31 Março 2021
Em seu livro recentemente publicado na França (Vivre avec nos morts, ed. Grasset ), Delphine Horvilleur conta onze histórias de acompanhamento para a sepultura. A atenção aos momentos de luto faz parte da sua missão de rabino, mas homenagear uma pessoa, conhecida ou desconhecida, apela sempre ao que há de mais profundo dentro de nós.
A entrevista é de Fanny Cheyrou, publicada por La Croix, 27-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Qual é o sentido da palavra "homenagem"?
O que define a nossa humanidade talvez seja a nossa capacidade de homenagear aquilo que nos construiu e aqueles que nos construíram. Quando acompanho os mortos, sempre me pergunto o que faz com que nós, que os acompanhamos, sejamos seus herdeiros, mesmo que não sejamos seus filhos, porque acredito que nossas vidas serão o traço que continua de sua passagem pela terra. Afinal, muitas vezes tenho a impressão de ter tido encontros póstumos em minha vida. Quando acompanho pessoas cujas histórias me são contadas, ou até mesmo quando leio livros.
Qual é a relação entre nossa necessidade de narração e a de reconferir dignidade ao ser humano?
A nossa época, devido aos milagres da medicina, mantém a morte à distância. Muitos não querem ser confrontados com ela, nem se questionar sobre como conviver com ela. No entanto, a especificidade do homem não é rejeitar a morte. Acho que o específico do homem seja contar histórias. A morte nos deixa sem palavras, independente de quem nós somos, pobres ou ricos. A morte é uma área em que a linguagem não tem espaço, porque a linguagem é propriedade dos vivos. Mas quando a morte chega, a única arma que nos resta, a nós vivos, é usar as palavras. E não é uma arma de baixa intensidade, é uma arma de consolação em massa.
Você já acompanhou o enterro de um sem-teto?
Confesso que não, mas isso levanta uma verdadeira questão. Na tradição judaica, para recitar um kadish, a oração tradicional, é preciso estar em pelo menos dez pessoas. É o que se chama de "minian", a encarnação minimalista do coletivo. Mas qual é o coletivo de um sem-teto? A dramática condição de um sem-teto é que, já enquanto vivo, ele está desinserido de um coletivo. Em um funeral clássico, os falecidos são inseridos em um contexto onde fios de vida se cruzam. Acabo até conhecendo-os pelos rastros que deixaram na vida das pessoas que os amaram. Na experiência da pessoa sem-teto, o contexto de sua vida é tão fragmentado que não há ou quase não há mais fios interconectados.
Os sem-teto são um pouco nossos mortos?
Gostaria de poder dizer que somos uma sociedade capaz de fazer deles nossos vivos e, portanto, os nossos mortos. Porque não poder dar-lhes nome nem rosto é desumanizante para todos. No contexto da crise sanitária que vivemos, percebemos que, quando se continua a falar de números, a história das pessoas se perde. Não se escuta mais. A única maneira de ainda dar um sentido o que acontece é garantir que todos tenham um nome e um rosto. Mas não é fácil. Aos sem-teto não se dá rosto nem nome. A experiência de vida deles é tal que não me torna incapaz de dar-lhes uma idade. Como se o tempo tivesse parado de passar tanto em sua vida quanto em seu rosto. Eles não estão apenas desinseridos de uma casa, de uma estrutura, eles estão desinseridos do tempo.
Em seu relato, fala-se de Jeema, uma moradora de rua. Ela morreu no mês passado em Porte de Clichy, perto do anel viário. O que você diria para homenageá-la?
Como rabino, uso as palavras da tradição judaica. Embora eu não queira roubar a memória de Jeema com minha palavra. Como saber se as palavras do judaísmo fazem sentido para ela e para sua vida ... Mas o que você diz me lembra um personagem recorrente no Talmud, o profeta Elias, que é aquele que anuncia os tempos novos. Estamos constantemente procurando por Elias, porque todos nós aspiramos a uma mudança na sociedade. No Talmud, diz-se que se deve ir procurá-lo nas portas da cidade, entre os leprosos - lá onde se esquece de olhar - porque o profeta Elias e o Messias que ele anuncia estão entre os mais vulneráveis, entre aqueles que se teme aproximar, por medo de que nos contaminem. Mas se não se chegar perto deles, os novos tempos não virão. No fundo, as portas da cidade são as periferias.
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“Diante da morte, a única arma que nos resta são as palavras”. Entrevista com Delphine Horvilleur - Instituto Humanitas Unisinos - IHU