15 Junho 2022
Fiocruz e Abrasco trazem à tona algo incômodo: a brutalidade dos agentes do Estado contra quem, além de ter a pele escura, é fisicamente incapaz de se defender. Câmara de gás em Sergipe escancarou tema até então oculto.
A informação é publicada por Outra Saúde, 15-06-2022.
O assassinato, em 25 de maio, de Genivaldo de Jesus Santos, homem negro portador de deficiência psicossocial, ganhou notoriedade nacional. Os requintes de crueldade e simbolismo macabro da morte, praticada pela Polícia Rodoviária Federal (que usou o porta-malas de uma viatura como câmara de gás em estilo nazista) não podiam passar despercebidos. Mas não foi um caso isolado.
Rhuan do Nascimento, de 27 anos, morador da Barreira do Vasco, comunidade em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, também tinha uma deficiência psicossocial e foi assassinado durante uma ação policial, no dia 6 de maio.
Em março, Leonardo Bezerra, jovem surdo de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, foi espancado e preso por suspeita de ter roubado um celular. A Fiocruz alerta que o site Inclusive, portal que reúne notícias sobre cidadania e inclusão, destacou casos parecidos por todo país entre 2014 e 2020 – daqueles que foram notificados.
“Essa é uma questão urgente para todos que se preocupam com Direitos Humanos no nosso país” destacou Tuca Munhoz, comunicador e ativista por direitos humanos, no início do debate “Ecoar - Diálogos de Cidadania”, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz. “Situações em que pessoas com deficiência vem perdendo a vida por ação policial não parecem casualidades, mas um projeto”, destacou o ativista.
Para Raul Paiva, enfermeiro, doutorando da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Grupo de Trabalho “Deficiência e Acessibilidade” da Abrasco, a violência no Brasil contra pessoas com deficiência (PCD) é sustentada por três fatores principais: a forma como a sociedade enxerga a deficiência, o racismo e a polícia “violenta e criada para violentar pessoas pobres”. “Desde os primórdios, uma pessoa com deficiência já nasce programada às margens da sociedade”, explica Paiva, que relembra como, nas sociedades mais antigas, “coxos” e “cegos” moravam fora das cidades, abandonados pela família, ou como bebês que nasciam com deficiência eram mortos em Esparta. “Depois da revolução industrial, junto com a pobreza, surgem outras dificuldades para PCDs, já que para o capitalismo o homem deve ser produtivo e precisa ter um corpo que funciona bem”, explica. No Brasil, a internação compulsória de pessoas com deficiência psicossocial era uma realidade até a década de 1970. Hoje, ainda que os manicômios tenham sido extintos, a violência contra pessoas com deficiência se manifesta de outras formas.
A abordagem policial com PCDs necessita de diversos cuidados. Uma pessoa autista pode ficar reativa ao toque do agente, sentido como uma violência; uma pessoa surda, não escuta os comandos, enquanto uma pessoa com alguma doença psiquiátrica pode ter uma crise de ansiedade, por exemplo. Luis Eduardo Arruda, coronel veterano da Polícia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em direito e especialista em liberdade pública, afirmou a necessidade de formação nas escolas da Polícia Militar para abordar de forma adequada pessoas PCDs. Mas, no caso de pessoas negras, existe também o recorte de raça. “Eu ouço muito de mães pretas que têm filhos com alguma deficiência sobre o medo da abordagem policial”, relatou Paiva. Para ele, cursos e formações para policiais têm suas limitações. “Talvez a abordagem mude para alguma pessoa branca com deficiência, de uma classe social mais alta. Mas para PCDs pretos e favelados a abordagem será a mesma se a polícia for a mesma, porque essa polícia foi criada e mantém características para ser violenta com pessoas periféricas”, argumenta.
Segundo Paiva, autores que estudam a participação e inclusão de pessoas com deficiência na sociedade já pontuaram que, em certos casos, a polícia “deficientiza”: ao levar um tiro, ou durante uma fuga, se adquire uma deficiência.
Luciana Viegas, diretora do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam, argumenta que “o preconceito e o capacitismo serão vivenciados por pessoas brancas de forma diferente do que pessoas negras”. Isso porque existe um tipo de capacitismo – discriminação contra PCDs – que só acomete pessoas brancas: aquele que envolve a dó, a pena. Para pessoas negras, a lógica capacitista é a de “repressão, hipermedicalização, morte, tortura e manicômio”.
“Essa estrutura viola direitos e desconsidera a pessoa negra com deficiência como humano. Quando essa consideração é deixada de lado, a gente vê casos como o do Genivaldo”, concluiu Paiva. O Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam, junto com a Abrasco, irá enviar à Organização das Nações Unidas (ONU) um relatório denunciando a violência policial contra pessoas PCD no Brasil junto de uma série de recomendações para a abordagem adequada.
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A violência policial contra pessoas negras com deficiência no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU