O Papa entre Biden e Xi resiste às pressões chinesas sobre a “questão Taiwan”. Artigo de Massimo Franco

Foto: David Lienemann/Wikimedia Commons

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25 Outubro 2021

 

"Para o Vaticano, é a típica situação em que o soft power, único à sua disposição, revela todos os seus limites. E a inclinação para o diálogo se choca com o pedido de seus interlocutores de decidir de que lado ficar", escreve Massimo Franco, em artigo publicado por Corriere della Sera, 24-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

“A China gostaria que rompêssemos as relações diplomáticas com Taiwan, prometendo em troca inaugurá-las conosco. Mas sempre respondemos que primeiro Pequim deve permitir-nos abrir uma nunciatura apostólica na capital. Só então poderemos revisar nossas relações com o governo de Taipei. Como esse passo nunca foi dado, a situação permanece como estava. E esperamos que a situação não piore ...”. É a primeira vez que a questão das relações sino-vaticanas e das relações com Taiwan é claramente formulada vinda dos níveis mais altos da diplomacia da Santa Sé. E o anonimato não tira peso ou autoridade daquilo que filtra.

Até porque é divulgada por aqueles cuidadosos salões em um momento bastante particular. A tensão entre a China e os EUA está aumentando. E a Roma papal, junto com Taiwan, se encontra novamente entre dois fogos, por enquanto felizmente apenas virtuais. A tentativa é resistir às pressões vindas dos Estados Unidos e também de Pequim para que seja feita uma escolha de campo: que por enquanto, porém, não vai acontecer. A esperança de que a situação melhore é mais frágil do que há três anos, quando os negociadores do Papa Francisco e do presidente Xi Jinping assinaram um acordo temporário e secreto para chegar a um acordo sobre a nomeação dos bispos na China: um acordo assimétrico, mas aceito pelo pontífice para evitar “um cisma de fato, porque Pequim teria nomeado bispos fiéis ao regime”, explica-se, “esmagando ainda mais a Igreja Católica ‘clandestina’ fiel a Roma”.

Trata-se de uma minoria de pouco mais de dez milhões de fiéis, segundo uma estimativa padrão, em um país que tem um bilhão e 400 milhões de habitantes. Mas é simbólica e estratégica para um catolicismo que emerge de décadas de perseguições. A verdadeira motivação para um movimento que continua a provocar consequências controversas foi, portanto, a exigência de evitar um cisma, e ainda é reivindicado como o mal menor. Mas, nos últimos dois anos, a distensão sofreu um revés, também devido à evolução da conjuntura internacional. Uma agressiva potência asiática determinada a expandir-se para aquela que considera a sua esfera de influência está mostrando sinais de nervosismo. E os Estados Unidos parecem determinados a impedir seus objetivos cercando Pequim com uma série de alianças regionais.

Para o Vaticano, é a típica situação em que o soft power, único à sua disposição, revela todos os seus limites. E a inclinação para o diálogo se choca com o pedido de seus interlocutores de decidir de que lado ficar: ainda que os colaboradores do Papa lembrem que a Santa Sé, por tradição histórica, tende a nunca romper as relações diplomáticas. Os analistas do Vaticano vêm acompanhando a escalada militar chinesa há meses. Seus relatos registram "passos perigosos" em direção a uma Guerra Fria com o Ocidente que também colocaria em risco a independência da ilha de Taiwan: uma espécie de "província separada" desde 1949, quando os inimigos do regime comunista de Mao Tsé Tung ali se estabeleceram.

Há meses, a ameaça de uma "reunificação" com a "pátria mãe" vem se agravando. E expõe demais uma Santa Sé que continua a ser o único Estado ocidental a ter mantido relações com um governo pró-Ocidente que Pequim pretende banir em nível mundial, como um pré-requisito para normalizar aquela anomalia por bem ou por mal. As outras nações que mantêm relações diplomáticas com a democracia de Taipé são apenas 15, com peso geopolítico irrisório: reduzidas a menos da metade em comparação com as 32 em 2000, graças a uma operação de lobby científico, que visa isolar aquela que antes era chamada de Formosa, a apenas 180 quilômetros por mar da China comunista. A assertividade do regime anda de mãos dadas com uma acentuação do controle de parte do Partido Comunista.

As dificuldades econômicas levam a temer um reflexo nacionalista e da tentativa do regime de Pequim de descarregar as tensões no exterior, sobre um "inimigo". Trata-se de um terreno escorregadio, que cruza as perplexidades dos Estados Unidos sobre o acordo Vaticano-China. Em menos de uma semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, encontrará o Papa Francisco pela primeira vez como autoridade eleita. Ele o havia encontrado como vice de Barack Obama no final de 2015, em Filadélfia. As relações com a superpotência asiática continuarão sendo o pano de fundo de uma conversa que promete ser cordial, amistosa e ao mesmo tempo potencialmente espinhosa. E não apenas porque o chefe da Casa Branca acaba de declarar que os EUA defenderão inclusive militarmente Taiwan de um ataque chinês.

Biden, depois de John Kennedy, é o segundo presidente católico estadunidense. E ele reivindica a sua fé religiosa, ao contrário de Kennedy que temia as reações protestantes. Mas em questões como o aborto, novamente definido como "um homicídio" há poucos dias pelo pontífice argentino, as distâncias são vistosas. E no ano passado, outro tema divisivo apareceu. “Dos bispos estadunidenses, mas também de muitos episcopados latino-americanos, estamos recebendo sinais preocupantes pela forma como o governo Biden administra o problema da imigração”, alertam os homens mais próximos de Francisco. "Donald Trump teve uma atitude mais vigorosa e flagrante contra aqueles que tentavam entrar nos EUA pelo Sul. Mas no final, a hostilidade e a dureza para com os imigrantes são bastante semelhantes entre ele e Biden”. É uma questão à qual o Papa é muito sensível e que divide a opinião pública tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Traz de volta o ditado segundo o qual "para a Santa Sé é melhor tratar com presidentes estadunidenses não católicos". Para tornar mais inquietos tanto o Vaticano como o episcopado dos Estados Unidos, desde sempre na trincheira contra o chamado "relativismo ético", soma-se uma Igreja em grande dificuldade.

As contribuições financeiras dos benfeitores estadunidenses estão diminuindo, devido aos escândalos e à longa onda de casos de pedofilia. Mas, acima de tudo, "estamos percebendo que a secularização do Ocidente está acontecendo em todos os lugares: até mesmo em nos EUA que considerávamos capaz de resistir a essa deriva cultural", observa um alto expoente do Vaticano. O temor, em perspectiva, é o de “um catolicismo cada vez mais de minoria. Apegado aos seus valores, determinado a testemunhá-los. Mas com o risco de se tornar uma fé de elite. Por outro lado, a ideia de atender os sinais dos tempos mostra-se suicida. Ela foi seguida pelas confissões protestantes que se encontram em situação pior do que a nossa”.

 

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