, é verdade, desviado milhões de dólares em seu benefício entre 1957 e 1986.
Outros acreditam que o subdesenvolvimento do país é anterior a 1825 e se explica especialmente pelos enormes gastos militares.
Outros ainda acreditam que os juros cobrados pelo CIC eram “juros praticados pelos bancos da época”, e lembram que a dívida foi paga não ao próprio CIC, mas aos obrigacionistas franceses que responderam ao seu pedido.
A este último argumento, no entanto, alguns respondem que se tratava de um golpe que consistia em vender um investimento a poupadores mentindo sobre a solvência do mutuário e recebendo uma grande comissão no processo. Além disso, o caso haitiano não é único e a descolonização teve sua parcela de práticas bancárias ilegítimas. Devemos, por exemplo, considerar como “normal” o fato de que no Marrocos, Congo, Índia ou Porto Rico, os empréstimos concedidos às administrações coloniais foram, no momento da independência, transferidos para os governos das ex-colônias?
Seja como for, a França até agora impediu o quanto pôde o estabelecimento de reparações financeiras. Em 2003, o então presidente da República do Haiti Jean-Bertrand Aristide exigiu o pagamento de indenizações. Paris rapidamente reprimiu seu pedido e apoiou seus oponentes acusando-o de corrupção, facilitando assim sua expulsão do país. Pouco antes, Régis Debray o aconselhara a renunciar ao poder.
O famoso filósofo chegou a dirigir um relatório do governo em 2004 sobre a questão do Haiti, onde considerou que a escravidão “não pode hoje ser objeto de reparações pecuniárias”. A França viu nesse pedido, segundo o ex-embaixador no Haiti, o início de uma espiral sem fim, na qual muitas outras ex-colônias corriam o risco de se lançar. É verdade que o reconhecimento da amplitude e do alcance dessas extorsões teria o potencial de mudar a face das desigualdades econômicas globais. Nada menos!
No entanto, sem a teimosia do presidente Aristide, provavelmente teríamos esquecido a história do resgate do Haiti. É verdade, como aponta o ex-presidente do Conselho Representativo das Associações Negras (CRAN) Louis-Georges Tin, que os construtores da memória nacional muitas vezes também são os “construtores do esquecimento” que organizam a eliminação de uma memória incômoda.
No entanto, na história dos abusos ligados à colonização, o caso do Haiti é ao mesmo tempo emblemático e singular: é o único país do mundo que pagou seus ex-senhores de escravos e seus descendentes durante várias gerações. É por isso que, na Martinica, o Movimento Internacional pelas Reparações apresentou um pedido de reparação ao tribunal judicial de Fort-de-France. Depois, em 2013, o CRAN decidiu levar a Caixa de Depósitos e Consignações ao tribunal por cumplicidade em crimes contra a humanidade.
Esses procedimentos judiciais não tiveram sucesso, mas contribuíram para aumentar a conscientização do público sobre o problema. Muitos intelectuais e personalidades como Christiane Taubira, Etienne Balibar ou Raphaël Confiant são agora a favor das reparações. Hoje, até o CNRS se ocupa do assunto, com o projeto “Repairs” – um banco de dados sobre reparações, compensações e indenizações por escravidão –, criado por Myriam Cottias. A recente pesquisa do New York Times acaba de dar um pouco mais de visibilidade a este assunto.
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Haiti. O “resgate” do país deve ser reembolsado pela França? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU