28º Domingo do tempo comum – Ano B – Viver o Evangelho segundo a lógica do dom

Por: MpvM | 09 Outubro 2024

"A história do homem rico que não está disposto a integrar a comunidade do Reino porque não está preparado para viver no amor, na partilha, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para oferecer aos discípulos mais uma catequese sobre o Reino e as suas exigências. O “caminho do Reino” é um caminho de despojamento de si próprio, que tem de ser percorrido no dom da vida, na partilha com os irmãos, na entrega por amor." 

A reflexão é de Maria José Lopes, religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência - IDP. Ela é bacharel em teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF, possui formação em Saúde e Espiritualidade pelo Instituto de Cardiologia de Porto Alegre e pela ESTEF e Formação em Psicologia Pastoral pelo Centro Evangélico de Missão - CEM, Viçosa/MG. Atualmente atua em pastoral e formação bíblica em Jacundá, Pará.

 

Leituras do Dia

1ª Leitura - Sb 7,7-11
Salmo - Sl 89,12-13.14-15.16-17 (R.Cf. 14)
2ª Leitura - Hb 4,12-13
Evangelho - Mc 10,17-30
Evangelho - Mc 10,17-27

Eis o texto.

Bom Mestre que devo fazer para herdar a vida eterna”?

A liturgia da Palavra deste domingo nos apresenta um conjunto de leituras muito valiosas para entrar no mistério, um caminho pedagógico que nos ajuda a fazermos opções.

A primeira  leitura (Sb 7,7-11), podemos chamá-lo de hino à sabedoria. É importante saber que O "Livro da Sabedoria" é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento: aparece durante o séc. I a.C.. O texto nos presenteia uma pessoa sábia que faz um hino à sabedoria. Este poema pode nos ajudar a adquirir a verdadeira sabedoria. E a verdadeira sabedoria é um dom de Deus. Portanto, é um convite a buscarmos com intensidade este dom. Assim, a pessoa que a busca terá clareza de fazer opções coerentes que a leve a abrir mão dos valores que não trazem realização.

Este texto é elaborado em um período de diáspora em Alexandria, num mundo helenizado, em que os judeus estão sendo duramente forçados em aderir a cultura do mundo helênico e abandonar a fé em Javé, deixada pelos patriarcas e matriarcas. É neste ambiente que esta pessoa sábia em Israel com muita coragem, provavelmente autora do Livro da Sabedoria, decide defender os valores da fé e da cultura do seu povo. Convida o povo “judaizante” a redescobrir a fé dos antepassados reafirmando que somente Javé garante a verdadeira sabedoria e a verdadeira felicidade.

O Evangelho

Marcos apresenta Jesus caminhando com seus discípulos em direção a Jericó. O caminho é pedagógico, catequético. No caminhar, Jesus vai catequisando seus discípulos sobre as exigências para quem quer segui-lo. De repente “chega um homem e pergunta a Jesus o que ele deve fazer para possuir a vida eterna”. Este homem não vem para questioná-lo, nem para pôr à prova, mas chega para buscar ajuda sobre algo muito importante: “A vida eterna”.

A primeira resposta de Jesus não traz nada de novo ao homem, remete-o aos mandamentos da Torah: "não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe" (vers. 19).

De acordo com a catequese feita pelos mestres de Israel, quem vivesse de acordo com os mandamentos da Lei, receberia de Deus a vida eterna. O viver de acordo com as propostas de Deus é, também na perspectiva de Jesus, um primeiro passo para chegar à vida eterna.

Esse novo passo tem um outro grau de exigência. Jesus aponta três requisitos fundamentais que devem ser assumidos por quem quiser integrar a comunidade do Reino:

1º) Não centrar a própria vida nos bens passageiros deste mundo.
2º) Assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais pobres,
3º) Seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega (vers. 21).

Apesar da boa vontade, o homem não está preparado para estas exigências. Vai embora muito triste. Certamente esta pessoa estava presa às suas riquezas e não estava disposta a vender e dar aos pobres (vers. 22).

O homem de que se fala nesta cena certamente é um piedoso observante da Lei. Mas não tem coragem para renunciar às suas seguranças humanas, aos seus esquemas feitos, aos bens terrenos que lhe escravizam o coração. A sua incapacidade para assumir a lógica do dom, da partilha, do amor, da entrega, tornam-no inapto para o Reino. O Reino é incompatível com o egoísmo, com o fechamento em si próprio, com a lógica do "ter", com a obsessão pelos bens deste mundo, o capitalismo que escraviza a pessoa humana.

A história do homem rico que não está disposto a integrar a comunidade do Reino porque não está preparado para viver no amor, na partilha, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para oferecer aos discípulos mais uma catequese sobre o Reino e as suas exigências. O “caminho do Reino” é um caminho de despojamento de si próprio, que tem de ser percorrido no dom da vida, na partilha com os irmãos, na entrega por amor.

Ora, quem não é capaz de renunciar aos bens passageiros deste mundo (ao dinheiro, ao sucesso, ao prestígio, às honras, aos privilégios, a tudo isso que prende o homem e o impede de dar-se aos irmãos) não pode integrar a comunidade do Reino. Não se trata apenas de uma dificuldade, mas de uma verdadeira impossibilidade: “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus” (vers. 25). Os bens do mundo impõem à pessoa uma lógica de egoísmo, de fechamento, de escravidão que são incompatíveis com a adesão plena ao Reino e aos seus valores. O discípulo e a discípula que quer integrar a comunidade do Reino deve estar sempre numa atitude radical de partilha, de solidariedade, de doação.

A reação dos discípulos diante da exigência de Jesus é grande e assustadora. Então quem pode ser salvo? ( Vers.26)

Em resposta, Jesus pronuncia palavras de conforto, apresentando o poder de Deus incomparavelmente maior do que a debilidade humana: “aos homens é impossível, mas não a Deus; porque a Deus tudo é possível” (vers. 27). A ação de Deus (gratuita e misericordiosa) pode mudar o coração da pessoa e fazê-la acolher as exigências do Reino. É preciso, no entanto, que o homem e a mulher esteja disponível para escutar Deus e para se deixar desafiar por Ele.

Na segunda parte do nosso texto (vers. 28-30) os discípulos, pela voz de Pedro, recordam a Jesus que deixaram tudo para o seguir. A renúncia dos discípulos não é, contudo, uma renúncia que se justifica por si mesma e que tem valor em si mesma… Os discípulos de Jesus não escolhem a pobreza porque a pobreza, em si, é uma coisa boa; nem deixam as pessoas que amam pelo gosto de deixá-la. Quando os discípulos de Jesus renunciam a determinados valores (muitas vezes valores legítimos e importantes), é em vista de um bem maior – o seguimento de Jesus e o anúncio do Evangelho. Jesus confirma a validade desta opção e assegura aos discípulos que o caminho escolhido por eles não é um caminho de perda, de solidão, de morte, mas é um caminho de ganho, de comunhão, de vida.

A segunda leitura

A Carta aos Hebreus (4,12-13) é um sermão destinado as comunidades cristãs instaladas na monotonia e na mediocridade, que se deixaram contaminar pelo desânimo e começaram a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos. O objetivo do autor deste "discurso" é estimular a vivência do compromisso cristão e levar as pessoas cristãs a viver uma fé mais coerente conforme o Evangelho.

O texto que nos é proposto é uma espécie de hino à Palavra de Deus. Jesus Cristo é Palavra viva e eficaz, Ele veio para todas as pessoas. Com esta reflexão o autor quer levar as pessoas das comunidades cristãs a escutar atentamente a Palavra proposta por Jesus.

Esta Palavra é transformadora, penetra até a medula, e gera vida em quem a escuta e a vive.

Perguntas para refletir: Qual o lugar que a Palavra de Deus ocupa em minha vida? Sou capaz de encontrar tempo para escutar a Palavra de Deus? Estou disposta para estudá-la e partilhar? Tenho vontade para confrontar a minha vida com as suas exigências?

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