14 Abril 2021
"Educação após Auschwitz", só que a favor. O grau de naturalização do genocídio a que chegamos... Uma aula na carne de como funcionam, nos detalhes mais sórdidos, os grandes massacres em escala industrial. Transformar educação em comércio é destruir a própria ideia de educação. Os professores foram reduzidos a mais uma mercadoria facilmente descartável e substituível no supermercado da nossa miséria econômica, política e moral.
Bem isso!!
Diagnosticando o “médico bolsonarista”
(Wilson Gomes)
O bolsonarismo na classe médica, além de patologia moral, virou doença intelectual e moléstia profissional.
Dos tipos políticos mais extravagantes encontrados no fundo desse abismo em que nos encontramos, o “médico bolsonarista” é um dos mais intrigantes. O enigma começa com as duas palavras que o designam: ele é médico por substantivo, quer dizer que exerce um ofício considerado nobre em qualquer sociedade, que consiste em curar e salvar vidas; mas é também bolsonarista, por adjetivo, portanto filiado a uma atitude política que, como sobejamente demonstrado a este ponto da nossa odisseia pandêmica, coloca a identidade tribal e o fanatismo em um lugar infinitamente superior ao apreço por vidas humanas e à missão de cuidar e curar. A tensão entre o substantivo e o adjetivo parece indicar um paradoxo. Na verdade, trata-se de um oximoro, como em “claro enigma”, “som do silêncio” ou “instante eterno”. Também neste caso, o adjetivo devora, anula ou contradiz o substantivo. O “médico bolsonarista” é, portanto, uma contradição ambulante, que só a singularidade da fauna dos abismos poderia comportar.
Não se enganem supondo a superioridade do substantivo sobre o adjetivo. O “médico bolsonarista” não é um médico que também é bolsonarista, mas um bolsonarista que ganha a vida exercendo a medicina. O bolsonarismo é que o define, posto que a ele se subordina tudo o mais o que a pessoa é, como pai, amigo, vizinho e, naturalmente, profissional da área de saúde. Não terá escrúpulos de usar, por exemplo, o prestígio, a distinção e a autoridade que a sociedade lhe concede por ser médico para fazer propaganda para a sua facção política mesmo em matérias e posições que violem francamente o seu juramento e ponham em risco a saúde dos seus pacientes, pois ele é primeiro um missionário de uma crença e o soldado de uma causa. A medicina vem depois disso, para ser usada como argumento de autoridade e facilitar a inoculação desta subespécie de bolsonarismo que surgiu na pandemia, o bolsonarismo clínico.
Chegou-se ao ponto que as mídias sociais estão cheias de exemplos de médicos autoconcedendo-se um upgrade ao status de cientista, mas não para ajudar as pessoas e as autoridades neste momento em que mais se precisaria deles, e sim para neutralizar o que prescreve e recomendam as autoridades de saúde mundo afora e para desqualificar os poucos consensos que a comunidade científica internacional tem conseguido sobre os modos corretos de se enfrentar o vírus. Ele não descobre nem cria conhecimento, ele os sabota, exorbitando da sua autoridade.
Médicos não são cientistas, são graduados e, eventualmente, pós-graduados em medicina, e não pesquisadores com anos de laboratório, publicações científicas e um título de PhD para início de conversa. O “médico bolsonarista”, contudo, não reconhece a distinção e pontifica em vídeos no WhatsApp, no Instagram ou no YouTube “desmascarando” a ciência e “revelando” a verdade sobre a Covid-19 que, por coincidência, é a mesma do bolsonarismo e dos negacionistas e e dos militantes antivacinas pelo mundo. Baseados em quê? Em ciência não é, porque o campo científico da saúde, nos dias que correm, publica diariamente centenas de estudos clínicos sobre Covid-19, que o profissional médico que está atendendo não tem a mínima condição de revisar. Mas o “médico bolsonarista” não se baseia na ponta de lança da ciência nem nas deontologias básicas da sua área, e sim nos embustes tribais da extrema-direita sobre o comunismo e o globalismo, mas, também, sobre epidemiologia, virologia e farmacologia e medicina.
Médicos não são cidadãos e, portanto, não podem ter sua própria ideologia política? Bem, para começar, é certamente superestimar o estágio atual do bolsonarismo considerá-lo uma ideologia. Seria supor algum sistema, um conjunto de valores coerentes, uma visão de mundo e de país. Como ouvi esta semana do embaixador Marcos Azambuja, pensar o bolsonarismo como ideologia é tentar encontrar algum método nessa loucura. A posição antivacina, a insistência em pseudomedicamentos, a negação e minimização da doença tem qualquer coisa a ver com ser de esquerda ou direita, conservador ou liberal? Nada. Não há um por quê nem para quê nesse comportamento e nessa convicção, como é claro neste momento para qualquer pessoa lúcida. Não se trata, portanto, de ideologia, de uma perspectiva minimamente coerente, mas de uma atitude e de umas concepções avulsas e avessas à racionalidade que, per se, são claramente incompatíveis com a visão de mundo da própria medicina.
Além disso, embora muitos médicos tenham se recuperado da patologia bolsonarista com o choque de realidade que tomaram com a pandemia, ainda há mais médicos no bolsonarismo do que qualquer outra classe profissional, exceto talvez policiais, milicianos e profissionais da área de segurança em geral. O que é de causar perplexidade, pois os médicos e os profissionais da área de saúde estão dentre os que pagaram o preço mais alto em vida e sacrifícios pessoais pela pandemia que nos assola há um ano. E são estes mesmo médicos os que sabem por experiência pessoal, nos plantões excruciantes, na experiência da morte e da doença do pessoal da linha de frente bem como de seus colegas e amigos, o quanto a mais completa falta de atuação produtiva do governo levou a este morticínio. Por que insistem em ficar do lado da peste em vez de lutar contra ela?
Infelizmente, o bolsonarismo não infectou a classe médica com tal intensidade e velocidade por acaso. Lastimavelmente, há uma cultura da classe médica brasileira – quer dizer, um conjunto de significados, mentalidades e valores compartilhados coletivamente – que é majoritariamente conservadora e elitista.
E não me venham com corporativismos, pois disso sabem muito melhor que eu os médicos e profissionais de saúde que, por sorte, são dissidentes e reativos a esses valores dominantes. Foi esse elemento conservador e elitista do DNA da classe médica que serviu como porta de entrada do vírus do bolsonarismo no organismo da corporação e dos seus profissionais. E é o que tanto dificulta a recuperação dos pacientes.
A história da simbiose entre médicos e a extrema-direita pode ser registrada em vários momentos dos oitos anos que nos trouxeram ao abismo. Assim, em 2013, vimos o médico protobolsonarista assediando médicos cubanos nos aeroportos, enquanto, em 2015, assistimos ao médico antipetista em manifestações, com seus jalecos brancos, gritando “Dilma Vaca” e denunciando a infiltração comunista por meio do Programa Mais Médicos. Em 2018, fomos finalmente apresentados ao médico bolsonarista declarando não atender filhos de petistas, desejando malignamente que petistas importantes viessem parar no seu plantão, e compartilhando fake news (“até cair o dedo”) sobre kit gay, a grana de Lulinha e o perigo comunista em seus grupos de WhatsApp. Sim, as nossas pesquisas constataram que os grupos de médicos são das mais importantes correias de transmissão de fake news bolsonaristas no Brasil.
Durante todo o ano de 2020 vimos o médico bolsonarista, sob o olhar silente ou cúmplice do Conselho Federal de Medicina, sabotando as medidas da OMS, promovendo e prescrevendo falsos medicamentos, negando a pandemia e minimizando as mortes dela decorrentes. Muitos o fazem até hoje. Não temos mais, em 2021, contudo, o benefício da ignorância com respeito a de que lado está o bolsonarismo no morticínio a que assistimos, estarrecidos, todos os dias.
Os médicos e outros agentes da área de saúde não podem mais honestamente alegar desconhecimento ou dúvida. Os doutores que continuam desafiando a OMS e o senso comum mundial prescrevendo ivermectina e cloroquina como se tivesse cabimento fazer de uma prescrição a um paciente enfermo um statement político, os doutores que gravam e postam vídeos de WhatsApp negando a letalidade da pandemia ou atacando o isolamento social e o lockdown, esses doutores já não são mais apenas um constrangimento moral, como os que insultaram cubanos ou gritavam palavras de baixo calão contra a ex-presidente. São a negação de tudo o que a medicina deve ser para as pessoas. Quando estamos morrendo à razão de mais de 4 mil brasileiros por dia, a quem recorreremos se o médico que nos atender pode estar mais interessado em defender sua facção política e suas crenças tribais do que em nos tratar?
O bolsonarismo na classe médica, além de uma patologia moral, virou uma doença intelectual e uma moléstia profissional que leva o acometido a sacrificar tudo – toda e cada uma das crenças da medicina e do seu sublime contrato com a humanidade – no altar do seu fanatismo ideológico. Hoje, depois de tudo o que sabemos sobre a doença e a sua letalidade, quando os erros cometidos são cristalinos e ninguém pode alegar ignorância ou inocência, o “médico bolsonarista”, essa triste entidade, é basicamente um colaboracionista, um dócil e empenhado soldadinho de jaleco branco do bolsonarismo e da sua Solução Final.
Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)
Textão
"Eles em nós": uma explicação do Brasil de Lula a Bolsonaro
Escrevo esta resenha do livro “Eles em Nós” um dia depois do Atlético do mineiríssimo Idelber Avelar perder o clássico contra o pior time do Cruzeiro em 100 anos. Em solidariedade a este momento difícil que o professor brasileiro radicado nos EUA deve estar passando esta resenha será (quase) só elogios.
Brincadeiras à parte, o livro é uma leitura fundamental para quem quer entender estes “tempos estranhos” como costuma dizer o ministro Marco Aurélio do STF.
Em “Eles em Nós” Idelber, livre das amarras do academicismo, nos oferece uma interpretação do Brasil dos últimos 20 anos pelo menos, a partir da retórica dos principais personagens e apresenta sua tese sobre porque Bolsonaro chegou à Presidência.
Bolsonarismo e Lulismo são os principais "personagens" do livro, mas não os únicos. Varguismo, ditadura militar, tucanato, liberalismo passam pela “história” para ajudar-nos a entender como chegamos aqui.
Dois personagens recentes ocupam papel de destaque: “o presidencialismo de coalisão” como teorizado pelo cientista político Sergio Abranches e o “pemedebismo” apresentado pelo filósofo Marcos Nobre. Independente das diferenças dos conceitos, o que nos importa é que explicam a relação entre Congresso e Executivo e os conchavos de bastidores que faziam com que os antagonismos de uma sociedade tão desigual quanto à nossa não emergissem e determinassem a vida política cotidiana.
Estes antagonismos irrompem no Junho de 2013, quando o Pais vive uma verdadeira rebelião. Idelber dedica muito do livro a interpretar as Jornadas de Junho. Para ele Junho acaba com o Lulismo como proposta política de escamotear os antagonismos. Neste particular, Idelber traz um como explicação o termo “oxímoro” para descrever a ação do Lulismo entre 2005, quando irrompe o escândalo do Mensalão, e Junho de 2013. Oxímoro descreve, se entendi direito, a atuação simultânea em dois polos antagônicos. O exemplo mais claro é o do relacionamento com a imprensa. Lula era capaz de fustigar a Rede Globo num evento com militantes de manhã e à tarde nomear Hélio Costa, representante da Vênus Platinada na política partidária.
“Eles em Nós” traça com clareza como o PT e Lula fizeram acordos com os segmentos mais conservadores do país – agronegócio, diversos matizes do evangelismo pentecostal, PMDB e outros partidos conservadores – enquanto mantinha para a militância um discurso de esquerda cada vez mais voltado às questões identitárias.
Um tema importante para Idelber é a Amazônia. Ele mostra como o petismo incorporou o “desenvolvimentismo” militarista de ocupação da região e da utilização dos seus rios para a geração de energia. Belo Monte é uma tragédia para as populações indígenas da região e para centenas de espécies animais extintas. A lembrança de como Lula tratava a questão ecológica fazendo chacota se soma a outros episódios que me dão a certeza de que o velho caudilho só receberá meu voto no 2º turno em 2022.
O livro deixa claro que vários dos grupos atraídos para o núcleo de poder pelo PT foram se autonomizando e crescendo em importância até se juntarem às hordas reacionárias que deram origem ao bolsonarismo.
O bolsonarismo é uma confederação de interesses reacionários a quem Idelber chama de “partidos” – o Partido do Boi, o Partido da Bala, o Partido da Bíblia, o Partido da Polimilícia, o Partido do Mercado e o Partido dos Trolls. Cada um deles teve sua importância na ascensão do Bolsonaro. Cada um deles se alinhou ao bolsonarismo pela necessidade de expressar o seu antagonismo com o mundo contemporâneo através das guerras culturais típicas da extrema direita.
Usuário da rede mundial de computadores desde os seus primórdios, Idelber dá especial importância ao Partido dos Trolls, os militantes de extrema direita da internet que ofereceram ao bolsonarismo a sua linguagem em conteúdo e forma. É um dos capítulos mais interessantes. O incômodo que todos nós sentimos com a atuação de Bolsonaro está explicado neste capítulo.
Difícil de resumir, “Eles em Nós” não é uma leitura fácil, mas exatamente por isso é estimulante. Eu não li rápido. Era obrigado a parar, refletir e, no clima atual, respirar um pouco outros ares às vezes.
Para não dizer que não falei mal de nada, vou apontar um erro factual, uma omissão e uma discordância em relação à Idelber.
O erro: Idelber aponta que o PT teria apoiado o Plano Cruzado e lembra do discurso emocionado da Maria da Conceição Tavares na época. A verdade é que a MCT, mais tarde deputada federal pelo PT do Rio, ainda não era petista e nem mesmo os seus “meninos” Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manuel Cardoso de Mello e Luciano Coutinho, pra citar os três maiores expoentes do pensamento do Instituto de Economia da Unicamp que participaram do Plano Cruzado. Todos eram, a aquela altura, do PMDB do Dr Ulysses e, exceto Luciano Coutinho, todos os outros permaneceram fiéis ao velho Ulysses até sua morte.
A omissão: não chega a ser exatamente uma omissão, mas ao analisar (e avacalhar) com o ponto de vista de dois intelectuais estrangeiros – Perry Anderson e Noam Chomsky – senti falta de um aprofundamento sobre as razões que levaram intelectuais e jornalistas estrangeiros a “comprarem” a tese do golpe contra a Dilma. Minha opinião é que a “coalisão” que se junta para a consumação do impeachment tem muito do estereótipo dos golpes latino-americanos: latifundiários, militares, políticos tradicionais e militares. Só faltou um general bigodudo... ops... tinha o General Etchegoyen, bigodudo. O ministério Temer, sem nenhuma mulher, completava o estereótipo.
Finalmente a minha discordância. Idelber afirma que durante os governos petistas teria havido uma melhora da situação econômica dos mais pobres e, ao mesmo tempo, dos mais ricos e que a classe média teria ficado estável. Discordo deste último ponto de vista. Ainda que não tenha dados sobre isto, tenho impressão de que teria havido, sim, uma piora nas condições de vida da classe média. Em primeiro lugar porque a inflação dos anos Dilma se deu primordialmente sobre os serviços, que têm uma importância relevante na cesta de consumo da classe média. Soma-se a isto a defasagem na correção da tabela do IRPF que afeta a renda disponível dos assalariados, principais contribuintes deste imposto. Sem cair na “esparrela retórica” petista de que a “classe média odeia o PT porque não queria dividir lugares com os pobres nos aeroportos”, a elevação do salário-mínimo de um lado e a elevação do emprego de baixa qualificação no setor de serviços de outro, elevaram os salários dos trabalhadores domésticos, o que afetou, com certeza, o padrão de vida da classe média. Todavia, isto não foi decisivo na queda da presidente Dilma. As razões são bem mais complexas e estão bem apresentadas no livro.
Enfim, queria ter escrito algo curto e não deu. De qualquer forma, se você teve paciência de chegar até aqui, então está qualificado para ler “Eles em Nós”. É bem melhor que esta pobre resenha.
Em 'Alvorada', palácio que foi bunker de Dilma é um organismo vivo / Documentário que compete no É Tudo Verdade dribla o desafio de narrar bastidores do impeachment sem poder de fato o fazer.
Francesca Angiolillo
“Deste Planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável em seu grande destino.”
No dourado saguão de ingresso do Palácio da Alvorada, está gravada a frase de Juscelino Kubitschek. Ela não aparece em “Alvorada”, documentário de Anna Muylaert e Lô Politi que estreia no É Tudo Verdade, mas é como se lhe servisse de epígrafe irônica. Sabemos que o que se verá é um ocaso.
A ideia paira sobre o filme desde os créditos iniciais, em que as letras vão se afinando, como as colunas do palácio vistas em perspectiva, ou uma imagem que se desfaz, distorcida, no ar quente e seco de Brasília.
É a noite de 17 de abril de 2016, após a abertura do processo de impeachment. Estamos dentro de um dos carros da comitiva que conduz Dilma Rousseff ao Alvorada. O clima da cena, embalada por uma sinfonia de Villa-Lobos, traduz o senso de urgência de chegar ao destino onde a presidente afastada se encastelará para produzir sua defesa.
A visão subjetiva dá a impressão de que penetraremos na intimidade de Dilma durante o processo. Essa ilusão logo se desfaz, na primeira fala da presidente às diretoras.
“Eu não sou um personagem.” Ao ouvir que, sim, é, retorque. “Não. Para você. Eu não sou um personagem o tempo inteiro.” E adverte. “Tem coisas que vocês não farão, eu não vou permitir.” E define seu objetivo, que é “não deixar, sejamos nós ganhadores ou não, que a versão seja deles”.
Se, como fica claro, a câmera não pretende se mostrar isenta, tampouco se põe como submissa. Diante do interdito, o filme usa os limites da intimidade como um motivo, sublinhado nas cenas em que Dilma avisa que aquele momento não deve ser gravado. Ou quando, após ter se negado a ser personagem, se deixa construir enquanto tal, com frases como “eu não deprimo” e “eu não desequilibro”.
Ela não mora ali, afirma a um jornalista, moradia é só o andar superior, onde a câmera não penetra. Se aquela não é uma casa, o que é? Bunker, fortaleza, trincheira. Isso é o que pode a equipe retratar e que constitui o registro possível. Não é pouco.
Sobretudo, é como organismo vivo que o Alvorada surge, se justificando ele próprio como título e personagem.
Vemos o entra e sai de assessores, ex-ministros, apoiadores. A azáfama dos empregados é o sangue garantindo o funcionamento dos órgãos.
Essa unidade corpórea se reforça nas cenas de maior páthos do filme, aquelas nas quais, como pano de fundo para as atividades da lavanderia ou da cozinha, as falas do julgamento do impeachment se multiplicam em diferentes aparelhos de TV das entranhas palacianas.
É um documento dos mais interessantes que dribla o tempo todo o desafio de narrar os bastidores sem poder de fato o fazer. O resultado se fragmenta como a paisagem nos muitos reflexos que a arquitetura de Niemeyer proporciona.
A tensão expectante que se sustenta quase faz esquecer que conhecemos o final. Mas ele chega, em 6 de setembro, e com ele vem a palavra “casa”, colada numa caixa.
“Casa” é para onde vão o fogão, a geladeira. Casa são as miudezas que a fiel assessora organiza, os brincos, os cabides já vazios, pequenos traços de melancolia que o filme se concede, possivelmente à revelia do personagem que Dilma quer deixar.
ALVORADA * * *
Quando Terça (13), às 21h; quarta (14), às 15h, seguido de debate
Onde No Looke
Preço Grátis (limite de mil acessos)
Classificação Livre
Produção Brasil, 2021
Direção Anna Muylaert e Lô Politi
FSP 12.04.2021
Na próxima quarta feira, no Paz e Bem, teremos o debate sobre o filme MELANCOLIA de Laars von Trier, tendo como debatedor, Rodrigo Petrônio e interlocutores: Mauro Lopes e Faustino Teixeira.
É um filme muito impressionante e singular. Sobre ele comentou L.F. Pondé numa de suas crônicas:
´"Lars von Trier nos dá sua versão dos infortúnios de Justine. Se em Sade ela é a vítima indefesa da crueldade de uma natureza que ama torturar suas criaturas, revelando a inutilidade da virtude no mundo (lembremos que Sade usa o nome Justine como alternativa para "infortúnio"), em Von Trier ela é a vítima indefesa da melancolia porque (sempre) percebeu que ´a vida na Terra é má` e condenada. Um acaso isolado e único no universo: ´Estamos sós`, diz a profetisa Justine.
Mesmo a comida mais gostosa revelará seu sabor verdadeiro: a substância última das coisas são as cinzas. Ao tocar o mundo com a boca, a profetisa Justine sente o ´gosto` da verdade infeliz das coisas.
No filme, melancolia não é apenas o nome de uma doença, mas o nome do planeta que prova que os melancólicos são profetas.
Quando finalmente se comprova a inevitabilidade da "dança da morte" (nome dado no filme para a rota de colisão), Justine aparentemente sai da tristeza e se revela a mais corajosa das duas irmãs. Ela não se cura, o universo é que deixa de "mentir" sobre si mesmo.
Numa noite clara, ela oferece seu corpo nu ao planeta Melancolia, como uma mulher apaixonada faz para seu amante, buscando seu beijo. Uma declaração de amor à morte."
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