Pesquisadores analisam o legado e a atualidade da Campanha da Legalidade e o protagonismo do ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, ao resistir ao golpe militar, dividir as Forças Armadas e derrotar os golpistas
"Penso com independência. Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente". A frase do ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, em seu discurso pelas emissoras da Cadeia da Legalidade, às 11h do dia 28 de agosto de 1961, nos porões do Palácio Piratini, faz parte de uma série de pronunciamentos feitos por ele há exatos 60 anos, em defesa da legalidade e da democracia, para defender e garantir a posse de João Goulart na presidência da República depois da renúncia de Jânio Quadros. A Campanha da Legalidade, que iniciou no estado gaúcho e se espalhou para outros cantos do país, garantiu que Jango assumisse a presidência, mas num sistema parlamentarista.
Passados 60 anos, hoje o Brasil está novamente imerso numa crise política, que tem desdobramentos econômicos - com o retorno da inflação, aumento do desemprego, precarização da legislação trabalhista -, sociais - com o aumento da pobreza, redução do poder de compra da população e retorno da insegurança alimentar e da fome -, e sanitários, agravados pela pandemia de Covid-19.
Para refletir sobre o momento atual à luz da Campanha da Legalidade, que é tida por muitos pesquisadores como um momento de resistência no país para garantir o cumprimento da lei e da democracia, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU entrevistou jornalistas e pesquisadores que ou viveram aquele momento histórico junto a Brizola ou se dedicaram a estudá-lo posteriormente.
Uma das testemunhas dos fatos que ocorreram em 1961 é o jornalista Flávio Tavares, para quem o "grande legado da Campanha da Legalidade, guiada pelo governador Brizola, é o da mobilização popular". Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao IHU, ao comentar a cena política atual, tendo em vista as manifestações previstas para 7 de setembro, ele acentua: "Isso tem que ser revivido agora, neste momento, em que sofremos pressões, mas o golpe não se concretizou ainda".
O jornalista e historiador Juremir Machado, autor de, entre outros, Brizola - Vozes da legalidade: Política e imaginário na era do rádio (Porto Alegre: Editora Sulina, 2012) e Jango: A vida e a morte no exílio (Porto Alegre: L&PM Editores, 2013), também em entrevista concedida por telefone ao IHU, disse que "estamos novamente num momento de defesa da legalidade e da Constituição. 60 anos depois do episódio histórico da Legalidade, precisamos de novo – em outros termos, claro – defender a legalidade e a Constituição. Precisamos defender que tudo fique dentro das regras do jogo e que não se tenha, em nenhum momento, a tentação de fazer qualquer coisa que não esteja dentro da norma".
Moisés Mendes, outro jornalista que acompanha a política brasileira e seus atores, classifica Brizola como "a grande figura brasileira da resistência da segunda metade do século XX. O governador que desafia o poder militar sabendo que o golpe seria apenas adiado e mesmo assim vai em frente. Não há outra figura semelhante hoje, mesmo porque as circunstâncias são outras". Em entrevista por e-mail ao IHU, ele destaca que "até os 'interesses', como dizia Brizola, foram rebaixados com a ascensão do bolsonarismo. Os escrúpulos das elites, que existiam como exceção na ditadura, desaparecem com Bolsonaro no poder".
Pedro Ruas, vereador de Porto Alegre pelo PSOL, em entrevista concedida por e-mail, pontuou que o discurso de Brizola não se aplica somente ao Brasil atual, mas "certamente ao futuro, e como se aplicaria em muitas situações dos últimos 60 anos". Segundo ele, "o que Brizola conquistou ali foi algo extraordinário, e por isso o discurso do dia 28 é tão atual. É a organização do povo. É lutar, esse mesmo povo, pela democracia, defendendo a Constituição Federal".
Carlos Frederico Barcellos Guazzelli, defensor público estadual aposentado, que atuou como coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS entre 2012 e 2014, assinala, em sua entrevista concedida por e-mail, "o notável senso de oportunidade política e, também, a ousadia pessoal presentes no gesto do grande líder político gaúcho, ao mobilizar a nação desde o governo de seu estado mais meridional, impedindo assim o triunfo espúrio dos seus adversários". Sessenta anos depois, adverte, a atualidade da Campanha da Legalidade reside em "urgentemente cerrar fileiras para sustentar o que resta de nosso já frágil Estado Democrático de Direito, ameaçado diariamente pelo fascista instalado na cadeira presidencial. Lembrar, pois, o exemplo de Brizola e da Legalidade: nada mais atual e importante nos dias tremendos que vivemos!".
Flávio Tavares é formado em Direito, mas tem uma vida dedicada ao Jornalismo. Integrou o grupo fundador da Universidade de Brasília - UnB, da qual é professor aposentado. Colunista político em Brasília nos anos 1960 da antiga rede de jornais Última Hora do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, foi preso e banido do Brasil em 1969 durante a ditadura militar. Exilado no México, foi redator do jornal Excelsior e, depois, seu correspondente e de O Estado de S. Paulo em Buenos Aires, Argentina, e em Lisboa, Portugal. Na volta do exílio, foi editorialista de O Estado de S. Paulo. É autor de, entre outros, Memórias do Esquecimento (Porto Alegre: L&PM, 2012) e O dia em que Getúlio matou Allende (Porto Alegre: L&PM, 2014), que receberam o Prêmio Jabuti de Literatura. Atualmente, é articulista dos jornais O Estado de S. Paulo e Zero Hora.
Juremir Machado é graduado em Jornalismo e em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS, mestre e doutor em Sociologia pela Université Paris Descartes e doutor em Sociologia. Atualmente é professor da PUC-RS, onde coordenou, de 2003 a 2014, o Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Assina uma coluna diária, coordena o Caderno de Sábado e mantém um blog no jornal Correio do Povo de Porto Alegre. Apresentou o programa Esfera Pública na Rádio Guaíba e participou dos programas Bom Dia, Ganhando o Jogo e Guaíba Revista. No IHU, Machado publicou o Cadernos IHU ideias número 30, intitulado Getúlio, romance ou biografia?.
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, escreve para os jornais Extra Classe, DCM e Brasil 247. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Porto Alegre: Editora Diadorim, 2016). Foi colunista e editor especial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul.
Pedro Ruas é formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS. Desde muito cedo ingressou na atividade política, inspirado nas lutas do ex-prefeito da Capital Gaúcha, ex-governador do Rio Grande do Sul e duas vezes governador do Rio de Janeiro, o líder Leonel Brizola. Em 2004, com o falecimento de Brizola, Ruas deixou o PDT no RS e ajudou a fundar o PSOL. Foi presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas - Agetra e é vereador pelo PSOL em Porto Alegre.
Carlos Frederico Barcellos Guazzelli é formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atuou por mais de 35 anos na Defensoria Pública gaúcha. É autor do Cadernos IHU ideias número 252, intitulado A Justiça, Verdade e Memória: Comissão Estadual da Verdade.
IHU - Qual é o legado e a atualidade do discurso de Brizola pelas emissoras da Cadeia da Legalidade, às 11h do dia 28 de agosto de 1961, nos porões do Palácio Piratini? Como podemos atualizá-lo, considerando a crise política atual?
Flávio Tavares – O grande legado da Campanha da Legalidade, guiada pelo governador Brizola, é o da mobilização popular. Ou seja, a mobilização popular é capaz de entender qualquer tentativa de golpe, como impediu, em 1961, um golpe já posto em prática pelos três ministros militares à época, que tentaram impedir a posse do vice-presidente, João Goulart. A conscientização popular foi feita através do rádio, que naquela época era o grande veículo de comunicação. Além disso, destaco a liderança onipresente de Brizola. Hoje, não temos algo semelhante no estado, muito menos no país.
Flávio Tavares (Foto: Arquivo TVE RS)
Juremir Machado – Toda a história da Legalidade capitaneada por Brizola nos diz o seguinte: que estar ao lado da verdade, da lei e da Constituição é sempre um bom caminho para triunfar. O que realmente fez com que o movimento da Legalidade fosse vitorioso foi o fato de que havia, por parte dos ministros militares, uma tentativa flagrante e escandalosa de golpe. Como aquilo era muito escandaloso, vergonhoso e inconstitucional, as pessoas se mobilizaram contra, porque era um esbulho, algo tão vergonhoso, que uniu adversários. No Rio Grande do Sul, vimos, na Assembleia Legislativa, os discursos dos deputados: deputados do PTB e do Partido Libertador, adversários tradicionais, ficaram durante dias e dias unidos. Aquilo mobilizou as pessoas que se apresentaram, se candidataram e se inscreveram para lutar.
Juremir Machado (Foto: Ramiro Furquim)
Eu fico com esta ideia: quando alguém abraça a verdade mais pura, aquilo que é cristalino, que é fato, o justo, o correto, o verdadeiro, não há como perder. Ou, pelo menos, se está no melhor caminho para a vitória. É uma lição para aqueles que possam querer pisotear a Constituição. A Constituição, quando é clara e cristalina, provoca em nós um sentimento de defesa da justiça; foi isso que Brizola acionou e graças a isso ele conseguiu garantir a posse de Jango.
Moisés Mendes – Brizola ainda é a grande figura brasileira da resistência da segunda metade do século XX. O governador que desafia o poder militar sabendo que o golpe seria apenas adiado e mesmo assim vai em frente. Não há outra figura semelhante hoje, mesmo porque as circunstâncias são outras. Mas a frase que se escuta a todo momento (“falta um Brizola”) faz sentido. Não temos hoje um contraponto às ameaças representadas pelos militares e por Bolsonaro, com dimensão trágica, de desprendimento e entrega ao risco e à tragédia do exílio. De fato, falta um Brizola. A política não pode nunca abrir mão dessas figuras. A resistência em momentos graves não existe sem “Brizolas”. Essa figura pode vir a ser Lula? Só saberemos se o blefe evoluir mesmo para uma ameaça real de golpe.
Moisés Mendes (Foto: Famecos - PUCRS)
Pedro Ruas - Eu entendo que é importantíssimo o que disse Brizola ali, porque se aplica não só ao Brasil deste momento, como certamente ao futuro, e como se aplicaria em muitas situações dos últimos 60 anos. Na verdade, nós tínhamos uma crise em 61 e, por outros fatores, nesses 60 anos ela permanece. O que Brizola conquistou ali foi algo extraordinário, e por isso o discurso do dia 28 é tão atual. É a organização do povo. É lutar, esse mesmo povo, pela democracia, defendendo a Constituição Federal. Então, se nós analisarmos que aquilo que era chamado a legalidade é exatamente a defesa da Constituição Federal, e por via disso, defender a própria democracia, o discurso do dia 28 é muito atual.
Pedro Ruas (Foto: Marcelo Bertami Agência AL)
Carlos Frederico Guazzelli - Para avaliar devidamente a relevância do legado e atualidade de Brizola, sobretudo de sua atuação no episódio da Legalidade, há que se considerar sua condição de liderança política emergente, nas décadas de 1950 e 1960. Convém recordar que o país vivia, então, sob o cenário da chamada guerra fria – a disputa geopolítica entre os EUA e a URSS, os dois grandes blocos políticos que emergiram da 2ª Guerra Mundial – e desde a eleição de Getúlio Vargas à presidência da República, em 1950, a direita brasileira, alinhada de primeira hora à grande potência norte-americana, estava empenhadíssima em bloquear o avanço do nacionalismo desenvolvimentista que inspirava as ações do grande líder popular.
Carlos Guazzelli (Foto: Revista Dpergs)
Seu suicídio já impedira o golpe direitista em 1954 e, sem considerar as desastradas trapalhadas de oficiais da Aeronáutica no fim daquela década, a inesperada, e mal explicada, renúncia de Jânio Quadros dava às lideranças conservadoras, civis e militares, o pretexto ideal para afastar do governo o seu sucessor legítimo, o vice-presidente João Goulart. Ainda mais que Jango, como este era mais conhecido, encontrava-se em missão oficial na China e seu regresso demandaria alguns dias. Tratava-se de um “golpe branco”, como os cientistas políticos denominam o afastamento de um governante à base de manobras legislativas e/ou judiciais, sem o emprego direto da força das armas.
Daí a importância decisiva do movimento conduzido por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul – mobilizando imediatamente a população, mediante a requisição e uso de rádios locais, no chamamento à resistência. Milhares de pessoas foram às ruas na capital e nas principais cidades rio-grandenses, inclusive ocupando permanentemente, por vários dias, a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini – em cujos porões Brizola instalara a improvisada sede da “Rede da Legalidade”, por meio da qual dezenas de emissoras, de alcance nacional, inclusive, levavam sua voz firme e inflamada na defesa da democracia. Isto permitiu que, aos poucos, outras unidades da Federação, como Goiás e Pernambuco, replicassem a resistência desfechada daqui, bem como se criassem as condições para que uma parte da classe política, em Brasília, viabilizasse saída negociada para o impasse criado – já que os chefes militares ameaçavam sufocar os rebeldes sulistas.
Com o passar dos dias, graças à força da mobilização popular em nosso estado, e também à habilidade demonstrada pelo jovem líder trabalhista, o próprio comandante do III Exército – que reunia o maior e principal efetivo armado do país – aderiu à Legalidade, e a partir daí pôde ser construída a solução casuística para a crise, com a adoção às pressas do regime parlamentarista, permitindo assim que Jango, finalmente, assumisse como presidente da República. A manobra constitucional adotada ad hoc visava claramente esvaziar os poderes da presidência, conferindo boa parte deles ao primeiro-ministro. Mas, após a indicação e exercício deste cargo por três políticos diferentes, os trabalhistas e seus aliados conseguiram fazer passar emenda à Constituição que submetia o novo regime ao escrutínio popular – e João Goulart obteve consagradora vitória, com a volta do presidencialismo.
A partir daí, o presidente, fortalecido e legitimado pelo plebiscito, passou à defesa e implantação de seu programa de “reformas de base”, amplamente apoiado pelas classes trabalhadoras e por parcela expressiva dos estratos médios. A direita, de sua parte, novamente derrotada, passou a trabalhar ostensivamente na preparação e desfecho do golpe militar, única forma que lhe restara para impedir que as políticas nacionalistas e progressistas do ideário trabalhista viessem a ser implantadas efetivamente no Brasil. Golpe este que, como se sabe, foi desencadeado exitosamente menos de três anos depois, e cuja história é bem conhecida da fatia esclarecida da população.
Esta digressão histórica evidencia o notável senso de oportunidade política e, também, a ousadia pessoal presentes no gesto do grande líder político gaúcho, ao mobilizar a nação desde o governo de seu estado mais meridional, impedindo assim o triunfo espúrio dos seus adversários, mediante a manipulação congressual e midiática da situação criada com a renúncia de Jânio Quadros. Este, o grande legado do histórico discurso que Brizola pronunciou há exatos sessenta anos, despertando a cidadania para tomar posição na defesa da democracia e na resistência aos golpistas de então.
Aí reside, portanto, sua atualidade: hoje, como ontem, em circunstâncias diferentes, é bem verdade e – como não poderia deixar de ser – mais do que necessário, impõe-se urgentemente cerrar fileiras para sustentar o que resta de nosso já frágil Estado Democrático de Direito, ameaçado diariamente pelo fascista instalado na cadeira presidencial. Lembrar, pois, o exemplo de Brizola e da Legalidade: nada mais atual e importante nos dias tremendos que vivemos!
IHU - Brizola, em seu discurso pela Legalidade, defendeu uma resistência em prol da democracia. Pensando na crise política de hoje, quem ou quais instituições estão atuando como resistência pela preservação do Estado Democrático de Direito?
Flávio Tavares – O problema é que hoje não temos lideranças nem partidos políticos; temos aglomerados de pessoas que se intitulam donos das chamadas siglas. Não temos partidos estruturados, como já não tínhamos 60 anos atrás, mas, ao menos, tínhamos lideranças bem definidas. Havia uma esquerda, havia uma direita. Hoje, há apenas um aglomerado. Esse é o grande antagonismo entre a atualidade presente e aqueles anos. Não temos nem sequer uma liderança e não sabemos para onde o governo do atual presidente da República quer ir. Ele acena com a possibilidade de um golpe militar, faz tudo nesse sentido, mas não tem apoio sequer dentro das Forças Armadas, como definiu o comandante do Exército no dia 25, comemorando o dia do soldado.
Esta é a grande diferença: hoje, as Forças Armadas, pelo menos publicamente, se dizem democráticas e respeitosas à Constituição. Em 1961 houve o golpe desferido pelos ministros militares, num tempo em que a Guerra Fria, com a paranoia do comunismo, definia a situação no mundo inteiro. Hoje, se tenta restabelecer a Guerra Fria, como diz e demonstra em atos o próprio presidente da República. Nós somos o único país do mundo em que se tenta restabelecer, através do poder presidencial, a Guerra Fria, que já foi enterrada há muito tempo e cheira, inclusive, mal.
Juremir Machado – As instituições estão mobilizadas e agindo em defesa da democracia no Brasil atual. O Supremo Tribunal Federal - STF tem feito isso constantemente. Há uma diferença – que nem sempre as pessoas notam – entre liberdade de expressão e ameaças, incitação à violência e coisas desse gênero. Uma coisa é dizer que eu não gosto do STF, outra é dizer, como fez o Sérgio Reis, que se os ministros não forem trocados, vai invadir, quebrar tudo e tirá-los na marra. Essa não é uma declaração democrática; é a incitação a um atentado contra as instituições, que estão se defendendo. Eu creio que mesmo o parlamento, com a decisão do presidente do Senado [Rodrigo Pacheco], de não dar prosseguimento ao pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, deu uma demonstração de autonomia de poder e de compreensão de que faltavam fundamentos ali.
Então, me parece que, ainda que toda essa pressão feita pelo presidente da República seja indevida, as instituições estão atuando: STF, Senado, todas elas. A imprensa está dividida, mas isso faz parte do jogo. Há uma imprensa antibolsonarismo e uma imprensa bolsonarista. Mas isso ocorre em qualquer sociedade democrática em que temos direita, esquerda, situação e oposição. O problema é quando uma parte resolve atropelar a outra. Aí, neste caso, o que temos visto é a instituição principal, que é o STF, agindo e defendendo a democracia. E ela não está sozinha; outras instituições estão atuando nesse sentido: a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e o próprio Ministério Público - MP. Ainda que o procurador-geral da República pareça ser um bolsonarista, o MP é formado pela totalidade dos procuradores, então cada um tem a sua autonomia e há todo um debate dentro do MP.
Não sei onde tudo isso vai parar, mas me amparo na ideia de que as instituições, mesmo pressionadas, continuam funcionando e defendendo a democracia.
Moisés Mendes – A defesa efetiva da democracia hoje, no ambiente institucional, é apenas do Supremo. Não é do Congresso (como foi no enfrentamento da ditadura, que levou à Diretas), nem da imprensa (mesmo que seja inimiga de Bolsonaro), nem da Igreja. Sem o STF, em especial as ações do ministro Alexandre de Moraes, a democracia estaria ainda mais encurralada. Falta ação política de partidos, sindicatos e entidades estudantis, por exemplo, pelo enfraquecimento de poder de representação, e falta gente nas ruas. Falta principalmente capacidade de mobilização dos jovens, o que é um fenômeno único na América Latina. No continente todo, o jovem brasileiro talvez seja o mais alheio ao que se passa na vida do país (um dia essa inércia terá de ser bem estudada). Dependemos quase que exclusivamente da trincheira do STF, o que é importante, mas é insuficiente.
Pedro Ruas - A questão é analisar realmente o que seria uma resistência nos dias de hoje. Eu entendo que seria o que propôs Brizola, ou seja, o povo se organizar e ir para as ruas exigir, sim, o cumprimento da Constituição Federal na sua íntegra. Não aceitar passivamente as barbaridades que têm ocorrido, como o próprio genocídio do nosso povo pela falta de vacinas, pela falta de cuidados. Combater os desmandos e as ofensas às instituições democráticas promovidas pelo presidente da República. Então o povo resistir, organizadamente. Isso nos ensinou Brizola. Quem faria isso hoje? Na minha opinião, os partidos políticos deveriam fazer. Eu acho que o PSOL está se esforçando para fazer isso. Acho que a esquerda como um todo pensa em fazer isso, mas é papel, sim, dos partidos políticos. Porque nós não temos no Brasil uma liderança da capacidade, do tamanho político de Brizola para exercer esse papel nesse momento. E essa resistência que ele ensinou e que ele construiu, obviamente que junto com todo o povo gaúcho e brasileiro, é a única forma que nós temos de superar a crise atual no Brasil.
Carlos Frederico Guazzelli - Socorro-me, novamente, da História recente de nosso desditoso país. Antes de responder diretamente à pergunta, cabe ressaltar a premissa que a justifica – ou seja, explicitar qual é a ameaça à democracia, presente nos dias de hoje, a exigir a resistência aludida no seu enunciado. Esta ameaça – convém proclamá-lo com todas as letras – consiste no comportamento diuturno do presidente de plantão, o qual, desde que assumiu – na verdade, há trinta anos! –, empenha-se num crescendo de promessas de “intervenção militar”, ou de “resposta fora das quatro linhas da Constituição”, ou ainda de “ruptura institucional”, como por ele dito mais recentemente, num assomo de sinceridade.
Para avaliar corretamente os riscos que as falas e, igualmente, as ações e omissões de Bolsonaro acarretam à nossa democracia, é preciso compreender o fenômeno político que ele representa; e também, como chegou a ser instalado na principal magistratura pública, sendo absolutamente despreparado para o cargo. Isso remete, de novo, ao golpe engendrado em 2013 pelos verdadeiros donos do poder – o empresariado industrial e financeiro, o patriciado rural e os políticos e partidos tradicionais de direita, além da mídia oligopólica. Assim como, na trama urdida em 1962, a partir da Casa Branca (vide, a propósito, o excelente “1964”, de Flávio Tavares, editado pela L&PM), utilizou-se a burocracia armada do Estado, desta feita foi empregado outro estamento público, embora civil. Com efeito, devidamente treinados por agentes do Departamento de Justiça norte-americano (DoJ), pasta equivalente ao nosso Ministério da Justiça, membros da magistratura, do ministério público e da polícia federais de Curitiba, constituíram uma força-tarefa que, criada inicialmente para apurar crimes praticados contra a ordem econômica, derivou para a perseguição sistemática de políticos e aliados do Partido dos Trabalhadores, não por acaso a legenda de Lula e Dilma. Acaso existente, depois das revelações espantosas da chamada Vaza Jato, não mais pode haver qualquer dúvida a respeito.
A famosa task force montada na 13ª Vara Criminal do foro federal de Curitiba seguiu à risca o roteiro traçado, e que já fora esboçado em trabalho acadêmico publicado por seu chefe, dez anos antes: mediante prisões provisórias, ilegalmente prolongadas, obter delações premiadas dos envolvidos em negócios escusos envolvendo a Petrobras e empreiteiras contratantes; tudo acompanhado de farta e contínua “publicização” pelos grandes grupos de comunicação – em especial, televisões e rádios. Desta forma, prendendo e constrangendo centenas de servidores daquela estatal, empresários e políticos – sempre do PT e partidos aliados – e articulando diuturnamente o discurso punitivo, foi sendo incutida na chamada opinião pública a versão sustentada pelos membros da tal “força-tarefa da operação Lava Jato”: de que se tratava do maior esquema de corrupção do país, responsável pela perda de bilhões de reais.
O sistema de justiça, como um todo, contaminado pela súbita popularidade dos novos campeões da moralidade pública, chancelou as evidentes ilegalidades por eles cometidas nas suas apurações, malgrado fossem as mesmas denunciadas pela ampla maioria dos juristas especializados em Direito Constitucional, Penal e Processual Penal – inclusive do exterior.
Muito mais se poderia ainda falar a respeito. No entanto, cingido ao tema proposto, recorro àqueles acontecimentos apenas para sublinhar o aspecto que interessa ao seu enfrentamento: o discurso que amparou o afastamento ilegal dos dirigentes petistas do poder – tanto o impedimento de Dilma, em 2016, quanto a prisão e posterior inelegibilidade de Lula, dois anos depois – foi tão eficaz que não apenas feriu, quase de morte, o PT e a esquerda em geral, como abalou seriamente todo o sistema político. Não apenas aqueles partidos, mas também os da direita tradicional, mentores e operadores do plano – a saber, PSDB, PMDB e Democratas – foram fortemente atingidos pelo discurso antipolítica veiculado a propósito da famosa operação curitibana.
Lógico, assim, quase natural que o grande beneficiário dessa razia teria de ser aquele que, há anos, se apresentava como candidato antissistema e anticorrupção – muito embora, há quase três décadas, não passasse de um obscuro deputado do chamado “centrão”, o grupo mais fisiológico dos parlamentares federais, adeptos das práticas de “toma lá, dá cá” que ajudam a sustentar o presidencialismo de coalizão que sempre vicejou no Brasil.
Por outro lado, como se trata de um fascistoide – homem de extrema direita, declarado defensor da ditadura e da morte e tortura dos adversários, ademais, um notório racista, homofóbico e misógino –, sua existência política e, portanto, hoje em dia, sua sobrevivência no poder dependem fundamentalmente da contínua mobilização de sua grei, adequadamente chamada de “rebanho” ou “gado”, especialmente por meio das chamadas redes sociais virtuais.
Esta é, pois, a fonte das ameaças concretas, voltadas hoje ao nosso jovem, e já fragilizado, sistema democrático. Ocorre que a péssima condução do governo federal imprimida por seu chefe, em relação à pandemia que assola os brasileiros e brasileiras desde março de 2020 – própria de um fascista que, como tal, nega e hostiliza a ciência e a razão – permitiu desmascarar (literalmente...) aos poucos sua real natureza. De outra parte, os resultados pífios da política econômica neoliberal, responsável por sua eleição e apoio pelo poder financeiro – devidos, entre outros fatores, às suas ações e omissões negacionistas e antidemocráticas, além da notória incapacidade de seu ministro da economia, é claro – também têm contribuído para a erosão da confiabilidade do boçal governante junto às classes dominantes.
Além disso, as despropositadas e violentas agressões dirigidas pelo “mito” e suas reses contra os Tribunais Superiores – em especial, o Supremo e, ultimamente, também o Tribunal Superior Eleitoral – finalmente provocaram reações efetivas destas instituições, que não mais se limitaram às notas de repúdio de praxe, mas abriram investigações, não apenas contra seus subordinados e acólitos, mas também contra o próprio chefe.
Não se pode esquecer, também, o profícuo trabalho realizado há alguns meses pela CPI da Covid, na contínua revelação dos espantosos desmandos e abusos perpetrados pelo governo federal e bem assim, mais recentemente, de comprovados casos de corrupção envolvendo o Ministério da Saúde e seus deletérios ocupantes, inclusive militares de alta patente.
Estas são, pois, as instituições, organismos e grupos de onde começa, ainda que tardiamente, a ser esboçada a resistência da nação contra a ameaça da tirania de um governante, visivelmente despreparado para o cargo, além de se constituir em liderança política perigosa, à testa de um contingente de apoiadores que, embora decrescente, não pode ser desprezado. Judiciário, parte do Congresso, cidadania organizada – esta, aliás, que finalmente começou a encher as ruas e praças das principais cidades, apesar da pandemia, clamando pelo afastamento do político que a ameaça diariamente.
E também, as classes dominantes, do que são exemplos eloquentes, tanto um recente manifesto de empresários, banqueiros e políticos da direita tradicional; como a postura francamente oposicionista dos principais órgãos de comunicação do país – a maioria das redes de rádio e tevê, e os chamados “jornalões” e revistas. Curiosamente, talvez resida aí a eficácia da resistência ora esboçada contra as atuais ameaças à democracia brasileira – já que o golpe cívico-militar de 1964 teve, entre seus principais idealizadores e operadores, os bancos, grandes grupos empresariais e a mídia oligopólica, os mesmos que, agora, parecem tirar a sustentação dos eventuais golpistas...
IHU - Como analisa o Brasil hoje, à luz do ideário político de Brizola, especialmente em relação à defesa dos trabalhadores, diante das constantes flexibilizações das leis trabalhistas, e à situação da educação no país?
Flávio Tavares – O Brasil se despolitizou; trata-se de um fenômeno inverso ao que deveria ocorrer ao longo do tempo. O país hoje é menos politizado do que em 1961. Sessenta anos atrás, a correlação de forças dentro do país era outra e hoje temos uma apatia por parte do público e dos eleitores, que se deve, fundamentalmente, aos fracassos das promessas dos últimos anos, principalmente das promessas de reforma social dos governos do PT, que resultaram em um aglomerado de corruptos e corruptores. Essa é a grande diferença entre este momento e o momento de 1961.
Juremir Machado – O chamado legado da Era Vargas está sendo devastado porque há uma verdadeira incursão contra a legislação trabalhista, que sempre foi modificada. A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT nunca ficou engessada, congelada. Foram feitas centenas de modificações ao longo do tempo e reformas. Tivemos, não faz muito tempo, uma reforma da legislação trabalhista e agora já vem outra, e cada uma é mais robusta do que a anterior. Então, agora tem projeto para poder contratar sem décimo terceiro, sem férias pagas, sem direitos. É mais uma vez esse exercício de atropelamento de uma legislação que sobreviveu ao tempo e que sempre foi objeto de indignação e repúdio dos liberais – eu diria que não de qualquer tipo de liberal, porque poderia ser um liberalismo social, uma social-democracia, mas são os liberais no sentido mais extremo, que não querem nenhum tipo de proteção aos trabalhadores. Eles sempre retomam essa argumentação retórica da modernização, que a tecnologia altera tudo.
Mas o que estamos vivendo é um processo radicalizado de uberização das relações de trabalho. Essas coisas entusiasmam no início. Quando surgiu o Uber, quantas pessoas diziam: “que maravilha”, “que coisa extraordinária”, “liberdade”, “cada um vai trabalhar quantas horas quiser por dia, vai ter autonomia”. É algo terrível: o Uber está precarizado, os motoristas trabalham 16 horas por dia, ganham muito pouco, entram com os meios de produção; é devastador. Isso está sendo disseminado para todas as áreas do trabalho e ainda tem as privatizações, como a dos Correios, a da Eletrobras. Em Porto Alegre terá a privatização da Carris [Companhia Carris Porto-Alegrense]. Agora mesmo há um projeto no Rio de Janeiro – que imagino que não vá passar, mas existe – de extinção e privatização da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Isso é uma sinalização de um desejo de diminuição quase total do Estado: nada de universidade pública. Há no ar esse desejo.
Então, os ideais do Brizola, do Jango, que são os ideais da era Vargas – com acertos e erros, porque também existiram erros –, de uma organização social solidária, estão indo por “água abaixo”. Todo dia, um pouco mais.
Moisés Mendes – Esse é outro legado de Brizola que se degradou completamente, o do compromisso com a educação. O desmonte do Estado, a partir da precarização dos serviços públicos (depois de privatizarem quase tudo) é da lógica dessa combinação amoral de fascismo e liberalismo econômico. É uma situação que só existe pela conivência das elites com um governo que, para ter suporte, acena com esse desmonte, reformas, continuidade da extinção de garantias trabalhistas. O empresariado brasileiro é, pelas omissões diante de um governo genocida, um cúmplice não só do fim do setor público (que é o que eles querem), mas da destruição do país em todas as frentes por ações criminosas. Até os “interesses”, como dizia Brizola, foram rebaixados com a ascensão do bolsonarismo. Os escrúpulos das elites, que existiam como exceção na ditadura, desaparecem com Bolsonaro no poder.
Pedro Ruas - Eu, como advogado de trabalhadores, sempre questionei muito, desde o final dos anos 90, essa ideia da flexibilização dos direitos trabalhistas. Isso vem lá do Consenso de Washington em 95, e chega ao Brasil pesadamente no início desse século e em 2017 chega ao seu auge com a reforma da Constituição do governo Temer. Então, o ideário político de Brizola, ou seja, a defesa dos interesses do povo, a busca da igualdade de oportunidades através da educação pública, de qualidade, ampla e geral – e isso era Brizola puro – nós não vemos acontecer. Nós só tivemos essa experiência com Brizola, e particularmente no Rio Grande do Sul com as mais de seis mil brizoletas construídas e depois com a experiência extraordinária do Rio de Janeiro, com Darcy Ribeiro e Brizola na construção dos CIEPs, as escolas de turno integral, com atenção total às crianças. Então o que a gente vê hoje é que não há nenhuma condição de igualdade e oportunidades, pelo contrário, aprofundam-se as diferenças de nível social, e os direitos trabalhistas, que foram a grande bandeira do próprio Brizola em defesa dos trabalhadores, estão sendo jogados ladeira abaixo. Esse é o registro triste que se faz, e na falta que faz a liderança política extraordinária de um estadista visionário como Brizola.
Carlos Frederico Guazzelli - Para bem destacar a relevância do ideário de Brizola na atual quadra da vida nacional, é preciso também recorrer, ainda que rapidamente, aos acontecimentos históricos, desta feita, do passado recente. Não há como fugir disso: os reacionários de hoje, como os de antes, não se conformam com o risco de ver o país governado pela centro-esquerda do espectro ideológico – mesmo que não tenham seus interesses de classe atingidos diretamente por ela. Assim como trataram de apear do poder, em 1964, um governante legítimo que, ao sustentar o programa de reformas de base, visava claramente atingir o progresso social e econômico do povo, dentro dos marcos do capitalismo – desde 2013 eles conceberam e executaram o golpe institucional que, três anos depois, destituiu ilegitimamente a presidenta Dilma Rousseff, malgrado nos dois governos de Lula, e no primeiro mandato dela, não tenham sido afetados nem o sistema capitalista, nem os lucros de bancos, empresários e fazendeiros.
Há uma explicação para isso: as classes dominantes brasileiras são movidas por um profundo ódio de classe, misturado a racismo, homofobia e misoginia – herança do passado, sempre presente, de 350 anos de regime escravocrata. As ditas “elites” locais nunca se libertaram dos preconceitos que sustentaram no poder seus ancestrais – os “coronéis” – mediante o exercício permanente do terror e da tortura sobre os dominados – pretos, pardos e índios.
Só isso explica as atitudes de seus herdeiros, francamente disfuncionais à efetivação de um capitalismo moderno e liberal (no sentido político da palavra) em terras brasileiras. Desse tipo, inegavelmente, são as reformas trabalhista e previdenciária, iniciadas no governo-tampão de Temer e continuadas com a assunção do boçal que ocupa presentemente o Planalto, uma vez que, antes de mais nada levam à retração econômica – seja na produção de bens e serviços, seja na redução irracional do mercado de consumo, mediante a diminuição do número de consumidores. A entrega do Brasil à agenda neoliberal atende, por certo, aos interesses de uma pequena classe rentista e aos ditames do capitalismo financeiro globalizado; mas é defendida entusiasticamente pelos estratos médios e altos da população – mesmo que isso lhes cause prejuízo – à conta da expulsão de pobres e negros dos benefícios do consumo e do progresso social.
Obviamente, o lamentável quadro de obscurantismo e regressão imposto desde o afastamento de Dilma, primeiro pelo sucessor que a traiu, e ora em aprofundamento pelos talibãs paridos pelo regime ditatorial de 64, que voltaram pela via eleitoral – sabemos como! –, constitui a antítese completa das ideias que guiavam o grande líder rio-grandense, discípulo de Vargas e Pasqualini e, como tal, seguidor da ideologia trabalhista, que pregava a inclusão social dos trabalhadores, dentro do quadro econômico e das regras capitalistas.
A crença no trabalho – protegido pela legislação social e previdenciária – e na educação – pública, universal e gratuita – como mecanismos de promoção humana, sempre sustentaram o discurso e a ação política de Brizola, francamente contrários à flexibilização das leis trabalhistas e à destruição do ensino promovidas pelo atual (des)governo.
IHU - Organizadores das manifestações bolsonaristas previstas para o dia 7 de setembro dão a entender que o objetivo dos protestos não é somente manifestar apoio ao presidente Jair Bolsonaro, mas invadir o Supremo Tribunal Federal - STF e o Congresso. Trata-se de uma convocação para um golpe? Como compreende essas convocações e o que vislumbra acerca das manifestações?
Flávio Tavares – Este é o grande perigo e a grande tentativa de não digo preparar um golpe, mas preparar a opinião pública para um possível golpe de Estado, diferente do de 1961, porque a história só se repete como farsa, como dizia Marx. Mas é evidente que o presidente da República atualmente procura “virar a mesa”, embaralhar todo o processo eleitoral através de acusações sobre a urna eletrônica, por exemplo, sobre a lisura do pleito. Há uma patologia psicótica no atual presidente. Segundo ele, houve fraude até na eleição da Dilma contra o Aécio Neves – ele disse que Aécio Neves triunfou.
Acho impossível a repetição de um golpe de Estado no estilo convencional. O que me parece que Bolsonaro pretende é “virar a mesa”, embaralhar tudo para que do caos surja a possibilidade de uma continuação dele no próprio governo. Mas isso só pode ser obstruído e impedido pela mobilização popular. Foi essa mobilização popular, em 1961, que fez abortar o golpe de Estado contra a posse de João Goulart, que já havia sido definido em Brasília, pelos ministros militares. Só a mobilização popular pode conter a tentativa aberta ou não do golpe de Estado.
Pelo que diz o presidente, pelo que ele pretende fazer, está em andamento pleno. A impressão que dá, por tudo que Bolsonaro prepara agora para este 7 de setembro, é que esta mobilização que o governo pretende fazer de cima para baixo leva a desacreditar os poderes. Nunca se interveio no Supremo Tribunal Federal - STF, nem sequer na ditadura militar. Eu próprio sou testemunha disso. Eu tive um habeas corpus, quando preso, dado por unanimidade pelo STF, cujo relator a meu favor tinha sido nomeado pelo marechal Castelo Branco, que era um ditador, o ministro Adalício Nogueira, da Bahia. Ele cumpriu a lei e não teve posição política. Hoje, se pretende que o STF tenha posição política a favor do governo, como se fosse apenas um servente do governo. Não; a questão do STF é outra: é a defesa da Constituição, da constitucionalidade, do seu exercício pleno.
Juremir Machado – Eu fico preocupado. Eu li, como muita gente, o editorial desta semana do Estadão, “A Convocação do Golpe”. Quando o Estadão, um jornal conservador, que já esteve vinculado a outros golpes, como o de 64, alerta para a possibilidade de uma tentativa de golpe agora, só posso imaginar que isso é real; essa possibilidade existe. Como é um ambiente de radicalização, de incitação, de extremismo, de negacionismo, lá pelas tantas isso pode acontecer. Eu nunca pensei que isso pudesse acontecer nos EUA, e aconteceu: os manifestantes invadiram o Capitólio. Se aconteceu lá, por que não aconteceria aqui?
Eu espero que todas as providências de segurança sejam tomadas para evitar isso, mas há, claramente, uma incitação. É muito preocupante e vamos viver dias de inquietação, de angústia, na expectativa do que vai acontecer. Numa democracia, com o devido respeito à liturgia do cargo, o presidente da República estaria dizendo para não se fazer nada que possa conspurcar a democracia. Seria o momento de colocar a bola no chão, de pedir ponderação, calma. De dizer que vamos criticar, sim, contestar isso e aquilo, mas, para usar uma expressão que o presidente gosta, “dentro das quatro linhas da Constituição”. Mas o que vemos constantemente é uma incitação a sair das quatro linhas da Constituição. É um momento muito preocupante. Não tem bola de cristal, não dá para saber o que vai acontecer, mas os estímulos não são auspiciosos.
Moisés Mendes – A nova informação é que essas manifestações serão atos caracterizados como um levante militar. As polícias militares são o novo ator em destaque em todas as abordagens do jornalismo. Bolsonaro parece ter pautado a imprensa no sentido de fazer ver que sua estratégia pode dar certo: contar mais com as PMs do que com as Forças Armadas para a disseminação do caos que levaria ao golpe. Na Bolívia, onde o golpe foi puxado por motins da Polícia Nacional, isso não deu certo e desmoralizou os militares. Quase todos os chefes do golpe, da Polícia Nacional (que é a PM federal deles) e das Forças Armadas, estão presos. Só não foram presos os que conseguiram fugir, alguns possivelmente para o Brasil. Aqui, Bolsonaro pode até dar o golpe, porque um golpe é na maioria das vezes uma ação de irracionalidade. Mas conseguirá liderar e manter um golpe? O cenário de hoje nos faz pensar que ele pode até tentar ir em frente, para além do blefe, mas sem condições de manter um golpe por muito tempo. Na Bolívia, o golpe durou apenas um ano pela reação popular e por falta de inteligência política dos golpistas. Bolsonaro seria golpeado, por incompetência, pelo próprio golpe.
Pedro Ruas - A convocação para o dia 7 de setembro é, sim, uma convocação para o golpe. Esse golpe não vai acontecer, porque também há uma defesa das próprias instituições, e eu digo aí Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, em relação a si próprias. Eu acho que não há uma organização maior popular que pudesse resistir a isso, mas há das instituições, há dos partidos políticos, e não há contexto internacional para um golpe dessa natureza. Mas eu tenho claro que a convocação para o dia 7 de setembro do Bolsonaro e dos seus apoiadores é para um golpe. Não tenho dúvida disso. E na verdade isso também contraria o grande legado da Legalidade, a grande herança que nós recebemos daquele movimento da Legalidade extraordinário. É justamente nessa contradição: entre agora atacarem a Constituição Federal e a desrespeitarem, e ali a busca da Legalidade pelo respeito à Constituição. Essa contradição diz tudo: o que vive o Brasil atual e o que foi a vitória de Brizola e do povo gaúcho e brasileiro em 1961 contra golpistas da natureza de hoje que existiu naquele tempo.
Carlos Frederico Guazzelli - Por tudo que foi dito na resposta à questão anterior, não tenho dúvida alguma de que se trata, sim, de convocações explícitas à consecução de um golpe de Estado clássico – com fechamento do Congresso e dos Tribunais Superiores – de parte dos adeptos de Bolsonaro. Ele próprio, como disse, já falou nestes dias em “ruptura institucional” a que os adversários – em especial, os ministros do STF e TSE – o estariam levando.
Tal que lembrado antes, sua liderança é tipicamente fascista. Ele atua de acordo com o modelo mussoliniano, apenas com a diferença de que se socorre dos meios contemporâneos, em especial, a manipulação de seus acólitos por meio das redes sociais virtuais, sobretudo o Twitter e o WhatsApp. Isto significa que ele precisa mobilizá-los continuamente, por isso, as ameaças de golpe, as fake news e os apelos constantes às palavras de ordem e gestos negacionistas que, mesmo aparentemente ridículos, têm eficiência mobilizadora junto ao seu gado.
Por isso, de ameaça em ameaça, Bolsonaro parece cruzar seu Rubicão a toda hora, para lembrar a famosa metáfora de César. E, a cada derrota sua nestas investidas, mercê da resistência que enfim lhe oferecem as instituições ameaçadas, menos possibilidades lhe restam de recuar, em face da própria natureza peculiar da relação que mantém com sua base política. Diante de tais manifestações, eu modestamente só posso vislumbrar nas mesmas, como de resto, imagino, toda a cidadania esclarecida e atenta, situações de real risco à democracia brasileira – para as quais as instituições ameaçadas, à primeira vista, ao menos, parecem já estar devidamente acauteladas.
O êxito da resistência que oferecerem a estes ataques será essencial para podermos continuar a celebrar no futuro o 7 de setembro, data nacional.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Flávio Tavares – Quero acentuar isto: a mobilização popular em 61 impediu um golpe já concretizado. Isso tem que ser revivido agora, neste momento, em que sofremos pressões, mas o golpe não se concretizou ainda.
Juremir Machado – Creio que estamos novamente num momento de defesa da legalidade e da Constituição. Sessenta anos depois do episódio histórico da Legalidade, precisamos de novo – em outros termos, claro – defender a legalidade e a Constituição. Precisamos defender que tudo fique dentro das regras do jogo e que não se tenha, em nenhum momento, a tentação de fazer qualquer coisa que não esteja dentro da norma.
A Campanha da Legalidade, como movimento político importante na história do Brasil, foi tema de vários eventos promovidos pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU e de entrevistas e artigos publicados na página eletrônica do IHU. Em 2011, por ocasião dos 50 anos da Campanha da Legalidade, o Instituto, juntamente com o curso de História da Unisinos, realizou o Seminário 50 anos da Campanha da Legalidade: memória da democracia brasileira (1961-2011). Entre os palestrantes, o historiador Jorge Ferreira, autor de Jango, uma biografia (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011), sublinhou que apesar de o movimento ter sido possível por causa da organização da sociedade em favor da democracia e da legalidade, contando com o apoio da União Nacional dos Estudantes - UNE, das associações comerciais, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, a Campanha da Legalidade ainda é um tema pouco estudado no Brasil. "Os historiadores brasileiros não têm interesse em pesquisar a década de 1940, o que faz com que eles não se interessem em estudar a respeito da Campanha da Legalidade. Então, esse período acaba sendo analisado pelos nossos colegas das Ciências Políticas, da Sociologia e do Jornalismo".
Segundo ele, três foram os personagens centrais da Campanha da Legalidade: o general-comandante do III Exército, Machado Lopes, Leonel Brizola e João Goulart. "Machado Lopes teve que enfrentar uma sociedade civil organizada, armada. E não só isso. Teve que lidar com uma sociedade determinada. Para conter a situação de revolta da época, ele teria que fazer uma chacina. Só assim colocaria 'ordem'. Teria que matar milhares. Eles sabiam disso. Então, Machado Lopes agiu com o bom senso. Foi cúmplice da legalidade, em vez de aceitar ordens absurdas e ter que realizar uma carnificina".
Brizola, por sua vez, destacou, "foi a única liderança civil que enfrentou os golpistas e venceu. Nesse aspecto, ele teve papel bastante positivo, em defesa da democracia e da legalidade. (...) Brizola recusou-se a acatar o golpe de Estado. Ele foi a única liderança civil na história contemporânea brasileira a resistir a um golpe militar, dividir as Forças Armadas e derrotar os golpistas”.
Já a importância de Jango, que aceitou assumir a presidência da República em um sistema parlamentarista, observou, "não foi pouca. E conciliação é uma palavra atrelada à figura de Goulart. Na verdade, 'Política de Conciliação' foi criada, em 1964, pela esquerda para criticar a maneira de governar de Jango. Essa acabou sendo a maneira como o segmento político definia o governo de Goulart, mas não como os historiadores devem definir".
No Cadernos IHU ideias número 281, intitulado A Campanha da Legalidade e a radicalização do PTB na década de 1960. Reflexos no contexto atual, o historiador Mário José Maestri Filho analisou a Campanha da Legalidade à luz da Revolução de 1930, do nacional-desenvolvimentismo getulista, e dos governos Dutra, JK e Jânio Quadros, destacando o protagonismo do então governador do Rio Grande do Sul em 1961. Brizola se destacou ao conclamar "a população à resistência em defesa da Constituição – armada, se preciso fosse. Incorporado à política no imediato pós-guerra, o jovem engenheiro trabalhista, de origem popular, se apresentaria como um dos mais poderosos oradores da política brasileira no século 20. Em 27 de agosto, o governador sulino fez pronunciamento solene à nação: 'O Governo do Estado do Rio Grande do Sul [...]. Cumpre-nos reafirmar nossa inalterável posição ao lado da legalidade constitucional. Não pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz, em muitos de seus aspectos, desejamos é o seu aprimoramento e não sua supressão'”.
Em junho de 2004, quando Brizola faleceu aos 82 anos, a Revista IHU On-Line publicou a edição intitulada Leonel de Moura Brizola. 1922 - 2004, com o objetivo de "auxiliar na compreensão de um período importante da vida política brasileira: o período Vargas, Jango Goulart, a cadeia da legalidade, o trabalhismo, o chamado populismo", fazendo memória à trajetória política do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.
Naquela edição, o cientista político João Trajano, autor de Brizolismo. Estetização da Política e Carisma (Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas/Espaço e Tempo, 1999), pontuou os erros políticos cometidos por Brizola. Entre eles, enfatizou justamente a sua radicalização antes de 1964. "Acho que Brizola foi um dos protagonistas de um processo de radicalização que resultou no maior desastre político da nossa história. Ele é um dos responsáveis por isso, não o responsável maior, como uma parte da esquerda chegou a dizer. Essa acusação é absurda, de um primarismo terrível. Mas, de fato, ele teve um papel importante no processo de radicalização", afirmou.
Apesar de considerar Brizola "ousado" e "sagaz", Trajano insistiu em sua análise: "Naquele momento a sua sagacidade falhou, ele não se deu conta de que uma das possibilidades daquele projeto, do qual ele fazia parte, era a de nos levar para o abismo, para onde acabamos indo. Ele contribuiu muito para um clima de acirramento, que poderia ter sido evitado com algum tipo de recuo. Então, esse foi um momento ruim da sua trajetória".
Para o jornalista Flávio Tavares, que acompanhava a cena política à época, "o episódio da Legalidade foi o mais valioso e o mais importante da história brasileira da segunda metade do século XX, foi mobilizador de massas, é importantíssimo. Vingou pelo Brasil inteiro porque Brizola teve a ideia de requisitar as estações de rádio e com elas formar uma cadeia que passou a se chamar a Cadeia da Legalidade, que transmitia 24 horas por dia dos porões do Palácio e que chegava a todos os pontos do país". Naquela edição da IHU On-Line, ele contou como o movimento o aproximou de Brizola. "O episódio que nos aproximou e nos tornou, digamos, íntimos praticamente, foi o episódio da Legalidade, da renúncia do presidente Jânio Quadros, quando os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart por considerá-lo um golpista que estava em visita oficial à China comunista e à União Soviética".
Segundo ele, foi o ex-governador que sugeriu ao jornal Última Hora, de Porto Alegre, uma reedição especial, lançando a campanha pela posse de João Goulart. "Naquela época, os vespertinos não circulavam aos domingos, assim como os matutinos, como o Correio do Povo, não circulavam às segundas-feiras. E num domingo nós lançamos uma edição extra da Última Hora, cuja manchete era mais ou menos a seguinte "Rio Grande diz não ao Golpe: Jango na Presidência", e foi a primeira e a única vez na história talvez, que uma edição de jornal sai protegida pela Brigada Militar, pela polícia, porque nós achávamos que o Exército ia impedir a circulação do jornal", relatou.
O jornalista Paulo Markun, um dos fundadores de vários jornais, como Pasquim São Paulo, Imprensa, Radar, Deadline e Jornal do Norte, classificou a Cadeia da Legalidade como um episódio único na história do país. "Foi a única vez, no Brasil, e uma das poucas no mundo, em que um movimento civil conseguiu impedir o golpe militar que tinha a adesão dos três Ministros Militares e 70% da força militar do país. Jânio Quadros havia renunciado. Tudo leva a crer que ele pensava que seria um movimento de renúncia rapidamente revertido numa espécie de fortalecimento de sua posição e voltar nos braços do povo, mas não houve o protesto popular e o Congresso não discutiu a renúncia, simplesmente aceitou. Foi uma jogada dos congressistas. Jânio ficou, tudo nos leva a crer isso, muito frustrado e foi embora do país. Desse vazio de poderes, os três ministros militares não queriam que Jango assumisse e deram posse ao presidente do Congresso Nacional como presidente da República".
Nesse momento, continua, "Brizola é o primeiro que se revolta contra essa ideia e começa, imediatamente, a transmitir por rádio - todas as emissoras tinham sido colocadas sob censura, salvo uma, a Guaíba de Porto Alegre. A partir da Guaíba ele começa a transmitir e isso começa a dar repercussão. Ao longo do tempo ele modifica inclusive a direção em que o sinal era transmitido, de ondas curtas, para justamente atingir o resto do Brasil, e outras emissoras vão captando até que ao longo desses doze dias, que demorou o processo, havia 104 emissoras integradas numa rede e com isso, conseguiu incendiar o país, a partir de Porto Alegre. Nunca tinha sido feito também, em termos técnicos, uma rede de rádio tão poderosa e, no momento em que o comandante do III Exército instalado no Rio Grande do Sul, General Machado Lopes, adere a essa rede da Legalidade, o quadro, de alguma forma, se equilibra melhor do ponto de vista militar porque o III Exército, na época, era o exército mais poderoso do país em função da desavença com a Argentina e aí começou a ficar possível algum tipo de resistência. Até então, ele só se apoiava na Brigada Militar, que é a força pública do Rio Grande do Sul, e na mobilização de voluntários. Chegou a inscrever quarenta mil voluntários num movimento de resistência. Isso virou o processo e acabou com o golpe. Houve uma ordem expressa do governo federal, dos ministros militares para bombardear o Palácio Piratini e silenciar o governador a qualquer preço, mas os sargentos da Aeronáutica impediram que os aviões levantassem voo. Fizeram uma espécie de boicote, tiraram peças dos aviões, e, nesse meio tempo, o general mudou de posição".
A socióloga Maria Celina D'Araújo, autora da tese A ilusão trabalhista. O PTB de 1945 a 1965, disse que Brizola foi um político típico da geração dos anos 1950. "Políticos muito personalistas, carismáticos, com uma grande liderança pessoal, políticos que não tinham apreço muito grande pelas instituições representativas, que achavam mais importante mobilizar a massa, articular diretamente com o povo, pensar as grandes questões nacionais, políticos populistas". Segundo ela, "até 1964, não podemos dizer que Brizola era um grande democrata. Era sim um grande líder político, um grande nacionalista, era um homem que tinha uma visão do Estado muito forte. O Estado tinha, para ele, um papel estratégico para o desenvolvimento brasileiro, por isso iniciou as nacionalizações das companhias estrangeiras no Brasil. Mas criticava muito o Congresso Nacional, dizia que o Congresso era reacionário, conservador e obviamente criticou muito as Forças Armadas. Por outro lado, ele teve um papel importante em 1961, na cadeia da legalidade, mas, em 1964, podemos olhar para Brizola de dois lados: de um lado, resistiu ao golpe militar, mas, de outro lado, ele não facilitou muito as coisas para João Goulart. O governo João Goulart radicalizou e ele não soube negociar nesse momento uma composição, nem com Goulart, nem com a direita. No entanto, teve uma posição coerente".
Naquela edição da IHU On-Line, a historiadora e ex-professora da Unisinos, Eloísa Capovilla, que faleceu em abril deste ano em decorrência da Covid-19, acentuou que "foi a defesa da 'legalidade' constitucional, que garantiria a posse do vice-presidente da República, João Goulart, em 1961, o episódio que mais marcou a vida política de Brizola. Defendida a ferro e fogo, desde o Palácio Piratini, a posse do vice-presidente foi garantida sob a liderança do governador do Rio Grande do Sul. O movimento da Legalidade pode ser interpretado como um ato de convicção, de crença nas instituições democráticas, ao mesmo tempo que um movimento de rebeldia do líder gaúcho".
Em entrevista à IHU On-Line em 2014, a historiadora Claudia Wasserman comentou as conquistas e derrotas da Campanha da Legalidade. "Ainda que a História não seja 'mestre da vida', a importante lição da Campanha da Legalidade diz respeito à capacidade de mobilização da sociedade em momentos de grande polarização ideológica". Quanto a Brizola, ressaltou, "sua prédica em torno do respeito à Constituição e às leis surtiu efeitos momentâneos e impediu que a polarização que o Brasil vivia entre o capitalismo e o socialismo se expressasse através de um golpe. Significa dizer que o fato de a população ter sido sensível à convocação pela Legalidade teve como resultado o retraimento momentâneo de militares e civis que planejavam romper com os preceitos da Constituição".
Na próxima quinta-feira, 02-08-2021, dando continuidade ao legado da Campanha da Legalidade, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove e transmite o evento virtual O contexto da Legalidade e seus legados para a democracia brasileira, com a participação do historiador Jorge Ferreira. O evento será transmitido diretamente na página eletrônica do IHU, no Canal do IHU no YouTube, IHU Comunica, e nas redes sociais, às 17h30.
IHU Ideias (Arte: IHU)
A seguir, disponibilizamos algumas das várias publicações do Instituto Humanitas Unisinos - IHU sobre o legado da Campanha da Legalidade, da era Vargas e dos acontecimentos históricos daquele período, que marcaram o país, assim como artigos e entrevistas reproduzidos na página eletrônica do IHU.
Cadernos IHU em formação Nº. 01, Populismo e Trabalhismo. Getúlio Vargas e Leonel Brizola, publicado em 2005.
Cadernos IHU em formação Nº. 40, Campanha da Legalidade. 50 anos de uma insurreição civil, publicado em 2011.