08 Setembro 2021
O 11 de setembro de 2001 marcou uma virada no imaginário dos Estados Unidos e confirmou a capacidade de aglutinação em torno de uma ideia comum de nação e de valores. Pouco depois, foram publicados contos assinados pelos maiores autores de então e de hoje: Don DeLillo, Toni Morrison, Paul Auster, textos poéticos de cantoras como Patti Smith e Laurie Anderson. Mas foi realmente assim? Perguntamos isso a Alessandro Portelli, ex-professor de literatura anglo-americana e crítico musical.
“Aquela tragédia gerou um sentimento de desorientação comum na população dos Estados Unidos: o de se sentir vulnerável pela primeira vez. Uma sensação estranha à visão de mundo dos EUA, que desde 1812 (guerra anglo-americana) não eram atacados em seu território nacional. Sensação que favoreceu a resposta militar para reafirmar o poder: a guerra contra o Afeganistão e contra o terrorismo de matriz islâmica”.
A entrevista é de Gian Mario Gillio, publicada por Riforma, semanário das igrejas Evangélicas Batistas Metodistas e Valdenses, 10-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um sentimento de medo por parte dos todo-poderosos?
Exatamente isso. Aquele sentimento de unidade que você evocou na primeira pergunta não foi uma verdadeira unidade compartilhada, mas um chamado à ordem. Bush filho disse: ‘Eles nos odeiam porque somos livres’, declarando de fato uma espécie de superioridade estadunidense em relação ao mundo ao redor, e evitando se questionar sobre o papel e a ação internacional de seu país.
A sociedade civil e política não estava totalmente favorável a uma resposta militar?
Após os trágicos acontecimentos, aqueles que ousavam questionar as afirmações e decisões de Bush eram suspeitos de 'antiamericanismo'. Foram realizadas também violências de cunho racista também contra qualquer um que se parecesse, mesmo que remotamente, com um muçulmano. E como os muçulmanos também são cidadãos estadunidenses, aquela ostentada unidade era de fato excludente. Foram clamorosas as agressões contra os Sikhs (do Punjab) confundidos com terroristas islâmicos por supremacistas brancos.
As canções de Patti Smith e Bruce Springsteen, os textos do escritor, roteirista e dramaturgo Don DeLillo (sem esquecer o filme de denúncia de Michael Moore) colocaram acentos problemáticos, mas a resposta oficial não os levou em consideração. Não podemos esquecer que no documento oficial de “estratégia de política externa” do governo dos Estados Unidos, o 11 de setembro foi definido como “uma oportunidade”, uma ocasião estratégica que forneceu as justificativas para a intervenção no Afeganistão.
O cenário das torres em chamas foi um duro golpe no coração dos EUA, da democracia, falou-se na época. Depois de Bush Jr, Obama, depois Trump e agora Biden: nesses vinte anos, apesar da alternância, é evidente que sempre houve uma tendência de reagrupamento, de ter uma visão política comum sobre o 11 de setembro. É assim mesmo?
Sim, unir-se e reagrupar-se, apesar das diferenças internas. A tentativa de Obama em seu discurso de posse foi extraordinária, generosa, quando disse: ‘Este é um país de cristãos e muçulmanos, de judeus e de ateus’. Foi um grande sinal, mas não foi além da declaração de princípios. Obama nunca fechou a base de Guantánamo, e a visão inclusiva que ele mesmo representava, a de ‘um afro-americano na Casa Branca’, gerou reações radicais extremas, primeiro com o Tea Party e depois com a eleição de Donald Trump. Portanto, a ideia de um país unido nada mais era do que uma imagem destinada a reafirmar as hierarquias raciais e sociais; os EUA produziram políticas de segurança e apertos às liberdades fundamentais com o nascimento do Departament of Homeland Security (o Departamento de Segurança Nacional, criado após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001), dando lugar a uma sociedade da vigilância cujos efeitos vimos durante o verão do Black Lives Matter.
E na Itália?
A Itália tende a importar o pior dos Estados Unidos. Então fomos ‘levados’ a empreender a deriva da intolerância para com os muçulmanos, deriva que uma específica política em honra da verdade já havia empreendido. É impressionante, a este respeito, que nestes dias marcados pela situação afegã, a expressão de solidariedade - por vezes autêntica, por vezes instrumental e, por vezes, retórica - para com as mulheres afegãs não se importe com o fato que estas mulheres também são muçulmanas.
Ao demonizar e desprezar o Islã como tal, também as desprezamos.
Voltando aos EUA, podemos dizer que o atentado de 11 de setembro de 2001 abafou algumas tensões que depois acabaram por reexplodir?
Quando Donald Trump afirmava Make America great again (Vamos fazer a América grande de novo), ele estava claramente se referindo a uma unidade excludente: os EUA da segregação e da discriminação racial. Portanto, é evidente que o desejo é de se reagrupar dentro de uma fronteira interna. Nenhum presidente jamais foi tão intencionalmente divisivo antes de Trump.
Temos aqui uma ideia da “grande província”, longe da sensibilidade das grandes metrópoles: mas ainda é assim?
Somos enganados pelo modelo eleitoral estadunidense, aquele do tipo ‘vencedor leva tudo’, que prevê 51% dos votos como ‘o ás que leva tudo’. Vemos o mapa dos EUA com estados vermelhos e estados azuis, como se não houvesse nada de azul nos vermelhos e de vermelho nos azuis. Como se Nova York, por exemplo, fosse toda Democratas, esquecendo-se, porém, que em Staten Island, um dos cinco bairros de Nova York, Trump obteve 62% dos votos ... A Geórgia, onde os Democratas obtiveram as duas cadeiras decisivas no Congresso, é ‘pintada’ nos mapas eleitorais como se fosse toda Democrata, enquanto na verdade os republicanos são quase a metade dos eleitores. Portanto, a chamada província estadunidense é um lugar de conflitos e diversidades exatamente como são as metrópoles.
Que herança o 11 de setembro deixou?
Daquele trágico acontecimento, diferentes sujeitos tiraram diferentes lições. O que certamente foi compreendido é que não podem ser travadas guerras contra o terror, contra o terrorismo.
Ainda hoje, mais do que nunca, com o Afeganistão, emergem os absurdos das respostas militares e a profunda vulnerabilidade de nosso estar no mundo. Um mundo que não pode ser defendido propugnando a democracia, mas negando-a de fato com a violência e implementando políticas de segurança. Só a profundidade, a análise, o respeito pelas diferenças e a ajuda mútua podem resolver crises e conflitos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Torres Gêmeas 2001-2021. Entrevista com Alessandro Portelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU