23 Novembro 2021
"Dicionários. O vocabulário teológico de Xavier Léon-Dufour e as coleções de lemas de Mircea Eliade e Julien Ries sobre festas e religiosidade da Oceania".
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 21-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até mesmo um texto sobre teologia pode ser um long seller. É o caso que agora posso atestar por experiência própria. Já em 1966, quando recebi a ordenação presbiteral, prevendo meu futuro de estudos, amigos, parentes e padres me presentearam principalmente com livros. Bem, encontrei-me assim com quatro cópias idênticas do mesmo volume: era o Dicionário de Teologia Bíblica recém traduzido para o italiano. Passado mais de meio século, o texto chega novamente a mim em anastática, após ter superado dezenas de edições em diversos idiomas, a partir da inicial. De fato, a obra viu em ação uma legião de cerca de setenta estudiosos franceses, todos já desaparecidos, dirigidos por um grande mestre, o exegeta jesuíta Xavier Léon-Dufour (1912-2007).
Agora folheio a reimpressão e voltam à minha memória as tantas vezes em que, desde o início de meu empenho como estudioso das Sagradas Escrituras, busquei recurso nesses verbetes. Floresciam do fervor ligado ao Concílio Vaticano II e colhiam os frutos de uma hermenêutica cada vez mais refinada, baseada em uma rigorosa análise histórico-crítica e teológica. E ainda hoje, apesar da subsequente ampliação do horizonte de pesquisa, o conteúdo dessas páginas continua sendo impecável e precioso. A capacidade de direcionar o discurso de forma diacrônica é extraordinária sem, no entanto, penalizar a síntese temática, mesmo quando as categorias são complexas como "graça", "fé", "pecado", "lei", "Igreja", "Deus", "Jesus Cristo" ou são verbetes menores, porém significativos, como "adultério", "nuvem", "doença", "trabalho", "joelho", "desejo" e assim por diante.
Quem quiser ter um mapa essencial da mensagem bíblica nas suas coordenadas fundamentais, com uma clareza que é a clarté francesa quase cartesiana, mas também com uma alma apaixonada pascaliana, ainda hoje pode recorrer sem hesitação a esse instrumento não é apenas pastoral, mas também cultural. Como o termo "dicionário" implica, por meio dessa sequência de verbetes, é "dita" uma trama da concepção bíblica da transcendência, da história e de todo o ser, um conjunto temático que tem orientado a cultura ocidental. E como se sabe, "dizer" tem como base a raiz dik/deik que denota o "demonstrar", ou seja, o argumentar um tema em sua plenitude.
Ao mesmo tempo, dois outros dicionários bastante originais chegaram às livrarias, também resultado de uma reedição. Inclusive nesse caso, a multidão de colaboradores especializados é liderada por dois verdadeiros "monumentos" da pesquisa em antropologia religiosa: de um lado, o famoso Mircea Eliade (1907-1986), que migrou primeiro da Romênia original para a Sorbonne em Paris e depois para a Universidade de Chicago; pelo outro, o clérigo belga Julien Ries (1920-2013), professor em Louvain, nomeado cardeal por Bento XVI em 2012, figura que já apresentamos em outras ocasiões por seus estudos da história das religiões, traduzidos pela Jaca Book.
Em cena, agora, estão em primeiro lugar as festas, um repertório fecundo de experiências que se entrelaçam com tradições populares e temas espirituais, folclóricos e ritos. Pode-se realmente afirmar que essa tipologia de dicionário admite o que costuma ser excluído para o gênero em questão, ou seja, a leitura contínua, tanto os diversos verbetes são verdadeiras miniaturas de mundos repletos de surpresas, partindo do culto dos mortos, passando através dos vários calendários sacrais, cerimônias arcaicas e recentes, teatro e dança, mitos e jogos sagrados para chegar até a curiosidades totalmente inesperadas, como o All Fool’s Day (o nosso "Dia da Mentira").
Nessa linha escolhemos um lema à primeira vista extravagante, também reproposto no outro dicionário, editado apenas por Eliade e dedicado às religiões da Oceania, um horizonte remoto, ultimamente objeto de particular interesse porque nos permite encontrar visões muitas vezes ligadas a populações insulares (Melanésia, Micronésia, Polinésia, ilhas várias do Pacífico) preservadas intactas ao longo dos séculos. Pois bem, neste e no outro dicionário encontramos o verbete sobre os extravagantes cargo cults.
Em 1980, em Mastang, Papua, uma carreata de uma aldeia católica parou em frente à sede do Banco Central. O porta-voz ordenou ao diretor europeu que lhe entregasse a chave do cofre, pois Deus havia lhe revelado o caminho para o uso correto do dinheiro para o bem comum.
Era uma forma de rebelião contra o governo colonial, colorida de matizes apocalíptico-milenaristas. O culto se espalhou e teve como objetivo induzir os deuses a enviarem seus ancestrais com suprimentos de novas riquezas, alimentos, utensílios, equipamentos militares. Na realidade, essa tradição religiosa já havia florescido no século XIX e o fenômeno é examinado em sua dimensão socioespiritual composta em uma análise que vai além da mera curiosidade. Citamos esse pequeno exemplo porque ele confirma a qualidade de tais instrumentos, que abrem vislumbres sobre experiências não apenas mágicas, mas que revelam um espectro variegado de interpretações, símbolos, temas e arte capaz de se expandir a vastos âmbitos regionais, mas também de se restringir a pequenas comunidades (como os Tikopia, Ungarinyin, Walbiri, Maori, Ngukurr). Uma viagem-peregrinação que surpreende a cada etapa.
Dizionario di teologia biblica, Org. Xavier Léon-Dufour, Dehoniane, p. 1418, € 60
Dizionario delle feste. Org. Mircea Eliade, Julien Ries, Jaca Book, p. 240, € 40
Dizionario delle religioni dell’Oceania, Org. Mircea Eliade, Jaca Book, p. 346, € 40
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Os mapas da mensagem bíblica. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU