26 Março 2021
"Uma grande conquista demográfica da humanidade pode ser revertida por um simples e minúsculo vírus. E as perdas serão muito maiores naqueles países que os governantes negaram a gravidade da situação", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 24-03-2021.
Uma conquista secular da humanidade está prestes a sofrer uma reversão preocupante. A esperança de vida ao nascer da população mundial era de 28 anos em 1800, passou para 32 anos em 1900 e deu um salto no século XX, quando chegou a 66 anos no ano 2000. Portanto, os anos médios de vida mais que dobraram em um século. E continuaram subindo e chegaram a 72,6 anos em 2019. Mas a alta mortalidade provocada pela pandemia da covid-19 está ameaçando os avanços no anos médios de vida em todo o mundo. Os EUA eram o país com maior esperança de vida ao nascer em 1900, com 49 anos. Em 1950, mantinham a dianteira com 68 anos, chegaram a 76,8 anos no ano 2000, atingiram 78,6 anos em 2010 e 78,8 anos em 2019. Entre os países ricos do mundo, os EUA passaram a ter os menores níveis de esperança de vida ao nascer. Na última década houve estagnação dos anos médios de vida da população americana.
Mas o que estava ruim piorou em 2020 com o avanço do SARS-CoV-2 e o indicador sintético da esperança de vida reverteu a tendência em 2020, devendo apresentar valores ainda menores em 2021. O artigo “Reductions in 2020 US life expectancy due to COVID-19 and the disproportionate impact on the Black and Latino populations”, de Theresa Andrasfay e Noreen Goldman, publicado em PNAS (02/02/2021), mostra que o grande número de mortes da covid-19 nos Estados Unidos, ocorreu de forma desproporcional entre as populações negra e latina. As medidas de expectativa de vida quantificam essas disparidades de uma forma facilmente interpretável. As autoras projetaram uma redução de 1,13 anos na esperança de vida ao nascer, voltando para 77,5 anos, nível equivalente ao de 2003.
Contudo, as reduções estimadas para as populações negra e latina são 3 a 4 vezes maiores que para as brancas. Consequentemente, espera-se que covid-19 reverta mais de 10 anos de progresso feito no fechamento do hiato entre negros e brancos na expectativa de vida e reduza a vantagem anterior de mortalidade latina em mais de 70%. As autoras consideram que algumas reduções na expectativa de vida podem persistir além de 2020, em decorrência da elevada e contínua mortalidade por covid-19 e aos impactos de longo prazo na saúde e nos indicadores sociais e econômicos da pandemia.
Infelizmente, esta situação americana vai se repetir na maioria dos países do mundo, especialmente no hemisfério ocidental. Artigo de J.M. Aburto e colegas, “Recent Gains in Life Expectancy Reversed by the COVID-19 Pandemic”, publicado na medRxiv (03/03/2021) apresenta estimativas de perdas na esperança de vida em vários países, conforme mostra o gráfico abaixo. De modo geral, as perdas serão maiores entre a população masculina.
Os dados ainda não são definitivos, mas existe uma certeza que haverá queda na esperança de vida nos países que não conseguiram controlar o novo coronavírus. No Brasil a queda deve ficar entre 1,5 e 2,0 anos, tendo como referência o ano 2020, interrompendo ganhos contínuos ocorridos nos últimos 130 anos. E se a pandemia não for controlada rapidamente, as perdas vão se prolongar ao longo do ano 2021.
Uma grande conquista demográfica da humanidade pode ser revertida por um simples e minúsculo vírus. E as perdas serão muito maiores naqueles países que os governantes negaram a gravidade da situação.
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O aumento dos anos de vida perdidos nos EUA com a pandemia. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU