13 Junho 2022
"Nós temos que ser alertados a não olhar cima, mas olhar para os lados, para frente, para trás, porque o que nos ameaça está do nosso lado: o próprio homem", afirma Edelberto Behs, jornalista.
Na película “Não olhe para cima”, do diretor e roteirista Adam McKay, o astrônomo Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e a estagiária Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) descobrem a trajetória de um cometa orbitando no sistema solar que, em seis meses, colidirá com o planeta Terra. Eles alertam a comunidade científica, vão à imprensa, mas chegam a ser ridicularizados pelo “absurdo” da possibilidade alertada. Daí a sátira “não olhe para cima”.
Não é o caso da humanidade em 2022. Nós temos que ser alertados a não olhar cima, sim, mas olhar para os lados, para frente, para trás, porque o que nos ameaça está do nosso lado: o próprio homem. No livro “A canção das sete cores – educando para a paz”, o autor, psicólogo, antropólogo e cientista social professor Carlos Rodrigues Brandão, anota:
Capa do livro: A canção das sete cores – educando para a paz, de Carlos Rodrigues Brandão. (Foto: Divulgação)
- As ameaças de um término por mãos humanas da Vida na Terra-Una têm o seu princípio na ciência que criamos, e na tecnologia que aplica suas descobertas e se volta sobre a sociedade e a natureza regida, a cada dia mais, por valores de eficácia e de interesse. Temos nos voltado ao mundo natural com o propósito de submetê-lo e de tê-lo produtivamente sob o nosso controle.
Recebemos mil recados da natureza e fazemos de conta que não sabemos interpretá-los. São as geleiras dos polos em derretimento, a mudanças climáticas em incontáveis partes do mundo trazendo fome, secas, inundações; são as queimadas na Amazônia, no Pantanal... A guerra... Achávamos que depois da II Guerra Mundial não teríamos mais conflitos de grande magnitude, envolvendo a ameaça do uso de bombas nucleares. No entanto, assistimos os acontecimentos na Ucrânia...
“O Evento”, eufemismo para denominar algum acontecimento catastrófico que afete a vida das populações do planeta, é assim que os super ricos do mundo se preparam para encarar a situação: fugindo para onde der. Em artigo para a revista Forum, o jornalista Wilson Ferreira conta como algumas dessa figuras estão se prevenindo para enfrentar “o evento”.
O cofundador da PayPal e da Palantir Technologies compra milhares de acres na Nova Zelândia porque será a região poupada de um futuro cataclismo mundial. Elon Musk busca soluções na sua empresa Space X, olhando para Marte, onde instalaria colônias humanas para fugir do “evento”.
Mark Elliot Zuckerberg (em tradução literal do alemão seria Mark Montanha de Açúcar), um dos fundadores do Facebook, deposita uma esperança mística de digitalizar a própria consciência e fazer um upload final para o Metaverso, ou mandá-la para a nuvem.
Sim, e os que ficam de fora, ficam como? Serão a maioria, talvez crentes, no passado, de que a tecnologia era a panaceia para resolver todo e qualquer problema na face do planeta.
Douglas Rushkoff, observador dos inícios da Internet, há mais de 25 anos vem pesquisando os efeitos da tecnologia na consciência humana. Ele chegou a sugerir que se pense a tecnologia digital como uma droga e os algoritmos como uma espécie de demonologia, assuntos que trata no livro Team Human.
Capa do livro: Team Human, de Douglas Rushkoff. (Foto: Divulgação)
Em 2017, Douglas foi regiamente pago para falar a um seleto grupo de CEOs do sistema financeiro estadunidense. O professor preparou uma palestra sobre o futuro da tecnologia, mas o que os ricaços queriam eram pistas do que fazer depois do “evento”. O CEO de uma corretora tratou de construir um bunker subterrâneo, mas estava preocupado com a reação dos que ficarão de fora e que lhe prestarão serviço, como é o caso dos seguranças. Douglas relata:
- Sabiam que guardas armados viriam para proteger seus complexos das multidões enfurecidas. Mas como pagariam os guardas, já que o dinheiro não teria valor? O que evitaria que os guardas escolhessem os próprios líderes? Os bilionários consideravam usar fechaduras de combinação especial que só eles conheciam para guardar sua provisão de comida. Ou fazer com que os guardas usassem colares disciplinares de algum tipo, em troca de sua sobrevivência. Ou talvez construir robôs para servir de guardas e trabalhadores – se essa tecnologia fosse desenvolvida a tempo.
Douglas concluiu que esses bilionários propagaram nas mídias, no passado, planos de negócios otimistas sobre como a tecnologia poderia beneficiar a sociedade humana. Agora, reduziram as expectativas depois de perceberem o progresso tecnológico como uma espécie de videogame macabro, em que somente aquele que encontrar a escotilha de escape será o vencedor, registrou Wilson Ferreira para a Forum.
Em 1652, no sermão de São Roque, o padre Antônio Vieira já alertara:
- Nesta máquina do mundo, entrando também nela o céu, as estrelas têm o seu curso ordenado, que não pervertem jamais; o sol tem seus limites e trópicos; fora dos quais não passa; o mar, com ser um monstro indômito, em chegando às areias, para; as árvores, onde as põem, não se mudam; os peixes contentam-se com o mar, as aves com o ar, os outros animais com a terra. Pelo contrário, o homem, monstro ou quimera de todos os elementos, em nenhum lugar para, com nenhuma fortuna se contenta, nenhuma ambição nem apetite o farta: tudo perturba, tudo perverte, tudo excede, tudo confunde e, como é maior que o mundo, não cabe nele.
O recado de Douglas é claríssimo: “Ser humano não tem a ver com sobrevivência ou saída individual. É um esporte coletivo. Seja qual for o futuro dos humanos, será de todos nós.”
Há milhares de anos a história se mostra uma excelente pedagoga, mas parece que nada dela aprendemos. Tanto assim que deixamos de olhar para os lados!
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Não olhe para cima, olhe para os lados. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU