26 Fevereiro 2022
A guerra na Ucrânia sacudiu o encontro episcopal sobre o Mediterrâneo no convento florentino de Santa Maria Novella, na Itália. No G30 dos bispos, o grande ausente é Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana, que optou por permanecer em Kiev para ficar perto do seu povo.
O comentário é de Marco Grieco, jornalista italiano, em artigo publicado em Domani, 25-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Trata-se de um verdadeiro ataque à Europa, à segurança, ao futuro de todo o continente europeu”, trovejou o cardeal Gualtiero Bassetti na carta lida ontem, depois interceptada pelo presidente dos bispos da União Europeia, Jean-Claude Hollerich: quando a reunião extraordinária do Conselho Europeu sobre as sanções a serem impostas à Rússia era convocada em Bruxelas, o purpurado jesuíta reiterou o seu apelo “às autoridades russas para que se abstenham de mais ações hostis que infligiriam ainda mais sofrimentos e violariam os princípios do direito internacional”.
A última palavra do papa remonta a quarta-feira passada, quando convocou um jejum pela paz na próxima quarta-feira, apelando “a quem tem responsabilidade política para que faça um sério exame de consciência diante de Deus, que é o Deus da paz e não da guerra: o Pai de todos, não só de alguns, que nos quer irmãos, e não inimigos”.
Alguns no Vaticano falam de prudência excessiva por parte do papa. O próprio Shevchuk esperava uma viagem simbólica do pontífice a Kiev nas últimas semanas para aliviar a tensão com a Rússia.
No entanto, Francisco preferiu agir com uma modalidade peculiar de intervenção, teorizada ainda em 2015 pelo cardeal Pietro Parolin em uma lectio magistralis na Universidade Gregoriana: a oração por um lado, a construção da paz por outro.
É a doutrina Francisco, explicada por ele mesmo em entrevista ao sociólogo Dominique Wolton: “O que a Igreja deve fazer, então? Pôr-se de acordo com um ou com o outro? Essa seria a tentação que remeteria à imagem de uma Igreja imperialista, que não é a igreja de Jesus Cristo, de serviço”.
Francisco, porém, tira da Santa Sé o seu papel diplomático internacional, decepcionando de fato aquela opinião pública que, lembrando-se de precedentes como o degelo dos Estados Unidos com Cuba ou o beijo aos pés dos líderes sul-sudaneses, via nele o único bombeiro capaz de apagar o fogo da guerra agora em curso.
Há pelo menos duas ocasiões em que Francisco tomou posições claras. Em 2013, ele havia sido eleito pontífice há pouco tempo quando mediou para evitar a intervenção armada do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na Síria.
Para diminuir as tensões, ele havia escrito uma longa carta a Vladimir Putin, desejando que “os líderes dos Estados do G20 não fiquem inertes diante dos dramas que a querida população síria vive há já muito tempo e que correm o risco de trazer novos sofrimentos”.
Dois anos depois, ele desfez as preocupações dos serviços secretos franceses de que não poderiam garantir a segurança adequada para a sua viagem à República Centro-Africana, decidindo partir mesmo assim e conseguindo uma trégua entre as facções islâmica e cristã de Bangui somente mais tarde.
Antes dele, gestos proféticos de peso geopolítico haviam sido feitos pelo Papa João Paulo II. Em um mundo dividido pela Cortina de Ferro, em 1979 Wojtyła superou os “niet” diplomáticos dirigindo-se para a Polônia e desencadeando um movimento que confluiu na constituição do Solidarność.
Em 2003, ele tentou frear firmemente os planos da “guerra preventiva” de George Bush no Iraque, enviando o cardeal Roger Etchegaray para conversar com Saddam Hussein e o cardeal Pio Laghi, amigo de longa data da família Bush, para negociar com o presidente dos Estados Unidos.
Hoje, Francisco prefere escolher uma terceira via. Um traço paradoxal para o pontífice que tornou prioritária na sua agenda a hostilidade à guerra e aos armamentos.
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Crise na Ucrânia. O papa que troveja contra as guerras optou por uma diplomacia “tímida” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU