19 Março 2021
"Os líderes religiosos e os fiéis não deveriam ver o distanciamento social como o abandono da fé. Todavia, os que muitas vezes recaem nesta posição insensível são àqueles que estão no ativismo religioso e numa 'síndrome de Superman', onde se esquecem que o protagonista da evangelização é o próprio Espírito Santo", escreve Caio Matheus Caldeira da Silva, Doutorando em Teologia Bíblica – PUCPR.
No dia 03 de março passado, o Brasil bateu o recorde pelo oitavo dia consecutivo em óbitos em decorrência da infecção por Covid-19 chegando a 1.910 mortes/dia. Esse número em dados estatísticos é o mais alto desde o início da pandemia em nosso país, demonstrando o seu agravamento que chega ao saldo de mais de 265 mil mortos.
Diante do início da campanha de vacinação no Brasil, que não chega ainda aos 4% (8.220.820 doses) na primeira dosagem, muitos líderes religiosos tanto católicos quanto evangélicos requerem permanecer com as atividades presenciais como missas e cultos. Sem contar que a pandemia não está nem perto do seu fim, mas na sua segunda fase, até então, a mais catastrófica desde março do ano anterior. Ceder às estas pressões é ajudar aumentar a disseminação do contágio de Coronavírus e o número de mortes.
Providencialmente, na missa dominical (07/03) a Igreja Católica refletiu sobre o Evangelho de Jo 2,13-25, no qual o próprio Jesus fala sobre o templo como lugar de vida e de dignidade. Assim, relativizando funcionamento do templo em benefício dos vendilhões (comerciantes) que teriam feito da casa do Senhor um local um lugar de comércio e roubo. O Cristo com sua ação profética de indignação reprovou o comportamento desses “vendedores dos bens divinos”, como meio de restaurar o sentido mais profundo do templo como lugar do verdadeiro culto a Deus.
A teologia bíblica de hoje remonta da tradição judaica. O Templo de Jerusalém ocupava um lugar central nas relações da fé. Ele era o lugar do encontro e da remissão dos pecados pela imolação de diversos sacrifícios a Deus. Judeus de todos os lugares iam ao Templo para prestar seu culto e adoração ao Senhor. Entretanto, o Templo de Israel foi destruído por volta do ano 70. Mesmo diante da ausência de um templo físico o povo eleito de Israel não esmoreceu, não abandou a fé, não perdeu os seus costumes, tradições e ritos. Mas, ao contrário, se reinventou, por que acreditava que a presença de Deus não se fixava apenas nesse espaço religioso.
Afirma o papa Francisco: “Não podemos engaiolar o Espírito Santo”. Delimitar a ação de Deus apenas em paredes sagradas é algo muito pobre e que fere a constituição ontológica de Deus. O conceito metafísico impele-nos a pensar o contrário. O distanciamento social hoje deveria ser para o cristão um axioma do amor ao próximo.
Os líderes religiosos e os fiéis não deveriam ver o distanciamento social como o abandono da fé. Todavia, os que muitas vezes recaem nesta posição insensível são àqueles que estão no ativismo religioso e numa “síndrome de Superman”, onde se esquecem que o protagonista da evangelização é o próprio Espírito Santo.
O aspecto financeiro é outro fator que incide sobre as pressões para o retorno das celebrações presenciais, pois, manter uma Igreja, seus líderes religiosos (bispos, padres e pastores) e suas estruturas físicas num contexto urbano como o de Londrina é muito custoso. Dado que tudo isso é financiado pela arrecadação do dízimo, meio rentável que tem diminuído. Porém, sua redução não pode ser mais importante que a defesa da vida diante da pandemia. As Igrejas não podem estar curvadas a sanar os seus déficits financeiros e a aumentar suas receitas de arrecadação para manter seus enormes capitais.
É necessário (re) compreendermos o que é a Igreja, que ela não se limita a sua materialidade. Cada cristão é templo do Espírito Santo (1Cor 6,19) e a imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Não podemos limitar a ação e a presença de Deus em templos de pedra. A Igreja de Deus excede a materialidade do que o homem pode construir. Nesse tempo quaresmal, a luta pela preservação de vidas é a grande liturgia a ser vivenciada/interiorizada por cada cristão.
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Igreja serviço essencial, templo não! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU