10 Mai 2021
Seis meses após o início do conflito, parte da região ainda é palco de confrontos armados e insegura. A situação de milhares de refugiados que vivem em condições difíceis é preocupante. Nigrizia falou a respeito com Atsu Andre Agbogan, coordenador regional do Jesuit Refugee Service – JRS (Serviço Jesuíta para Refugiados, em tradução livre), ao regressar de uma missão na região em abril.
A crise etíope já não é mais notícia. Já se passaram seis meses desde que o primeiro-ministro Abiy Ahmed ordenou que o Exército Nacional interviesse no início de novembro passado para convencer o governo de Tigré que não havia se adequado às disposições nacionais sobre as eleições e se opôs firmemente a outras disposições do governo central.
O Tplf, (Frente Popular de Libertação de Tigré) partido de forte maioria na região hoje considerado um movimento terrorista, era acusado de atacar uma importante guarnição militar estacionada na região e de ter um golpe de estado em mente.
Localização da região de Tigré na Etiópia (Foto: Wikipédia)
Teria pensado em aproveitar a instabilidade geral do país e das tensas relações diplomáticas com os países da bacia do Nilo, a jusante da grande barragem do renascimento etíope (Gerd), Sudão e Egito, com o qual ainda não foi encontrado um acordo para a gestão das águas do rio. O Tplf amenizou as denúncias apelando para o direito à autodeterminação e, em geral, para a governança prevista na constituição do país, que garante uma ampla autonomia regional.
Os historiadores diriam, para além e acima das diferentes e opostas narrativas, quais foram as dinâmicas políticas e como se concatenaram os fatos que levaram à guerra civil em Tigré e em toda a Etiópia à beira da implosão.
Já agora, no entanto, é possível expressar uma opinião sobre a condução do conflito e sobre o contexto internacional que não operou a pressão necessária para limitar os danos. Em um artigo divulgado em 4 de maio Etiópia: nos últimos seis meses, a morna resposta internacional ao conflito em Tigré fomentou violações horríveis, a Anistia Internacional aponta o dedo à comunidade internacional que deixou os eventos correrem apesar das notícias de gravíssimos abusos contra civis e, em particular, mulheres.
A Anistia acusa o Conselho de Segurança da ONU de inação, que só depois de vários meses expressou sua preocupação com o que estava acontecendo em Tigré, apesar do vazamento de inúmeras informações da região, que as disposições do governo não haviam sido capazes de isolar completamente. A União Africana e os governos dos países da região tiveram a mesma atitude face à consolidação da evidência de que se estavam cometendo crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
O artigo lista episódios de atrocidades bem documentados e expressa a preocupação de que "Se a resposta morna da comunidade internacional continuar, a já trágica situação pode rapidamente sair de controle".
Um relatório da Ocha (organização da ONU que coordena as intervenções humanitárias) em 27 de abril afirma que, apesar de uma ligeira melhora no acesso humanitário, "a situação em Tigré continua imprevisível e isso dificulta os esforços para prestar assistência humanitária em tempo hábil".
Nigrizia falou sobre isso com Atsu Andre Agbogan, originário do Togo, coordenador regional do Serviço Jesuíta para Refugiados (JRS), que retornou de uma missão realizada na área em abril.
A entrevista é de Bruna Sironi, publicada por Nigrizia, 08-05-2021.
O que você viu em Tigré?
Não consegui chegar a Tigré, e precisamente o distrito de Shire, onde trabalhamos há cerca de dez anos, nos campos de Mai Aini e Adi Harush que hospedam refugiados eritreus. Ainda há combates localizados em diferentes partes da região. A estrada que eu deveria ter tomado de Macallé, a capital, até a cidade de Shire, onde temos nosso escritório principal, não é segura, nem a que leva de Shire aos campos.
Parei em Gondar, na região de Amhara, e lá encontrei meus colaboradores que me informaram detalhadamente sobre a situação. O acesso, teoricamente possível, é de fato limitado pelas condições de segurança no terreno.
Vocês sempre estiveram presentes, mesmo nesses seis meses de conflito?
Tivemos que suspender as operações em novembro porque os campos não eram mais acessíveis, pois as estradas estavam bloqueadas por postos de controle contínuos. Além disso, estávamos preocupados com a segurança de nossa equipe, composta por etíopes de várias regiões, e evacuamos aqueles que não eram originários de Tigré.
Retomamos as operações humanitárias entre janeiro e fevereiro, quando o governo permitiu o acesso às organizações humanitárias.
Quais são as necessidades mais urgentes?
Essas são necessidades enormes. Só na zona onde trabalhamos, que é considerada uma zona libertada pelas milícias Amhara e por isso deveria usufruir de um certo grau de segurança, existem pelo menos 30 mil deslocados. 25 mil estão em escolas, 5 mil em abrigos provisórios.
Eles precisam de comida, estruturas onde viver, tudo que pelo menos permita a sobrevivência. Eles também precisam de grande assistência psicológica e de saúde. Muitos sofreram graves traumas físicos e psicológicos pelas ações militares que testemunharam ou nas quais estiveram envolvidos, ou pelos abusos que sofreram.
Os habitantes da área também têm grandes necessidades porque perderam os serviços que lhes eram prestados pelas administrações locais.
Por fim, existem os refugiados eritreus que precisam de proteção. Sentem-se à mercê da população local, que pode considerá-los como inimigos, e do exército da Eritreia que devastou aquela área, que pode atacá-los como traidores.
Em outras áreas, parece ainda pior, mas não tenho testemunhos diretas. O ACNUR fala de pelo menos 900 mil pessoas deslocadas no Tigré, embora ainda existam vários focos onde os combates são diários.
O que aconteceu com os refugiados da Eritreia?
Antes do conflito, havia quatro campos onde estavam hospedados cerca de 96 mil refugiados eritreus reconhecidos pelo ACNUR. Dois campos, longe de onde nós trabalhamos, foram fechados. Muitos refugiados que estavam naqueles campos foram levados pelas autoridades governamentais para os dois onde trabalhamos. Isso aumenta muito a pressão sobre os agentes humanitários, que não estavam preparados para esse influxo, e a necessidade de ajuda da comunidade internacional.
Muitos outros conseguiram chegar a Addis Ababa. Nosso escritório em Addis agora também é usado pelo ACNUR para seu registro, e o fluxo é substancial.
O que se espera para o futuro?
Em primeiro lugar, esperamos que a paz volte em breve. No entanto, continuaremos presentes enquanto houver refugiados na área. Espero também que os deslocados possam retornar às suas áreas de origem o mais rápido possível.
E depois haverá necessidade de reconciliação, porque as divisões entre os vários grupos étnicos foram muito profundas. Isso levará tempo. Também vamos trabalhar nesse setor. Mesmo antes da guerra, tínhamos um programa para a reconciliação e a coesão social.
Como está a situação da pandemia Covid-19?
Na Etiópia, a situação é grave e as pessoas não tomam as medidas de proteção necessárias. Poucos usam máscaras.
A Covid-19 certamente também está presente nos campos, mas não há unidades de saúde para enfrentar a situação ou dados disponíveis. Isso também se deve ao fato de que a presença de organizações humanitárias é escassa.
O relato de Atsu Andre Agbogan confirma a situação de Tigré e das pessoas envolvidas no conflito. É particularmente preocupante que, na sua opinião e de muitos outros, será necessário muito tempo para sanar a divisão e o antagonismo entre os vários grupos, fruto dos gravíssimos abusos e das destruições de infraestruturas, incluindo de serviços básicos, causados pela guerra civil nos últimos seis meses.
No entanto, a reconciliação é o pré-requisito indispensável para retomar o caminho de desenvolvimento humano e econômico em que Tigré, e toda a Etiópia, estavam bem encaminhados, e que o conflito interrompeu repentinamente.
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“No Tigré uma situação grave, precisamos de paz e reconciliação”. Manifestação do coordenador regional do Jesuit Refugees Service - Instituto Humanitas Unisinos - IHU