Confissões: "Tarde vos amei!"

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10 Junho 2022

 

"Grandes mestres espirituais, como o africano Agostinho de Hipona, continuam sendo um feixe de luz que nos conduzem à luz".

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.

 

Na apresentação de as Confissões, de Santo Agostinho, publicada pela Editora Vozes, o professor e filósofo Emmanuel Carneiro Leão distingue cristianismo e cristandade. Segundo ele, um não se confunde com o outro. A cristandade, define, "é a graça da libertação no advento da 'liberdade dos filhos de Deus'". O cristianismo, ao contrário, "vive da cristandade para organizar e impor padrões fixos de comportamento". A cristandade, acrescenta, "é e tem sido a caminhada da 'libertação da verdade' de Deus nas chegadas históricas. Apesar de seguir a cristandade, nem sempre o cristianismo lhe tem acompanhado a libertação. Muitas vezes mesmo, tenta substituí-la por uma liberdade sem verdade. E então o desamparo toma conta e se torna um destino mundial. O niilismo, a morte de Deus e do homem, a pretensão de produzir tudo enchem de decadência os palcos da história".

 

A sua própria busca pela liberdade, Santo Agostinho narrou em as Confissões, obra datada do ano 400, na qual conduz o coração humano às perguntas e afirmações que se repetem e se refazem, mesmo com outras palavras, pelos séculos: "Mas quem a vos invoca se antes não vos conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem. Ou, por ventura não sois antes invocado para depois serdes conhecido? 'Mas como invocarão Aquele em quem não acreditaram? Ou como hão de acreditar, sem que alguém lhes pregue?' Louvarão ao Senhor, aqueles que o buscarem'. Na verdade os que o buscam, encontrá-lo-ão e aqueles que O encontram, hão de louvá-lo".

 

 

Nesta obra, um clássico da mística cristã, Agostinho relata sua busca por Deus: ela não foi um amontoado de elocubrações desordenadas que tentavam ser enquadradas em uma ou outra teoria, mas uma reflexão filosófica e teológica guiada pela razão, vivida em comunidade e impulsionada pelo coração, pelo desejo de saber se de fato há a verdade. Com as inúmeras perguntas com as quais se defrontava, envolveu-se em debates filosóficos, aderiu a determinadas posições e, consequentemente, teve que rejeitar outras, dada a incompatibilidade de assumir teses contraditórias. Confessou as ocasiões em que ficou "suspenso na dúvida" enquanto Deus o "cercava de todos os lados" e, por fim, rendeu-se ao Senhor: "Só na grandeza de vossa misericórdia coloco toda a minha esperança".

 

A conclusão desta busca, depois de sua conversão, é narrada assim:

 

"Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde vos amei!

 

Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-vos!

 

Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco!

 

Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Porém me chamastes com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez!

 

Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira!

 

Exalaste perfume: respirei-o suspirando por Vós. Eu vos saboreei, e agora tenho fome e sede de Vós.

 

Vós me tocastes e ardi no desejo da vossa paz".

 

 

Grandes mestres espirituais, como o africano Agostinho de Hipona, continuam sendo um feixe de luz que nos conduzem à luz.

 

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