18 Março 2022
Em poucos dias, o Professor Franco Cardini - emérito de História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais de Florença, agora absorvido na Scuola Normale de Pisa – foi apontado como pró-putiniano e pró-hitleriano. Ao telefone, ele nos explica assim: “Uma noite, depois de uma conferência no Rotary sobre os problemas da Europa e da Ásia, uma senhora me disse: Professor, não entendi se você é fascista ou comunista. E eu respondi: Senhora, escolha você mesma. Além da brincadeira, estive no Movimento Social quando jovem, depois passei para o castro-guevarismo, depois comecei a estudar. Hoje me defino católico, socialista e europeísta”.
A entrevista é de Silvia Truzzi, publicada por il Fatto Quotidiano, 17-03-2022.
Professor, você é mesmo um apoiador de Putin?
Amo a Rússia, onde estudei, amo sua literatura e sua música. Mas não tenho nenhuma simpatia pelo ex-coronel da KGB: na época escrevi muito mal sobre o que ele fez na Chechênia. Percebi, em minhas últimas viagens à Rússia, que ele organizou um estado autoritário e oligárquico, ao mesmo tempo em que restaurou um pouco de estado social.
Por que qualquer tentativa de problematizar e explicar é criminalizada?
É uma antiga síndrome ocidental, que até certo ponto o humanismo e o iluminismo radicaram. Ou seja, a ideia de que, no fundo, o Ocidente nunca está errado. É o que Hegel chamava de “a noite sem ocaso na história do mundo”: o Ocidente é o melhor dos mundos possíveis, sem ‘se’ nem ‘mas’. Isso implica que erros e limitações não podem ser admitidos: sempre que há alguma falha - veja Trump - ela é descartada como um caso isolado, o louco da vez e assim por diante.
As outras posições são sempre macarthismo. Claro que seria necessária uma opinião pública diferente, medianamente culta, racional e intelectualmente honesta, que infelizmente não temos.
Uma vez se dizia que a história deveria ser compreendida sem demonização. Não vale mais?
Veja, o fato de que há fermentos nacionalistas e nacional-socialistas na Ucrânia, só para dar um exemplo, é verdade. Também entendo as razões históricas e tomo cuidado para não as demonizar. Os males absolutos são continuamente evocados, mas colocar o bigodinho de Hitler ou o bigodão de Stalin em um ou outro vilão de plantão não ajuda a entender.
Do ponto de vista do direito, estamos diante da agressão de um Estado soberano.
Muito bem: o Tribunal de Haia pode processar a Federação Russa. Mas eu lhe pergunto: quando serão os processos contra a OTAN (colocada sob o alto comando dos EUA) pelas intervenções na Sérvia, Afeganistão, Iraque, Síria?
Zelensky disse: "Não podemos entrar na OTAN, deve ser admitido". Esta é uma brecha para um fim da guerra que não implique a rendição da Ucrânia?
Não quero a rendição da Ucrânia, por respeito a um povo e a uma terra que amo. Se eu fosse Putin, faria questão de deixar uma saída digna para o adversário. Penso que Putin tenha decidido a invasão antes que a Ucrânia se juntasse à OTAN, porque depois - sendo a OTAN uma aliança defensiva - teria sido uma guerra mundial de fato. No documento de 15 de dezembro de 2021, o governo russo havia proposto um compromisso ao governo dos EUA para uma "finlandização" da Ucrânia, a não entrada da Ucrânia na OTAN e a independência das Repúblicas do Donbass. Coisas que estavam nos acordos de Minsk e que não foram respeitadas. Mais uma vez, saber serve para entender e não para justificar uma ou outra parte.
O que você pensa sobre o envio de armas e sobre as sanções?
Enviar armas para a Ucrânia em tempos de conflito representa formalmente um ato de guerra da OTAN contra a Rússia. De 1914 a 1917, os EUA enviavam ajuda à Inglaterra sob a desculpa da lei sobre o aluguel e os empréstimos: o Kaiser afundava os comboios britânicos com submarinos. E no final eles também entraram no conflito: vamos tentar não chegar a isso. Quanto às sanções contra a Rússia: a Rússia paga, mas a Europa também paga, enquanto os EUA e a OTAN, que pagam muito pouco, nem ligam.
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“Enviar armas é um ato formal de guerra da OTAN”. Entrevista com Franco Cardini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU