O cumprimento escatológico dos animais. Uma esperança e as suas motivações

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06 Junho 2022

 

"Segundo a doutrina católica, entre as criaturas que vivem na terra, apenas o ser humano está destinado a uma vida eterna com e junto de Deus. Há alguns anos, no entanto, a teologia dos animais critica a ideia de que o paraíso está categoricamente fechado aos animais. Partindo do ensinamento da Igreja, este breve ensaio apresenta uma série de argumentos para um possível cumprimento escatológico dos animais. As considerações devem ser entendidas como uma indicação do problema e uma contribuição para a discussão".

 

A reflexão é de Christoph J. Amor, teólogo alemão e professor da Escola Superior Filosófico-Teológica de Brixen, na Alemanha.

 

O artigo foi publicado na revista CredereOggi, n. 248, de maio de 2022, que tem como tema central a “Teologia animalista”. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

1. A posição privilegiada do ser humano na visão cristã

 

Segundo a compreensão cristã, "o ser humano, na criação, ocupa um lugar único: ele é 'à imagem de Deus'" [1] e, como administrador designado por Deus, é chamado a "dominar a terra" (Catecismo da Igreja Católica, CIC 373). "Deus tudo criou para o homem" (CIC 358) e "destinou todas as criaturas materiais para o bem do gênero humano" (CIC 353). Como "ponto culminante da obra da criação" (CIC 343), o ser humano se destaca entre todas as criaturas.

 

Única também é a vocação do ser humano. "O homem foi criado por Deus e para Deus" (CIC 27). Ele foi criado para "viver em comunhão com Deus" (CIC 45).

 

“De todas as criaturas visíveis, só o homem é capaz de conhecer e amar o seu Criador; é a única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma; só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus” (CIC 356).

 

2. Esperança para os seres humanos: Deus “quer que todos os seres humanos sejam salvos” (1Tm 2,4)

 

Para tornar os seres humanos partícipes da natureza divina (cf. 2 Pd 1,4), o Verbo de Deus se fez carne (cf. CIC 460). O evento Cristo em geral e o evento da encarnação em particular têm sido objeto de reflexão na tradição doutrinal católica quase exclusivamente no seu significado salvífico para o ser humano. “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e Se fez homem” (CIC 456). Ao ser humano, através da sua obra de redenção, Cristo abriu o “acesso à ‘Casa do Pai’, à vida e à felicidade de Deus” (CIC 661). O ensinamento da Igreja caracteriza o céu como “o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem” (CIC 1.024). Esse “estado de felicidade suprema e definitiva” (CIC 1.024) é, segundo a visão tradicional, reservado apenas aos seres humanos.

 

3. Um novo céu e uma nova terra também para os animais?

 

Segundo a doutrina católica, o ser humano “é a única criatura que Deus quis por si mesma” (GS 24,3; cf. CIC 356). O restante da criação – plantas, animais, seres vivos e não vivos – “é querida por Deus como um dom orientado para o homem, como herança que lhe é destinada e confiada” (CIC 299).

 

Para a relação do ser humano com os animais, isso significa que o ser humano deve ser benevolente para com eles; estes, no entanto, estão sujeitos a ele e “podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem” (CIC 2.457). O ser humano pode matar os animais para se alimentar deles e usá-los para fazer roupas. Os animais podem ser domesticados “para que sirvam o homem nos seus trabalhos e lazeres” (CIC 2.417). Mesmo as “experiências médicas e científicas em animais” são, segundo a compreensão católica, “moralmente admissíveis desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas” (CIC 2.417).

 

O fato de os animais, junto com as plantas e os seres inanimados, serem “naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, passada, presente e futura” (CIC 2.415) é sublinhado com toda a clareza. No entanto, o Catecismo não especifica como o bem-estar dos animais e especialmente o seu destino após a morte pode ser visto a partir de uma perspectiva cristã. O Catecismo salienta várias vezes que o cumprimento escatológico final tem uma dimensão cósmica. “No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua plenitude [...] e o próprio universo será renovado” (CIC 1.042).

 

No entanto, não está claro se os animais também terão a chance de habitar o novo céu e a nova terra. Nem se e como a transformação do universo material no fim dos tempos (cf. CIC 1.060), a misteriosa renovação da humanidade e do mundo (cf. CIC 1.043) afetará e se refletirá também no reino animal e no vegetal.

 

Uma teologia de marca escolar – como a proposta pela volumosa “Introdução” de Joseph Pohle (1852-1922) – se expressa muito mais claramente sobre esse ponto.

 

Em primeiro lugar, no contexto da doutrina da criação, afirma-se inequivocamente que “o fim último da criação [finis operis] deve ser buscado em primeiro lugar na glorificação de Deus, em segundo lugar na bem-aventurança das criaturas dotadas de razão” [2]. Somente a humanidade e os anjos estão, portanto, destinados à bem-aventurança eterna. A criação que não é dotada de razão, por sua vez, é posta a serviço do ser humano [3].

 

Em segundo lugar, o fato de o ser humano ser radicalmente diferente do animal é elaborado por essa teologia escolar no contexto da antropologia teológica. A diferença antropológica fundamental entre o ser humano e o animal consiste na alma espiritual. Em comparação com o animal, a alma espiritual não só permite ao ser humano agir moralmente e ter capacidades cognitivas superiores, mas também, devido à sua simplicidade e espiritualidade, a alma espiritual do ser humano, diferentemente da alma animal, é imortal [4]. A alma imortal do ser humano forma a condição metafísica que permite ao ser humano ou, mais precisamente, à alma humana sobreviver à morte biológica. Para o animal, em vez disso, a morte representa um limite intransponível.

 

Em terceiro lugar, já que o animal permanece na morte e recai no nada, é, portanto, apenas objeto de coerência que, na escatologia proposta por essa teologia escolar, a visão beatífica de Deus (visio beatifica) seja reservada apenas ao ser humano e aos anjos. A bem-aventurança eterna consiste “no conhecimento, no amor e no louvor” [5], todas coisas de que o animal, segundo essa visão tradicional e escolar, é incapaz.

 

Naturalmente, não se pode simplesmente equiparar as opiniões de Pohle recém-delineadas com o ensinamento oficial da Igreja. A vida e o ensinamento da Igreja, de fato, estão em contínuo desenvolvimento. No entanto, como amplo consenso dentro do pensamento da Igreja Católica, pode-se afirmar o seguinte: diferentemente do animal, o ser humano é criado à imagem de Deus (cf. Gn 1,27). O ser humano, portanto, tem a dignidade de ser uma pessoa:

 

“Ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar” (CIC 357).

 

Deus mantém a fidelidade à aliança com o gênero humano mesmo após a morte. Assim, nada nem ninguém, nem mesmo a morte, pode separá-lo do amor de Deus (cf. Rm 8,38-39).

 

4. O valor intrínseco das criaturas

 

O Concílio Vaticano II podia ainda se referir à “opinião quase unânime de fiéis e não fiéis” de que “tudo o que existe sobre a terra deve ser referido ao homem, como seu centro e seu ápice” (GS 12,1). Hoje, em vez disso, as críticas a tal visão transmitida do antropocentrismo próprio da tradição judaico-cristã foram expressadas também dentro da Igreja Católica.

 

Teólogos de todas as confissões pedem uma maior apreciação teológica do mundo animal [6]. Impulsos para uma nova visão foram e são fornecidos pela autoridade do magistério da Igreja. Vem à mente o pedido do Papa João Paulo II (1920-2005) de que o desenvolvimento da humanidade “não pode prescindir do respeito pelos seres que formam a natureza visível” [7]. O Papa Bento XVI, depois, sublinhou que “a própria terra traz em si a própria dignidade” e que é preciso “escutar a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente” [8]. Também o Youcat, o “catecismo dos jovens”, pede – referindo-se a Francisco de Assis – uma apreciação teológica das criaturas não humanas:

 

“Todas as criaturas da terra sentem como nós, todas as criaturas da terra lutam pela felicidade como nós, todas as criaturas da terra amam e morrem como nós; portanto, são no nosso mesmo nível obras do criador onipotente” [9].

 

Como “advogado” das criaturas não humanas, o Papa Francisco também se expressou repetidamente. Com urgência, o papa convidou a humanidade a desistir da guerra suicida contra a mãe Terra e a reconhecer o “valor próprio de cada criatura” [10]. Francisco condena com força um antropocentrismo enganador e despótico “que se desinteressa pelas outras criaturas” (LS 68), que dá prioridade absoluta apenas às próprias vantagens e relativiza todo o restante (cf. LS 122).

 

Segundo o papa, uma “comunhão sublime” conecta o ser humano a todas as criaturas do universo. Seres humanos, plantas e animais formam “uma espécie de família universal” (LS 89). O ser humano, portanto, deve mostrar “respeito sagrado, amoroso e humilde” (LS 89) por todas as criaturas.

 

Nesse contexto, levanta-se a pergunta: o que significam as recentes declarações do magistério católico sobre o destino após a morte dos animais? Para uma escatologia dos animais, é dogmaticamente relevante, sobretudo, o esclarecimento do papa de que o ser humano não é “o fim último das restantes criaturas” e de que todas as criaturas “avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina” (LS 83) Se “vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada, ocupará o seu lugar” (LS 243), então a esperança de um cumprimento escatológico dos animais também parece legítima a partir de uma perspectiva católica.

 

Prospectamos aqui, em seguida, alguns argumentos em favor de um cumprimento escatológico após a morte também para os animais. Os argumentos são construídos de tal forma que se apoiam e se reforçam mutuamente. A base da argumentação é uma visão não antropocêntrica da criação.

 

Se examinarmos as teologias bíblicas da criação na sua totalidade (cf., por exemplo, Jó 38,39-39,35; Sl 104), fica claro que o ser humano não é nem o centro do mundo, nem a medida de todas as coisas.

 

“Nos escritos sapienciais e na composição poética de Israel [...] desenvolve-se a intuição de que o mundo animal recebeu de Deus o próprio direito de existir, totalmente independente do ser humano” [11].

 

A realidade da criação deve ser interpretada teocentricamente, porque “todas [as criaturas] têm o mesmo Criador, e todas são ordenadas para a sua glória” (CIC 344). Mas o valor intrínseco das criaturas é independente da sua utilidade para o ser humano. “Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias” (CIC 339). Assim como para todas as criaturas, também os animais são objetos do cuidado providencial de Deus (cf. CIC 2.416).

 

4.1 Argumento a partir da consideração do motivo da criação ou criação a partir do amor (creatio ex amore)

 

Segundo a doutrina católica, o amor é o único motivo pelo qual Deus criou o mundo [12]. Tendo criado o mundo com sabedoria e amor, Deus se interessa por ele de modo autêntico e vivo. O próprio Catecismo cita a afirmação central da teologia sapiencial da criação: “Vós amais tudo quanto existe e não tendes aversão a coisa alguma que fizestes: se tivésseis detestado alguma criatura, não a teríeis formado” (Sb 11,24; cf. CIC 301).

 

4.2 Argumento a partir da consideração do amor de Deus

 

O amor de Deus não é uma mera declaração de intenções e não permanece sem consequências.

 

“Depois da criação, Deus não abandona a criatura a si mesma. Não só lhe dá o ser e o existir, mas a cada instante a mantém no ser, lhe dá o agir e a conduz ao seu termo” (CIC 301).

 

Sob esse pano de fundo, surge a pergunta: o amor de Deus não deveria se caracterizar no mais alto grau por aquilo que já distingue o amor humano genuíno e desinteressado? Ou seja, um amor que não aceita a destruição de quem se ama e “exige que o outro seja salvo, preservado, realizado, não para que eu obtenha uma vantagem com isso, mas simplesmente para o seu próprio bem?” [13]. E se é possível pensar assim, não é realmente implausível e teologicamente questionável a ideia de que Deus, em certo ponto, possa perder o interesse pelos seres vivos não humanos?

 

4.3 Argumento a partir da consideração da fidelidade de Deus (à aliança)

 

O argumento da fidelidade de Deus (à aliança) também sugere que Deus provavelmente não compreende a sua relação com plantas e animais como uma convivência limitada por um período que termina automática e irrevogavelmente com a morte do parceiro não humano. A aliança feita por Deus com Noé (Gn 9,8-17) é ampliada a toda criatura vivente por todas as gerações, eternamente [14]. Assim, os animais também são parceiros da aliança com Deus.

 

4.4 Argumento a partir da consideração da bênção da criação

 

O argumento da eulogia também é favorável à assunção de que Deus tem um interesse duradouro pelos seus parceiros não humanos da aliança. De acordo com o primeiro relato da criação, a bênção de Deus não é somente para os seres humanos (cf. Gn 1,28) e o sábado (cf. Gn 2,3), mas também para os seres vivos pré-humanos e não humanos (cf. Gn 1,22).

 

“A bênção é o modo como o Criador entra em relação com a sua criação. Na bênção, opera continuamente o sim original e primordial de Deus ao ser e ao viver da criação” [15].

 

4.5 Argumento a partir da consideração da teologia da encarnação

 

Deus renovou e afirmou o seu sim à criação na e com a encarnação de seu filho. Deus é fiel. Portanto, para Paulo, o sim a tudo o que Deus prometeu se realiza no Filho de Deus encarnado (cf. 2Cor 1,18-20). Por meio da encarnação do Logos divino, Deus entra em uma relação de aliança com toda a carne. Deus “não se tornou simplesmente homem, mas [tornou-se] carne” e, portanto, “tornou-se parte de tudo o que vive e morre” [16]. A dimensão cósmica da encarnação já havia sido sublinhada pelo Papa João Paulo II:

 

“A Encarnação de Deus-Filho significa que foi assumida à unidade com Deus não apenas a natureza humana, mas também, nesta, em certo sentido, tudo o que é ‘carne’: toda a humanidade, todo o mundo visível e material. A Encarnação, por conseguinte, tem também um significado cósmico, uma dimensão cósmica. O ‘gerado antes de toda criatura’, ao encarnar-se na humanidade individual de Cristo, une-se, de algum modo, com toda a realidade do homem, que também é ‘carne’ e, nela, com toda a ‘carne’, com toda a criação” [17].

 

4.6 Argumento a partir da consideração do sofrimento dos animais

 

No evento da Encarnação, o Verbo divino se uniu a todos os seres vivos feitos de carne. A esperança de que Deus não abandone nem perca definitivamente na morte todos os seres vivos feitos de carne, com os quais tem uma relação especial em virtude da encarnação, pode ser defendida com o argumento a partir da consideração do sofrimento dos animais [18]. O grito dos animais torturados e sofredores faz nascer naturalmente a pergunta sobre se um dia Deus também enxugará as suas lágrimas (cf. Is 25,8) e os ajudará a alcançar a vida em plenitude. O modo como tal cumprimento escatológico para o mundo animal poderá se realizar concretamente vai além da nossa compreensão e imaginação. Mas, como pensamento no limite, tal assunção parece ser verdadeiramente justificada, senão até necessária, a partir da fé naquele Deus que é o amigo de toda a vida e de cujo amor nada poderá nos separar (Rm 8,39).

 

4.7 Argumento a partir da consideração do cumprimento da criação

 

O cristianismo não só confia que Deus redime a humanidade e a faz partícipe da sua vida eterna. A esperança cristã confia também na realização da história e do cosmos [19]. O fundamento bíblico-teológico é a imagem autorizada do novo céu e da nova terra (cf. Is 65,17; 66,22; 2Pd 3,13; Ap 21,1). O fato de que os animais, junto com o gênero humano e toda a criação, serão levados a um completo cumprimento por Deus é muitas vezes justificado, na escatologia animal, pela visão do reino messiânico de paz, que se estende também ao mundo dos animais (cf. Is 11,4- 8).

 

Segundo o Evangelho de Marcos, animais e anjos serviram a Jesus no deserto, como no Antigo Testamento os corvos já haviam alimentado Elias (1Rs 17,1-7). Enquanto os animais se tornam inimigos do primeiro Adão (cf. Gn 3,15), são amigos do segundo Adão (cf. Mc 1,13). O motivo da morada de Jesus com os animais selvagens pode ser interpretado como uma indicação do cumprimento da paz escatológica entre o gênero humano e o mundo animal [20].

 

As diversas formas da escatologia do mundo animal também se baseiam na ideia paulina da criação em trabalho de parto, a se libertar da “escravidão da corrupção” (cf. Rm 8,19-22). Naturalmente, pode-se discutir ad libitum sobre a correta interpretação dos textos bíblicos citados e lidos como testemunhas-chave para uma possível ressurreição de animais [21].

 

4.8 Argumento a partir da consideração da liturgia cósmica

 

Independentemente dos resultados obtidos pela análise do texto bíblico, mais um argumento pode ser aduzido para exemplificar a possibilidade do cumprimento escatológico do mundo animal. Segundo o ensinamento clássico, Deus criou o mundo e tudo o que há sobre a terra “para manifestar e comunicar a sua glória”, e todas as criaturas devem participar da “verdade, bondade e beleza” de Deus e assim glorificá-lo (CIC 319).

 

Nesse contexto, é importante considerar também o fato de que “Deus quis a diversidade das suas criaturas e a sua bondade própria, a sua interdependência e a sua ordem” (CIC 353). “As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus” (CIC 339).

 

Como imagem da perfeição e completude de Deus, toda criatura glorifica a Deus por meio do seu ser, e do seu ser assim como é. Essa verdade de fé se aplica também e explicitamente aos animais. A respeito deles, o Catecismo ensina: “Os animais são criaturas de Deus. [...] Pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e Lhe dão glória” (CIC 2.416).

 

Sobre essa base, pode-se propor a argumentação: toda a criação é chamada a glorificar a Deus (cf. Sl 148,3-5; LS 72). O ser humano é capaz de dar glória a Deus dirigindo-se livremente ao seu criador com conhecimento e amor, reconhecendo o próprio criador e redentor (gloria externa formalis). Mas os animais também glorificam a Deus (gloria externa obiectiva). Para que essa glorificação polifônica de Deus seja preservada para toda a eternidade, deve-se supor a existência dos animais (assim como de todas as criaturas) após a morte.

 

Se o mundo animal, junto com toda a criação não humana, caísse irrevogavelmente no nada no momento da morte, apagar-se-ia eternamente uma voz insubstituível na liturgia cósmica. Se somente o gênero humano fosse despertado da morte, a liturgia cósmica após o dia do juízo seria muito mais pobre do que a de hoje, em que até os animais e as plantas entoam ao Criador os seus louvores silenciosos e muitas vezes não reconhecidos.

 

Referências

 

D.L. Clough, On Animals. Volume 1: Systematic Theology, Bloomsbury, London - Oxford - New York 2012.

R. Hagencord, Gott und die Tiere. Ein Perspektivenwechsel, Topos Plus, Kevelaer 2018.

S. Horstmann - T. Ruster - G. Taxacher, Alles, was atmet. Eine Theologie der Tiere, Pustet, Regensburg 2018.

A. Linzey, Animal Gospel, Westminster John Knox Press, Louisville KY) 1998 [2000, e-book].

A. Linzey - D. Cohn-Sherbok, After Noah. Animals and the Liberation of Theology, Mowbray, London 1997.

A. Linzey - C. Linzey (orgs.), The Routledge Handbook of Religion and Animal Ethics, Routledge, London - New York 2019.

 

Notas

 

1. R. Fisichella (org.), Catechismo della chiesa cattolica. Testo integrale. Nuovo commento teologico-pastorale, LEV - San Paolo, Città del Vaticano - Cinisello B. 2017 (CCC), n. 355.

2. J. Pohle, Lehrbuch der Dogmatik, I Band, Neubearbeitet von Josef Gummersbach, Schöningh, Paderborn 195210, 518 (trad. italiana: Introduzione. Teologia generale, Morcelliana, Brescia 1961). Cf. CCC 353: “Deus quis a diversidade das suas criaturas e a sua bondade própria, a sua interdependência e a sua ordem. Destinou todas as criaturas materiais para o bem do gênero humano”

3. Cf. Pohle, Lehrbuch der Dogmatik I, 520.

4. Sobre a tese da imortalidade da alma, veja-se: ibid., 551-555.

5. Ibid., 521.

6. Cf. A. Linzey, Animal Gospel, Westminster John Knox Press, Louisville (KY) 1998 [2000 ebook] (cf. em italiano, Id., Teologia animale. I diritti animali nella prospettiva teologica, Cosmopolis, Torino 1998); D.M. Jones, The School of Compassion. A Roman Catholic Theology of Animals, Gracewing, Leominster 2009 (cf. em italiano, Id., Animali e pensiero cristiano, EDB, Bologna 2013); R.P. McLaughlin, Christian Theology and the Status of Animals. The Dominant Tradition and Its Alternatives, Palgrave Macmillan, Basingstoke (London) 2014.

7. João Paulo II, Carta encíclica Sollicitudo rei socialis (30-12-1987), n. 34.

8. Bento XVI, Discurso ao Parlamento Federal da Alemanha (22-09-2011).

9. Öbk (org.), Youcat. Jugendkatechismus der Katholischen Kirche, mit einem Vorwort von Papst Benedikt XVI, Pattloch, München 2010, 44.

10. Francisco, Carta encíclica Laudato si' (24-05-2015) (LS), n. 16.

11. S. Schroer, «Die Eselin sah den Engel JHWHs». Eine biblische Theologie der Tiere - für Menschen, in D. Sölle (org.), Für Gerechtigkeit streiten. Theologie im Alltag einer bedrohten Welt (FS Luise Schottroff), Chr. Kaiser - Gütersloher Verlagshaus, Gütersloh 1994, 84: «In den Weisheitsschriften und der Hymnik Israels wird […] die Einsicht entwickelt, daß die Tierwelt von Gott eine eigene, vom Menschen ganz und gar unabhängige Existenzberechtigung erhielt».

12. Cf. Concilio Vaticano I, Constituição dogmática Die Filius (24-04-1870), cap. I (actus creationis), in H. Denzinger, Enchiridion Symbolorum definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, editado por P. Hünermann, EDB, Bologna 2012, n. 3002.

13. H. Kessler, Was kommt nach dem Tod? Über Nahtoderfahrungen, Seele, Wiedergeburt, Auferstehung und ewiges Leben, Butzon & Bercker, Kevelaer 2014, 24.

14. Cf. B. Janowski, Auch die Tiere gehören zum Gottesbund. Zur Einführung, in B. Janowski - U. Neumann-Gorsolke - U. Glessmer (orgs.), Gefährten und Feinde des Menschen. Das Tier in der Lebenswelt des alten Israel, Neukirchener, Neukirchen-Vluyn 1993, 1-19.

15. F. Gruber, Im Haus des Lebens. Eine Theologie der Schöpfung, Pustet, Regensburg 2001, 196.

16. A. Rotzetter, Gott und das Fleisch. Mensch und Tier im Bund mit Gott: Gen 8,21-9,17, in https://tinyurl.com/2p9byndw (01-03-2022).

17. João Paulo II, Carta encíclica Dominum et vivificantem (18-05-1986), n. 50.

18. Cf. C. Southgate, The Groaning of Creation. God, Evolution, and the Problem of Evil, Westminster John Knox Press, Louisville - London 2008, 78-91.

19. Cf. M. Reményi, Apokalyptischer Weltenbrand oder Hoffnung für den ganzen Kosmos? Theologische Überlegungen zum Ende der Welt, in «Theologische Quartalschrift» 188 (2008) 50-68; M. Kehl, Neue Hoffnung für den Kosmos. Über das Heraustreten der Erde aus dem Schatten des Menschen, in «Salzburger Theologische Zeitschrift» 1 (1997) 15-23.

20. Cf. M. Rosenberger, Der Traum vom Frieden zwischen Mensch und Tier. Eine christliche Tierethik, Kösel, München 2015, 123-125.

21. Cf. G. Häfner, Das sehnsüchtige Harren der Schöpfung. Röm 8 und die Frage nach der Erlösung der Tiere, in «Münchener Theologische Zeitschrift» 70 (2019) 305-318.

 

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