16 Novembro 2021
"Os poderosos do mundo jogando uma moedinha na Fontana di Trevi representam um canto do cisne: o de uma democracia que anda para trás, de uma riqueza cega, de uma falta de visão e de projeto".
A opinião é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 12-11-2020. A tradução é de Anne Ledur Machado.
Caminhando por Roma em meados do século XVIII, qualquer viajante logo se daria conta de que, ao lado da efervescente leveza do rococó, a arquitetura e as artes contemporâneas continuavam falando a língua solene e majestosa do barroco pleno: muitas vezes, aliás, tornando-o mais severo, essencial, em certo sentido, clássico.
Essas duas temporadas do gosto conviviam no tempo e no espaço, produzindo a singular sensação de uma espécie de “romper fileiras!”: uma temporada cultural inteira chegava ao fim, mas fazia isso com um crescendo paroxístico de empreendimentos artísticos.
A obra em que se encontram e convivem as duas linguagens diferentes e opostas da Roma do início do século XVIII é a Fontana di Trevi, provavelmente o edifício do século XVIII mais famoso do mundo.
A partir de 1732, o arquiteto Nicola Salvi transformou a fachada de um edifício em uma espécie de moderníssimo arco triunfal imperial, cujo arco central devia servir para conter uma monumental estátua de Netuno, de pé sobre uma carruagem aquática, movendo-se sobre um penhasco, que termina em uma enorme bacia cheia de água, cercado por escadas e quase tão grande quanto a pequena praça à sua frente.
Se a arquitetura do palácio-arco é sem dúvida clássica, neorrenascentista, e continua a tradição das outras “mostras” dos diversos aquedutos que levam água a Roma (neste caso, aquele chamado de “Acqua Vergine”), a invenção do palácio-fonte segue algumas ideias de Pietro da Cortona e de Bernini, e se reconecta diretamente com a pirotecnia dos aparatos efêmeros e dos alagamentos festivos do século XVII: a ideia de um teatro aquático, com degraus para os espectadores, que invade o espaço urbano e o transforma em uma visão era, de fato, o non plus ultra do barroco.
No entanto, o espírito do rococó também paira sobre a Fontava: “O Netuno um pouco frívolo de Pietro Bracci, de pé como um professor de dança em uma enorme concha rocaille, está tão distante do espírito das obras de Bernini quanto o caráter pitoresco dos numerosos riachos ou a união artificial de bacias convencionais com rochas naturais. No entanto, a Fontana di Trevi é o esplêndido canto do cisne de uma época que devia todos os seus impulsos vitais a um único grande artista, Bernini” (Rudolf Wittkower).
Até mesmo os poderosos do mundo que lhe dão as costas jogando uma moedinha nela – cena grotesca que parece ter sido inventada por Paolo Sorrentino – representam, apesar deles mesmos, um canto do cisne: o de uma democracia que anda para trás, de uma riqueza cega, de uma falta de visão e de projeto.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Quando os cisnes cantam na Fontana di Trevi. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU