28 Julho 2021
Lei Complementar 1.089/21 deixou diversas Terras Indígenas desprotegidas e vulneráveis. Diversas lideranças – de povos como Karitiana, Karipuna, Kanoé, Kassupá, Uru Eu Wau Wau – redigiram uma carta em que denunciam a situação dos territórios.
A reportagem é de Jorge Eduardo Dantas, publicada por Greenpeace, 26-07-2021.
Lideranças indígenas de Rondônia, do noroeste do Mato Grosso e do Sul do Amazonas divulgaram recentemente uma carta denunciando que, desde que a Lei Complementar 1.089/21 foi sancionada pelo Governo de Rondônia, em maio, as ameaças e invasões aos territórios indígenas se intensificaram.
A carta foi produzida entre os dias 12 e 14 de julho, num encontro que reuniu diversas lideranças em Porto Velho (RO) e que foi realizado cumprindo todos os protocolos sanitários de defesa contra a COVID-19. O documento é fruto de um debate entre os representantes sobre a conjuntura política envolvendo os seus territórios. Leia o conteúdo do documento aqui.
Participaram desta discussão lideranças Karitiana, Karipuna, Kanoé, Kassupá, Uru Eu Wau Wau, Oro Waram, Oro Waram Xijein, Salamãe e Oro Mon. A produção da carta foi intermediada pela Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Opiroma).
A Lei Complementar 1.089 foi sancionada pelo governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha (PSL), em 20 de maio. Ela extinguiu 202 mil hectares de áreas protegidas no estado, retirando a proteção de porções significativas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim. Essa lei está sendo questionada na Justiça (leia mais abaixo). A Resex Jaci-Paraná perdeu 171 mil hectares – quase 90% de seu território – e o Parque Estadual de Guajará-Mirim perdeu 55 mil hectares.
Na carta, as lideranças afirmam que a sanção da Lei Complementar 1.089/21 possibilitou que as Terras Indígenas Karipuna, Uru Eu Wau Wau, Karitiana, Lage e Ribeirão passassem a sofrer mais invasões – uma vez que as áreas protegidas que serviam como proteção ou zona de amortecimento não existem mais.
Além disso, disseram as lideranças, os invasores sentem que suas invasões serão legalizadas, o que fez com que eles tivessem mais confiança e passassem a adentrar mais e mais os territórios. A carta cita também a situação dos povos isolados da região – essa mudança nas áreas protegidas reduziu sua área de circulação, deixando menos recursos para a sobrevivência física e cultural desses povos.
Para repercutir o conteúdo da carta – que alerta para a maior pressão de invasões dentro dos territórios indígenas e fala dos custos ambientais que a LC 1.089 traz – as lideranças entregaram cópias do documento para órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) e para representantes da Embaixada da Alemanha que recentemente visitaram os povos indígenas de Rondônia.
Um dos territórios mais impactados pela LC 1.089 é a Terra Indígena Karipuna, lar do povo de mesmo nome que, por reunir uma população de apenas 60 pessoas, têm sua existência ameaçada pelo crescente processo de invasão de seu território.
No início de maio, representantes do povo Karipuna entraram com uma ação na Justiça Federal de Rondônia demandando diversas medidas dos governos Estadual e Federal, incluindo a retirada de invasores, fiscalização e vigilância da Terra Indígena e destruição de obras dos criminosos no interior do território. Entre 2017 e 2020, foram devastados 3.646 hectares da TI Karipuna. Hoje, ela é a 9ª Terra Indígena mais desmatada da Amazônia.
Coordenador da Opiroma, José Luiz Cassupá falou sobre os perigos que a Lei Complementar traz: “A LC 1.089 tem diversas consequências ruins para as Terras Indígenas. Ela vai contribuir com o desaparecimento de alguns rios e igarapés, vai abrir espaços para novas invasões, vai aumentar o desmatamento, vai aumentar o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) dentro dos territórios e aumentar o número de queimadas. Por tudo isso, nós não apoiamos essa lei, nós não estamos de acordo com o que ela propõe”.
José Luiz disse ainda que está muito claro, às lideranças indígenas rondonienses, que a Lei Complementar faz parte de uma ofensiva maior contra os direitos indígenas que inclui o PL da Grilagem, o PL da Mineração e o julgamento do Marco Temporal. “São vários projetos de lei que, analisados em conjunto, existem para impedir a demarcação de novas Terras Indígenas e dificultar a proteção daquelas que já existem. Hoje temos uma Funai fragilizada, um Ibama sem agentes de fiscalização. Não temos hoje um órgão que fiscalize de maneira eficiente os crimes contra as Terras Indígenas”, declarou.
Porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista contou que a intensificação das invasões e o aumento das ameaças eram consequências esperadas da aprovação da Lei Complementar 1.089.
“Essa lei, de maneira totalmente inconstitucional, piorou muito a situação para diversas populações indígenas que dependem de seus territórios para manter vivas suas famílias e culturas – e já eram vítimas de ameaças e invasões. Esse aumento da violência já estava dado. Estamos assistindo ao Governo de Rondônia premiar grupos criminosos que invadiram, destruíram essas áreas dentro das Unidades de Conservação e infelizmente nada indica que algo será feito para impedir o avanço sobre as terras indígenas que ficaram ainda mais vulneráveis. Isso é só mais um aspecto do genocídio indígena que estamos vendo acontecer hoje no Brasil”, disse Rômulo.
A situação da Lei Complementar 1.089/21 não está resolvida: ela está sendo questionada pelo Ministério Público Estadual (MPE) de Rondônia e pelo MPF.
Antes mesmo de sua sanção, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de Rondônia havia se manifestado contrariamente a essa lei, afirmando que ela não foi precedida de nenhum estudo técnico (conforme preconiza o artigo 22 da Constituição Federal) e que ela fragilizava um importante corredor ecológico que liga diversas Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Pouco dias após o governador Marcos Rocha sancionar a Lei Complementar 1.089, o Ministério Público Estadual entrou na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra ela. No início de julho, foi a vez do MPF encaminhar o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), também alegando inconstitucionalidade. Os procuradores federais lembraram que não houve consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas afetados pela medida, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Não podemos normalizar a violência contra os povos originários e nem permitir uma política genocida que nos remete ao nosso passado colonial. Exija a proteção imediata da vida dos povos indígenas e de seus territórios assinando a nossa petição Basta de Violência contra os Povos Indígenas!
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Após aprovação de lei que reduziu áreas protegidas em Rondônia, ameaças e invasões aos territórios indígenas se intensificaram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU