19 Julho 2021
"O Motu Proprio Traditionis Custodes é um passo muito significativo para que se volte à normalidade da prática pastoral em torno da Liturgia. Os bispos readquirem liberdade e legitimidade para gerir a vida litúrgica dos fiéis que lhes foram confiados. No entanto, há ainda “muita água a rolar” até que a pastoral litúrgica se restabeleça com aquela fecundidade querida pelos mais de dois mil bispos do mundo inteiro que aprovaram a Constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium", escreve Pe. Márcio Pimentel, presbítero da Arquidiocese de Belo-Horizonte e membro da Celebra Rede de Animação Litúrgica, e doutorando em liturgia no Istituto de Liturgia Pastorale “Santa Giustina” em Pádua.
“Os livros litúrgicos promulgados pelos santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi del Rito Romano.” Com estas palavras do primeiro artigo do mais recente Motu Proprio do Papa Francisco, põe-se fim ao “estado de exceção” em matéria litúrgica (e de tabela, também eclesiológica) criado com Summorum Pontificum (2007) e Universae Eclesiae (2011), respectivamente do Papa emérito Bento XVI e da finada Comissão Ecclesia Dei. Ao mesmo tempo, do ponto de vista teorético, é retomada a Tradição que não conhece duas formas em exercício do mesmo rito, enquanto este gera identidade e dá movimento ao sujeito eclesial. O “teorema” das formas extraordinária e ordinária jamais “engolido” por incontáveis bispos e estudiosos da Liturgia foi dissolvido com uma “canetada”. E, finalmente, o nunca dantes legitimado processo de “reforma da Reforma”, que rendeu bibliografia também no Brasil que se propunha adaptar o Missal de Paulo VI ao Missal de Pio V (sic!), é finalmente sepultado.
Tudo isso se justifica dentro do projeto do papado atual de voltar às fontes do Concílio fazendo a Igreja progredir. Para quem não se lembra, Francisco começou seu itinerário como Vigário de Roma e Pontífice universal modificando o rito do lava-pés, ampliando as possibilidades de participação para torná-lo mais fiel à sua raiz bíblica e melhor expressivo de sua portada simbólica. Ao mesmo tempo, dava um claro recado sobre como via o serviço petrino que então assumia. Alguns meses depois, em sua primeira grande entrevista à Antônio Spadaro e à revista La Civiltà Cattolica, deixava claro como a Liturgia era, em si mesma, enquanto hermenêutica autêntica e contemporânea do Evangelho, o fruto mais maduro do Concílio – fazendo-nos recordar São Paulo VI.
O Motu Proprio Traditionis Custodes é um passo muito significativo para que se volte à normalidade da prática pastoral em torno da Liturgia. Os bispos readquirem liberdade e legitimidade para gerir a vida litúrgica dos fiéis que lhes foram confiados. No entanto, há ainda “muita água a rolar” até que a pastoral litúrgica se restabeleça com aquela fecundidade querida pelos mais de dois mil bispos do mundo inteiro que aprovaram a Constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium. Nestes anos em que Summorum Pontificum e a Instrução Universae Ecclesiae serviram de argumento de autoridade para que se tentasse desclassificar e deslegitimar pastoral e teologicamente a reforma litúrgica, muita discórdia se fez notar. O tradicionalismo litúrgico, que é evidência pura de claro enrijecimento eclesial e sintoma daquela mundanidade espiritual tantas vezes denunciada por Francisco, que faz coincidir o evangelho com as agendas pessoais de alguns, saiu do armário e – no mínimo – criou celeumas dentro dos círculos pastorais. A isso, o Papa Francisco chamou de “uso instrumental do Missal de 1962” na carta ao episcopado que acompanha o Motu Proprio.
Devemos ler atentamente tanto o documento Traditionis Custodes como a carta que o acompanha. Há muita coisa dita nas entrelinhas e que precisam ser alardeadas aos quatro ventos. Haveremos tempo para isso. Com este pequeno artigo, queremos apenas convidar as comunidades que se mantiveram fiéis nestes últimos duros anos a celebrar mais um passo que confirma a reforma litúrgica como um evento irreversível. Amém.
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Celebremos! Artigo de Márcio Pimentel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU