30 Abril 2021
"Desde Adão - e Eva - em diante somos todos seres irremediavelmente desejosos, impelidos a buscar e nos tornar o que ainda não somos, o que não temos mais", escreve Elena Löewenthal, escritora italiana e estudiosa do judaísmo, em artigo publicado por La Stampa, 29-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira voz do verbo desejar vem ao mundo com Eva. Em um cosmos bíblico desenhado pela simetria perfeita entre a palavra divina e a matéria - Deus as profere e as coisas se tornam realidade - a mulher nasce porque Adão, e com ele a criação, sentem a sua falta. Eva é o ditado de uma necessidade, de uma ausência sofrida: o homem "sente" que quer algo "à sua frente", diz literalmente o texto. Por mais promissor que seja, este destino do feminino foi infelizmente mais uma condenação do que um privilégio através da história. Mas, é certo que o desejar, que é a consciência primária da falta, a aspiração de ultrapassar os limites da realidade para ir mais longe, para ter mais, para ser diferente, tem sido um instinto fundamental desde então.
Desde Adão - e Eva - em diante somos todos seres irremediavelmente desejosos, impelidos a buscar e nos tornar o que ainda não somos, o que não temos mais. Desejar é um gesto cotidiano do espírito, é um impulso que nos move mil vezes por dia, nos pequenos e nos grandes momentos. É a matéria de que somos feitos, o "estado de afeto do eu que consiste em um impulso volitivo em direção a um objeto externo". Um estado que, por definição, nunca é inerte, mas sempre em movimento.
O ato de desejar é também o que nos leva de volta às origens, àquela fronteira física e metafísica que muda o mundo no instante em que, como que impulsionado por uma iluminação fatal, Adão se dá conta de que lhe falta algo que é necessário, urgente, reconfortante. Aquele momento em que a ausência se torna consciência da imperfeição da criação e Adão pede a Deus para remediar.
Mas a mulher que na Bíblia sela a obra divina com a sua presença última é, no fundo, o eco de outra falta, de outro desejo: aquele de Deus que decide retratar-se para dar espaço e tempo ao mundo, ou seja, criá-lo. É por isso que "desejar" evoca o movimento perene que anima a vida, das estrelas e rumo às estrelas - de sidera ad sidera - que diz tudo sobre o que somos e sentimos.
O impulso do desejo, portanto, que continuamente nos faz seres desejantes, é sem dúvida o campo de investigação maior, mais interessante, mas também enigmático de todo o humano. “Pois ninguém deseja aquilo que possui, mas apenas o que não possui, o que é um claro defeito”, explica-nos Dante no Convívio. E mais do que nunca somos desejosos, neste tempo presente feito de faltas, renúncias, distâncias. Desejosos de ter de volta e ser o que tínhamos, o que fomos e não somos mais.
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Aquele impulso perene que nos traz de volta a Adão e Eva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU