17 Mai 2021
"Sair desse hibridismo político-religioso não é apenas a condição da democracia e da primeira estação de paz, mas seria também uma extraordinária epifania de Deus, uma correção de suas imagens equivocadas, uma cura das representações perversas fornecidas por todas as tradições. Para a religião e o povo de Israel, como imperfeitamente o foi para os cristãos, tal conversão seria um dom inestimável antes de tudo para eles mesmos, mas também para toda a humanidade, hoje às voltas com a tarefa histórica de dar uma resposta à crise ambiental, para salvar o planeta, para fazer a história continuar", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 15-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A partir de 11 de maio, um dia após o outro, a televisão nos mostrou torres e edifícios de 12 e 14 andares em Gaza sendo arrasados ao chão com seus habitantes sob o bombardeio israelense. As imagens ao vivo imediatamente trouxeram à lembrança com impressionante semelhança as correspondentes imagens de 11 de setembro de 2001, quando as Torres Gêmeas em Nova York foram derrubadas. Mas enquanto naquela época o mundo parou e a comoção foi universal, desta vez nada parou e não vimos nenhum choro.
É uma guerra, dizem eles, mas é impossível dizer quando começou. Começou no dia anterior, com os milhares de foguetes disparados pelo Hamas contra Israel, tanto mais numerosos quanto mais ineficazes, mais políticos do que bélicos, assustadoramente assimétricos em relação ao poder de fogo israelense? Ou começou em 7 de maio, quando o exército israelense invadiu a esplanada das mesquitas, entrando em confronto com os palestinos que ali se manifestavam ou rezavam? Ou começou quando famílias palestinas pobres foram despejadas do bairro de Sheik Jarrah para deixar suas casas aos colonos sionistas ocupantes? Ou começou com a guerra dos 6 dias de 1967 e a conquista judaica de Jerusalém Oriental? Ou com a Nakba, ou "catástrofe" palestina, e os árabes expulsos de suas terras em 1948? Ou começou com o Holocausto, o genocídio, a longa perseguição aos judeus?
Não é o caso aqui de tentar uma análise que nos encontraria divididos. Mas uma coisa é certa: este longo conflito inumano não tem solução política. E esperamos firmemente que ninguém finja ou se iluda de lhe dar uma solução de força, que ninguém pense em uma tacada militar final. Em vez disso, só existe uma solução possível e existe uma condição indispensável para uma solução política, que é uma conversão.
Por conversão entende-se uma conversão religiosa, o que implica uma mudança da natureza judaica do Estado de Israel. A natureza judaica do estado, apesar do mascaramento secular, foi impressa desde o início na formação do estado israelense, incorporada em seu evento fundador, de fato associada posteriormente a todas as suas escolhas políticas e militares e, desde julho de 2018, também é formalmente sancionada em uma lei de dimensão constitucional que faz de Israel o “estado-nação” dos judeus, no qual somente ao povo judeu é reconhecido o direito à autodeterminação, os demais são um povo sujeito, a ser “descartado”, como a “Evangelii Gaudium” diria. Em virtude disso, em Israel existem duas cidadanias e uma única legitimidade, cuja fonte é um direito não de origem humana, mas um direito divino.
É uma figura historicamente conhecida. Tal era o regime Constantiniano, ou melhor, teodosiano, em que o Cristianismo foi incorporado entre o primeiro e o segundo milênio, tal era o Estado da Igreja que ainda no século XIX praticava em Roma as execuções capitais com “mazzolatura” (martelo) e desmembramento na Piazza del Popolo, tal "o Cristianismo" em vigor no Ocidente até o Concílio Vaticano II, tal o regime do Cristianismo do qual agora o Papa Francisco proclama resolutamente que a Igreja saiu; mas este também é o modelo que ainda existe nas ambições e sonhos do extremismo islâmico e dos seus reexumados e fracassados califados.
Sair desse hibridismo político-religioso não é apenas a condição da democracia e da primeira estação de paz, mas seria também uma extraordinária epifania de Deus, uma correção de suas imagens equivocadas, uma cura das representações perversas fornecidas por todas as tradições. Para a religião e o povo de Israel, como imperfeitamente o foi para os cristãos, tal conversão seria um dom inestimável antes de tudo para eles mesmos, mas também para toda a humanidade, hoje às voltas com a tarefa histórica de dar uma resposta à crise ambiental, para salvar o planeta, para fazer a história continuar. O melhor cristianismo e o melhor islã já abraçaram nesta fronteira no documento de Abu Dhabi de fevereiro de 2019 em que juntos se distanciaram do uso político da religião, que se tornou fonte de "violência, extremismo e fanatismo cego", enquanto um documento católico dogmático sobre monoteísmo e a violência de 2013 já havia rejeitado qualquer "tentação de trocar o poder divino por um poder mundano" e havia postulado, como início de uma nova história, o advento de "uma religião definitivamente dispensada de qualquer sobreposição instrumental de soberania política e do senhorio de Deus”.
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Se não nos convertermos. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU