18 Outubro 2021
"Precisamos de um projeto de país que nos leve ao futuro! Para isso, precisamos romper com nossa infância política, que nos prende ao populismo, que é o caldo de cultura do culto ao personalismo. No momento crucial em que precisamos discutir quais forças podemos unir para salvar o país, ficamos discutindo quem pode ter mais votos para ser o nosso salvador. Desconfio seriamente da boa fé de quem defende que 'primeiro é preciso derrotar a extrema direita bolsonarista, depois a gente terá tempo para tratar do resto'. Em última análise é uma paráfrase da infeliz – e nada inocente – frase de Delfim Netto: primeiro é preciso fazer o bolo crescer, para depois dividir", escreve Wilmar R. D’Angelis, indigenista, doutor em Linguística, professor da área de Línguas Indígenas da UNICAMP.
Há uma coisa que une, hoje, toda a classe política brasileira, da esquerda à direita: todos estão preocupados, fazendo contas e fazendo gestos com vistas às eleições presidenciais de 2022. Até aqueles que desejam o impeachment de Bolsonaro já, e aqueles que são contra o impeachment (de forma pública, ou apenas reservadamente), tomaram posição a respeito disso, com olho nas eleições do ano que vem. Se Bolsonaro fica, a polarização nas eleições aponta para vitória de Lula; e se ele sai, cria-se espaço para o surgimento de uma “terceira via”, isto é, de uma candidatura de centro-direita (Ciro, Doria, Eduardo Leite, Datena, Moro, Mandetta etc.).
As posições pró e contra impeachment, portanto, estão orientadas pelos resultados das pesquisas de intenção de votos sobre as eleições presidenciais de 2022. Já faz alguns meses que, a cada duas ou três semanas, uma nova pesquisa aponta uma disputa entre dois candidatos no 2º turno: Lula e Bolsonaro, com o primeiro, reiteradamente, marcando uma vitória acachapante sobre o segundo. Nas pesquisas sobre o primeiro turno, ninguém, exceto os dois, vai além de 12% (o terceiro colocado é sempre Ciro, mas com apenas metade das intenções de votos do atual Presidente). E nas simulações para o 2º turno, com diferentes opositores de Bolsonaro, somente Lula ultrapassa o atual Presidente com mais de 20% das intenções de voto.
Para os que defendem e desejam a chamada “terceira via”, não importa se ela vem da própria classe política (como Ciro, Doria ou Eduardo Leite) ou se é uma celebridade capaz de arrebanhar votos (Datena, Sérgio Moro ou Luciano Hulk); também não importa se ela passa de 30% de rejeição (como Ciro e Doria) ou fica abaixo de 20% nesse quesito (como Datena e Eduardo Leite). A missão de uma terceira via – seja qual for a cara que ela tenha – é criar a possibilidade de derrotar Lula, caso Bolsonaro não esteja concorrendo.
A reflexão que proponho, neste artigo, é sobre a cultura política que move todos esses protagonistas. Não me refiro apenas aos candidatos, mas a toda a classe política e a empresarial, empenhadas nessa disputa já em andamento.
De um lado a outro do espectro político, sonha-se com um “salvador” da pátria, que será o próprio Bolsonaro, para os que ficaram estacionados – política e historicamente desinformados – na era do regime militar; será o Lula, para os que reconhecem os ganhos históricos de uma parte importante e marginalizada da população, nos anos de seus governos; será o inominado candidato da “terceira via”, para os que entendem o atraso social, político e cultural que Bolsonaro encarna e representa, mas que são anti-PT, por variados motivos.
Os gravíssimos problemas trazidos pela pandemia, incluindo a pauperização de uma parcela enorme da população e o drama real da fome com quem milhões de brasileiros convivem agora diariamente, são temas gritantes, que sequer precisariam ser mencionados nos palanques eleitorais; isso está nas rádios e nos telejornais, no mínimo três vezes por dia. Mas a destruição ambiental, da Amazônia à Mata Atlântica, chegando por fim ao Pampa riograndense, passando pelo Pantanal e pelo Cerrado, e chegando aos santuários marinhos da costa brasileira, apesar da crise hídrica e energética que se tornaram parte da nossa vida no século XXI, não está colocada no debate eleitoral.
Para os petistas, basta tirar Bolsonaro e eleger Lula, que “seus problemas acabaram”. Para os que sonham com uma terceira via, basta tirar Bolsonaro e evitar a vitória de Lula, que os problemas do país se resolvem, seja qual for o presidente.
Ninguém está discutindo um programa para salvar o país, não apenas das emergências do presente (que precisam respostas urgentes), mas salvar o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos e netos. Quem está informado do que está acontecendo na Amazônia, e acompanha o que está acontecendo no mundo em termos ambientais, sabe que é urgente definirmos o rumo de uma política ambiental no país que, além de nos salvar, salve o planeta junto.
Precisamos de uma política energética responsável, uma política de transportes responsável, uma política de proteção ambiental efetiva, uma política da água, de saneamento e uma política de resíduos sólidos que também obriguem os municípios a cumprir suas responsabilidades. Precisamos de uma política econômica que privilegie a mão-de-obra, e de uma política educacional que nos tire do patamar de país exportador de commodities, papel que desempenhamos há mais de 500 anos! Para isso, precisamos de uma política agrícola que não favoreça a transformação da terra em mero negócio.
Há uma diferença entre agricultor e agro-negociante (ou agro-business); o verdadeiro agricultor, seja de que porte for sua produção agrícola, sabe que a destruição do meio-ambiente em geral, e da Amazônia em particular, vai tornar a agricultura inviável em qualquer lugar do país, em uma ou duas décadas. O agronegócio não está preocupado com isso; vai lucrar às custas da terra e do meio-ambiente, enquanto puder, e depois investirá sua fortuna em outro negócio, ou na exploração de outro país.
Precisamos de um projeto de país que nos leve ao futuro! Para isso, precisamos romper com nossa infância política, que nos prende ao populismo, que é o caldo de cultura do culto ao personalismo. No momento crucial em que precisamos discutir quais forças podemos unir para salvar o país, ficamos discutindo quem pode ter mais votos para ser o nosso salvador. Desconfio seriamente da boa fé de quem defende que “primeiro é preciso derrotar a extrema direita bolsonarista, depois a gente terá tempo para tratar do resto”. Em última análise é uma paráfrase da infeliz – e nada inocente – frase de Delfim Netto: primeiro é preciso fazer o bolo crescer, para depois dividir.
Se for para escolher um herói salvador, um nome de alguém com poderes próprios e excepcionais que possa nos salvar por sua força descomunal, eu voto no He-man. Todos sabemos que ele tem a força, pelos poderes de “Grayskull” (“crânio cinza”). Quem sabe seja uma alusão à massa cinzenta, que tanta falta faz aos nossos políticos.
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Lula, 3ª Via ou He-Man? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU