21 Mai 2021
Uma autoridade do Dicastério Vaticano para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral pediu às instituições católicas de todo o mundo para desinvestir em combustíveis fósseis, chamando isso de um imperativo moral e teológico e uma resposta à encíclica inovadora do Papa Francisco sobre o meio-ambiente.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por America, 20-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Nós sabemos que os combustíveis fósseis estão causando a crise climática e destruindo nosso planeta. Ainda assim, nós continuamos investindo na poluição dos combustíveis fósseis”, disse o padre salesiano Joshtrom Kureethadam, chefe do setor de ecologia e criação do dicastério, referindo-se a isso como um ato esquizofrênico. “É imperativo físico que mudemos esse curso, que paremos de investir”.
“Cientistas nos ensinam sobre isso”, afirmou, acrescentando que “é também um imperativo moral. Nossos próprios irmãos e irmãs em todo o mundo já estão sofrendo devido à crise climática, e nós não podemos empurrá-los a grandes sofrimentos”.
“Esse também é um imperativo teológico”, Kureethadam afirmou. “A Terra é a Criação de Deus confiada a nosso cuidado. Nós precisamos cuidar da Criação de Deus. Então sejamos corajosos. Vamos desinvestir”.
Kureethadam fez as afirmações em videomensagem para o webinar Semana Laudato Si', que iniciou em 19 de maio, na discussão sobre desinvestimento em combustíveis fósseis. O evento é parte de uma semana oficial, promovida pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que encerra celebração do “Ano Laudato Si'”, pela publicação da encíclica em 2015.
O apelo do oficial do dicastério foi uma das declarações mais diretas sobre o desinvestimento vindo do Vaticano, o qual tem levantado a voz sobre a necessidade de mudanças financeiras para se distanciar dos combustíveis fósseis.
Como parte do Ano Laudato Si', o Vaticano publicou um guia de diretrizes sobre formas que católicos podem implementar a ideia de ecologia integral e outras mensagens que Francisco enfatizou na encíclica.
Entre as recomendações estava o desinvestimento em combustíveis fósseis e o reinvestimento em infraestrutura de energia renovável. A Plataforma de Ação Laudato Si' que tem lançamento marcado para 25 de maio, também reforça as estratégias de desinvestimento-investimento.
Kureethadam disse que essas iniciativas, entre a própria Laudato Si', pedindo que as organizações da Igreja mudem suas finanças afastando-se do setor de combustíveis fósseis e indústrias prejudiciais ao planeta e às pessoas.
“Vamos escutar o convite do Papa Francisco para desinvestir em combustíveis fósseis e proteger nossa Casa Comum”, afirmou.
Até o momento, mais de 250 instituições católicas comprometeram-se publicamente a desinvestir ou a continuar evitando investimentos no setor de combustível fóssil. As últimas 21 foram anunciadas no dia 17 de maio como parte de um anúncio coletivo de 36 organizações de fé de desinvestimento de 11 diferentes países, coordenadas por uma campanha do Movimento Católico Global pelo Clima. Outras cinco foram anunciadas durante o webinar. Entre os novos grupos de desinvestimentos estavam seis dioceses da Irlanda.
O bispo Brendan Leahy, da Diocese de Limerick, disse que o desinvestimento é “um passo prático para responder ao clamor da humanidade”, em reposta tanto à mudança climática quanto ao aumento das desigualdades e insegurança.
Sua diocese fez parte do anúncio de desinvestimento. Ela levou aproximadamente três anos depois que a conferência de bispos irlandeses fez o mesmo em resposta a uma campanha liderada pela agência de desenvolvimento Trócaire. Leahy disse que a declaração pública de desinvestimento, especialmente em números, pode ajudar a motivar outros a seguir e também a dar outros passos rumo à conversão ecológica.
O cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia, que junto com sua arquidiocese de Luxemburgo se desfez, disse que a urgência das mudanças climáticas exige que a Igreja e todas as pessoas tomem medidas para conter o aquecimento global agora. Isso inclui mudanças no estilo de vida, que ele disse que serão difíceis.
“Temos que começar com coisas simples. E acho que desinvestir em combustível fóssil, em comparação com outras coisas que também deveríamos fazer, é na verdade o ponto mais fácil. É um começo”, disse ele.
Embora estudos financeiros mostrem que os valores de mercado de combustíveis fósseis estão em declínio, Hollerich disse que a busca pela maximização do lucro, mesmo com o objetivo de usar esse dinheiro para o bem, é “uma grande tentação, porque é completamente errado”.
“Temos que mostrar aos políticos que este é o nosso verdadeiro desejo. E que também significa que aceitamos talvez uma perda de renda para salvar o planeta”, disse o cardeal.
Reabetswe Tloubatla, membro da equipe do Denis Hurley Peace Institute da Conferência Episcopal da África Meridional, descreveu os custos sociais da extração de combustíveis fósseis na região de mineração de carvão daquele país, onde muitos residentes sofrem de doenças pulmonares crônicas relacionadas ao ar poluído.
Nas proximidades de Moçambique, onde o instituto também trabalha, a extração e processamento de gás natural liquefeito poluiu florestas de mangue e fontes de água doce e comunidades deslocadas. A operadora anunciou recentemente planos para mover as instalações de processamento para uma ilha ao largo da costa, onde Tloubatla teme que a dizimação ecológica se repita.
“Você não pode extrair todos esses combustíveis fósseis da terra e queimar carvão para eletricidade, como fazemos aqui, e não ter um impacto direto e negativo nas pessoas, nos animais, nas plantas, na água ao redor de onde você vive isso”, disse ela.
Bill McKibben, escritor ambientalista e ativista climático que tem liderado a campanha “350.org Go Fossil Free”, aplaudiu o papel que grupos religiosos e a Igreja Católica, e particularmente Francisco, têm desempenhado no movimento de desinvestimento.
“Se você quiser uma prova de que o Espírito Santo está operando no mundo, pense no fato de que é uma jovem estudante sueca e um papa argentino não tão jovem que estão ajudando a impulsionar o movimento para lidar com os problemas mais graves”, disse ele, referindo-se à jovem fundadora da greve climática, Greta Thunberg.
McKibben disse que encerrar o apoio financeiro para a indústria de combustíveis fósseis é uma das alavancas importantes para responder às mudanças climáticas, e se juntou a outros para encorajar dioceses e organizações religiosas a dar esse passo.
“Não sou teólogo, mas é bom viver em um momento em que podemos passar da energia de baixo para a energia de cima”, acrescentou.
Questionado sobre como os católicos podem abordar suas dioceses para pedir-lhes que reconsiderem os investimentos em combustíveis fósseis, Hollerich disse que os bispos muitas vezes estão ocupados e cuidando de muitas questões ao mesmo tempo. Ele comparou seus colegas prelados a avôs que provavelmente ouvirão seus netos, e sugeriu que os jovens católicos escrevessem para eles com suas preocupações sobre a mudança climática.
“Então, por favor, jovens”, disse ele, “digam ao seu avô bispo sobre o desinvestimento”.
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Vaticano: O desinvestimento em combustíveis fósseis é um “imperativo moral” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU