21 Mai 2021
"Comunicar a fé e a experiência religiosa no nosso tempo tornou-se mais desafiador do que nunca na história, por causa das muitas fontes de informações que mudam rapidamente e das informações conflitantes. A sociedade da informação impulsionada pela tecnologia é uma verdadeira revolução cultural sedutora e até viciante".
O comentário é de Nuala Kenny, pediatra e religiosa das Irmãs da Caridade de Halifax, no Canadá, em artigo publicado por La Croix International, 19-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A festa litúrgica de Pentecostes, que os cristãos de tradição ocidental celebram neste ano no dia 23 de maio, é ao mesmo tempo gloriosa e misteriosa.
No segundo capítulo dos Atos, os apóstolos estão reunidos após a Ascensão de Cristo para celebrar a Shavuot (ou a Festa das Semanas judaica).
“Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Acontece que em Jerusalém moravam judeus devotos de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem” (Atos 2,3-6; trad. Bíblia Pastoral).
O que quer que tenha sido e continue sendo essa experiência extática de Pentecostes na prática carismática e evangélica para alguns, ela demonstra claramente a irresistível necessidade de comunicar a nossa experiência de Deus.
Essa necessidade avassaladora envolve muito mais do que a linguagem e uma tradução cósmica do Google. Tem a ver com as nossas vidas e as próprias relações, que têm uma grande importância.
Eu me senti estranhamente atraída para ponderar sobre esse mistério espiritual de comunicar a Deus e os desafios práticos disso à luz das tentativas das plataformas de mídias sociais globalmente poderosas, como a tentativa sem precedentes do Facebook de identificar e conter a disseminação de mentiras, notícias falsas e discurso de ódio.
Isso me faz buscar lições sobre como comunicar o transcendente em um mundo secular, científico, tecnológico e comercializado, no qual o imanente impera.
O filósofo católico canadense Marshall McLuhan, que cunhou a famosa frase “o meio é a mensagem”, advertia que as mídias são pervasivas em suas consequências pessoais, políticas, econômicas, estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais.
A comunicação efetiva na mudança social e cultural é impossível sem o conhecimento do modo como as mídias funcionam como ambientes.
Historicamente, a Igreja respondeu à tecnologia à medida que passávamos da comunicação oral inicial para a palavra escrita. Histórias de fé foram transmitidas por padres e xamãs que estavam enraizados em uma tradição e cosmovisão.
No entanto, o desenvolvimento do relógio permitiu que pudéssemos ser mais precisos e fiéis na celebração da Liturgia das Horas. Ele tornou possível a Revolução Industrial com seu foco na eficiência e na produção.
A linguagem e a comunicação escrita foram primeiro salvaguardados pelos monges. A imprensa, destinada a tornar as Escrituras mais acessíveis, removeu o controle da Igreja sobre a interpretação e foi amplamente responsável pela Reforma Protestante.
O telefone, o rádio, o cinema e a televisão proporcionaram outra mudança na comunicação no Ocidente, mas também bombardearam as nações subdesenvolvidas e desenvolvidas com imagens culturais ocidentais de riqueza e individualismo.
Hoje, as mídias sociais interativas e a “realidade virtual” dominam.
Paradoxalmente, comunicar a fé e a experiência religiosa no nosso tempo tornou-se mais desafiador do que nunca na história, por causa das muitas fontes de informações que mudam rapidamente e das informações conflitantes. A sociedade da informação impulsionada pela tecnologia é uma verdadeira revolução cultural sedutora e até viciante.
Pesquisas norte-americanas mostram que 30% dos adultos estadunidenses dizem que estão “quase constantemente online”. Adolescentes e jovens adultos podem passar mais de seis horas por dia na frente de uma tela de computador, consumindo conteúdos não religiosos ou de contextos não baseados na fé.
A pandemia aumentou a porcentagem das nossas vidas vividas online e mediadas por dispositivos tecnológicos.
As tecnologias de hoje apresentam oportunidades e desafios para comunicar a fé. Acreditamos que o próprio Jesus é a Palavra de Deus. Em sua pessoa, palavras e testemunho, por meio do poder do Espírito Santo, ele é a comunicação última do amor de Deus.
Os católicos não são ludistas resistentes. “A abordagem da Igreja aos meios de comunicação social é fundamentalmente positiva, encorajadora”, observou o ex-Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais em seu documento “Ética nas comunicações”, de 2000.
No entanto, na Christus vivit, a exortação apostólica após a assembleia do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, de 2019, o Papa Francisco sublinhou algumas preocupações cruciais.
“Os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas” [n. 88], escreveu ele.
A experiência da liturgia virtual durante o lockdown pandêmico das Igrejas é um exemplo doloroso.
Isso nos leva de volta ao período pré-Vaticano II, de “participantes plenamente ativos” para observadores isolados de uma performance cultual, com uma perda dos aspectos encarnacionais da comunidade de amigos que compartilham uma refeição que deveria estar ligada ao cuidado dos pobres e marginalizados.
Podemos facilmente perder de vista a natureza sacramental da existência humana, a presença de Deus no mundo criado e por meio dele, e a própria bondade da nossa fisicalidade.
A competência tecnológica criou novas elites e hierarquias com as suas possibilidades de abuso de poder e da verdade.
A Igreja é vista apenas como uma fonte da verdade. As divisões polarizadas sobre Deus, a fé e a Igreja criam uma nova Torre de Babel, fomentando divisão, raiva e desespero.
Como uma criança acostumada com videogames interativos e velozes pode se sentar em oração na missa?
O ensino moral é um componente essencial da fé, mas as buscas no Google fornecem apenas fatos. A informação requer fatos dentro de um contexto. A sabedoria é a habilidade de usar as informações para um bem claramente definido.
Mesmo que construamos um melhor uso das modernas tecnologias de comunicação, não há garantia de que alguém irá usá-lo. Muitos hoje são secularistas satisfeitos.
A pandemia revelou tragicamente que muitos abandonaram a prática da fé e não sentem falta dela, nem sentem uma diferença nas suas vidas.
Outro filósofo canadense, Charles Taylor, refletiu sobre a audiência para o ensino da Igreja na nossa era secular. Ele identifica buscadores que entendem a fé como uma jornada ou busca pessoal. O ensino dogmático e intolerante é rejeitado.
Taylor encontra em muitos uma ética da autenticidade que exige coerência entre o ensino da Igreja e as vidas e relações dos fiéis.
Isso ressoa com a experiência de Pentecostes, comunicando a experiência de Deus e a fé em palavras e para além das palavras durante toda a vida.
O chamado do papa a um diálogo e compromisso renovados com o “caminho sinodal”, que é um caminhar juntos, apresenta uma possibilidade profética para um novo Pentecostes.
Que todos nós estejamos abertos para sermos preenchidos pelo Espírito Santo e movidos irresistivelmente para proclamar o amor de Deus em palavras... e para além das palavras.
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Pentecostes e a comunicação da experiência de Deus no nosso tempo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU